26 Janeiro 2018
O Papa Francisco há pouco concluiu a 22ª viagem internacional deste seu papado, ao Chile e ao Peru, e esta sua ida diz algo sobre a lua de mel que ele tem desfrutado até agora com a imprensa, sendo na verdade a primeira de tais viagens a respeito da qual os especialistas e comentadores puderam ter um debate significativo sobre se ela foi um sucesso ou um fracasso.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 25-01-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Esta viagem pode também dizer algo sobre a sabedoria do dizer de Jesus: “Um profeta só não é estimado em sua própria pátria, entre seus parentes e em sua família”, para marcar que a primeira situação semelhante de Francisco ocorreu na América do Sul. (Faço a distinção aqui entre América do Sul e América Latina porque as dinâmicas diferem, muitas vezes, na América Central).
Na viagem do papa, a polêmica centrou-se em torno da resposta de Francisco aos escândalos de abuso sexual clerical na Igreja Católica, e especificamente o seu tratamento dado no caso de um bispo chileno acusado de saber dos abusos cometidos pelo mais notório padre pedófilo do país e de tê-los encoberto.
Resumidamente, Francisco pediu desculpas às vítimas pelos danos sofridos e reiterou o compromisso com uma política de “tolerância zero”. Reuniu-se em privado com as vítimas para ouvir suas histórias e dividir suas dores.
Ao mesmo tempo, não cedeu em nada no caso de Dom Juan Barros, um dos quatro prelados chilenos acusados de acobertamento. Há uma pressão contra Francisco no sentido de destituir Barros desde que este foi nomeado para uma pequena diocese ao sul do Chile em 2015, porém o papa deixou claro que isto não irá acontecer.
A certa altura, Francisco acusou os críticos de Barros de praticarem “calúnia” e esclareceu que está convencido da inocência do religioso.
(Mais tarde, o pontífice se desculpou pela escolha de palavras, especialmente por ter parecido sugerir que as vítimas deveriam ter “provas” antes de se manifestarem, reconhecendo que algo assim poderia desencorajar muitos de assim proceder. No entanto, ele não cedeu em sua defesa vigorosa de Barros).
A atitude do papa pode ser vista como uma recusa corajosa a aplacar uma mentalidade equivocada, ou como mais uma prova de que a Igreja ainda luta para implementar a sua retórica de “tolerância zero”. Em todo caso, não há como negar que esta viagem foi um tanto conturbada.
Tudo isso acontece num contexto onde há uma fúria pública generalizada com a Igreja, em parte relacionada aos escândalos sexuais e outras causas.
O resultado foi talvez a reação mais violenta a uma viagem papal na era moderna: no todo, 11 igrejas foram atacadas nos dias próximos da visita, uma delas com uma ameaça direta a Francisco de que a próxima bomba estaria “em sua batina”, enquanto protestos antipapais em Santiago tiveram de ser interrompidos pela polícia com o uso de gás lacrimogênio.
Ainda que exista a pressuposição de que o primeiro papa latino-americano deva desfrutar de uma enorme admiração quando em viagem à região, se prestarmos bem atenção já deveríamos saber que nem sempre isso acontece.
Uma pesquisa de opinião antes da viagem apostólica conduzida pelo instituto Latinobarometro descobriu que o Chile era o país na América do Sul onde o índice de aprovação do papa é o mais baixo, na casa dos 53% antes de sua chegada.
No cômputo geral, o índice médio de aprovação do papa na América do Sul é de 68%, um número alto, porém inferior ao encontrado em outras partes do mundo.
Antes de tirar qualquer conclusão, alguns pontos precisar ser considerados.
Em primeiro lugar, quando Francisco vai a outros lugares, profere discursos de cunho social e político duros, mas normalmente formulados em termos de princípios amplos que não soam como se ele estivesse beneficiando diretamente um grupo ou outro. Isso nem sempre é verdade, pois os seus comentários feitos sobre o candidato Donald Trump numa ida ao México em fevereiro de 2015 surpreenderam alguns americanos como sendo abertamente partidários. No entanto, este caso foi uma exceção, e não a regra.
Por outro lado, quando fala à América do Sul, ele é mais concