29 Julho 2018
O uso de agrotóxicos em Mato Grosso foi superior a 150 milhões de litros somente no ano de 2015.
A reportagem é de Assessoria MPT, 25-07-2018.
Em Mato Grosso a exposição média chega a 46 litros, quantidade seis vezes maior que a média nacional, hoje de 7 litros per capita/ano. Além disso, resíduos de agrotóxicos foram encontrados na urina e no sangue de trabalhadores rurais e de professores de três municípios do interior. Essa foi uma das revelações de uma pesquisa divulgada na semana passada no Fórum Mato-Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, realizada pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT).
De acordo com a pesquisa, o uso de agrotóxicos em Mato Grosso foi superior a 150 milhões de litros somente no ano de 2015. 97% deste montante foram empregados no cultivo de algodão, soja, milho e cana de açúcar. Os municípios da Bacia do Juruena foram escolhidos por estarem entre os maiores produtores agrícolas do estado – plantaram 1.6 milhão de hectares (11,7% da produção estadual) e utilizaram, juntos, 18,6 milhões de litros de agrotóxicos (12,4% do uso estadual).
As três cidades pesquisadas são Campos de Júlio, Campo Novo do Parecis e Sapezal. Na ocasião, foram identificados o uso de produtos não autorizados para a cultura.
Levando-se em consideração a área plantada, a população e o volume de agrotóxicos aplicado, a pesquisa revelou que cada habitante de Campos de Júlio está exposto, em média, a 606 litros de veneno por ano. Em Campo Novo do Parecis a média é de 209,4; e, em Sapezal, de 364.
Em Mato Grosso a exposição média chega a 46 litros, quantidade seis vezes maior que a média nacional, hoje de 7 litros per capita/ano.
Segundo o professor Dr. Wanderlei Pignati, coordenador da pesquisa, os dados confirmam a percepção de que há um problema sério e complexo a ser enfrentado. Durante a apresentação, ele expôs ainda a sua preocupação com o fato de que Mato Grosso, apesar de ser o estado que mais usa agrotóxicos do Brasil, não ter sequer um centro de referência de intoxicação aguda do produto e falou sobre o desafio de vencer a subnotificação de casos.
“Mato Grosso é mais subnotificado que os outros estados. Teríamos que estar em primeiro lugar no número de casos registrados, já que somos os maiores consumidores, mas não, estamos apenas em 10º”, disse.
O procurador-chefe do MPT em Mato Grosso e coordenador do fórum, Marcel Bianchini Trentin, ressaltou que “um dos grupos de trabalho em atividade no fórum visa justamente encontrar caminhos para que haja as notificações das doenças e acidentes que decorrerem do contato com agrotóxicos”.
A dissertação de mestrado de Lucimara Beserra chamou atenção também para a contaminação do ar e água da chuva e de poços artesianos de escolas da região pesquisada. O mapeamento do território indicou uma perigosa proximidade de lavouras com as escolas dos municípios, tanto na área rural quanto urbana.
Das 18 amostras de água dos poços artesianos analisados, 61% tiveram resultado positivo para agrotóxicos. Foram detectados, inclusive, resíduos dos herbicidas atrazina (0,12 µg/L a 0,28 µg/L), substância proibida pela União Europeia desde 2004, e metolacloro (0,34 µg/L a 0,63 µg/L).
Em relação às amostras de chuva, 55% das 72 coletadas apresentaram resíduos de pelo menos um tipo de agrotóxico. Em Campo Novo do Parecis, o percentual foi de 75% contra 45,4% de Sapezal e 46,1% de Campos de Júlio.
Pelos padrões da Portaria nº 2.914/2011 do Ministério da Saúde, que estabelece padrões de quanto a água é potável para consumo humano, os números estariam em conformidade com o volume máximo permitido (VMP), que hoje é de 2 µg/L e 10 µg/L para atrazina e metolacloro, respectivamente.
Todavia, se for considerada uma deliberação do Conselho da União Europeia, relativa à qualidade da água destinada ao consumo humano, as amostras estariam bem distantes do permitido. Ela esta para a soma de todos os ingredientes ativos dos agrotóxicos encontrados em uma única amostra.
O projeto teve início em 2014, sob a coordenação de equipe do Núcleo de Estudos Ambientais e de Saúde do Trabalhador (NEAST), do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), por meio de cooperação técnica com o Ministério Público do Trabalho.
Dos 88 tipos de agrotóxicos detectados nos três municípios, 67% são considerados extremamente tóxicos. A pesquisa demonstrou ainda que o glifosato continua sendo o veneno mais consumido. A substância chega a ser até três vezes mais ingerida que o segundo colocado, o inseticida clorpirifós, que é atualmente investigado por seus potenciais danos à formação do cérebro dos bebês e pelo risco de desencadeamento do autismo.
O glifosato é o ingrediente ativo do RoundUp, herbicida produzido pela Monsanto, o mais vendido no mundo. No Brasil, ele representa cerca 50% das vendas de agrotóxicos, de acordo com o Ibama.
Na Europa, após resistência de vários países, sobretudo a França, o produto teve sua licença de uso prorrogada só até 2022. A validade de registro havia terminado em 2015 e, desde então, uma celeuma tinha se instaurado para sua renovação. No mesmo ano, Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), chegou a classificar o glifosato como “provavelmente cancerígeno”.
Na época, o presidente da França, Emmanuel Macron, censurou a decisão e afirmou que em seu país a proibição será antecipada. A França votou contra a renovação de cinco anos ao lado de Bélgica, Croácia, Itália, Chipre, Luxemburgo, Malta e Áustria.
Em relação ao PL 6.299/2002, de iniciativa do ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP/MT), o procurador defendeu a Nota Técnica produzida pelo MPT. O documento repudia diversas das alterações propostas pelo projeto de lei, como a substituição do termo “agrotóxico” por “produto fitossanitário” e a possibilidade dos agrotóxicos serem liberados pelo Ministério da Agricultura sem ouvir órgãos reguladores, como Ibama e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“É uma balela trocar o nome para produto fitossanitário. A lei chama de agrotóxico, a Constituição usa a palavra agrotóxico, na bula o fabricante fala em veneno, na literatura internacional usa-se o termo pesticida, e ‘cida’ quer dizer algo que remete à morte. Tem gente que gostaria de chamar de ‘defensivo agrícola ou vegetal’. Alguns populares chamam de ‘remédio para planta’ e agora eles querem chamar de produto fitossanitário. Quase é o caso de perguntar porquê não propõem chamar de ‘água benta’, ironizou o procurador.
Na Nota Técnica, o MPT assevera que o PL afronta tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil, em especial as Convenções nº 155 e nº 170 da OIT, que dispõem, respectivamente, sobre a prevenção dos riscos, acidentes e danos à saúde que sejam consequência do trabalho e riscos ocasionados pela exposição a produtos químicos. Também afronta orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“Do jeito que está, se parar de piorar já estria bom. Os fabricantes não estão autorizados a aumentar o risco de quem já trabalha com produtos altamente tóxicos, banidos nos países de origem onde a fórmula foi desenvolvida. Muitos desses já são proibidos e a gente continua aceitando o lixo tóxico do mundo. Produtos recusados em outros mercados ganham, aqui, sobrevida”, disse.
A pesquisa “Avaliação da contaminação ocupacional, ambiental e em alimentos por agrotóxicos na Bacia do Juruena” está desmembrada em vários tópicos e os resultados estão sendo divulgados conforme a conclusão das etapas, por meio da publicação de artigos, dissertações e teses.
Participaram do evento, além de pesquisadores da UFMT e outros integrantes do fórum, o procurador de Justiça Luiz Alberto Esteves Scaloppe, os promotores de Justiça Marcelo Caetano Vacchiano e Joelson Campos Maciel, e o procurador da República Pedro Melo Pouchain Ribeiro.
A próxima reunião do Fórum Mato-Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos deverá ocorrer no dia 21 de agosto, às 9h, na sede do MPT-MT.
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Exposição ao agrotóxico em Mato Grosso é sete vezes superior a média nacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU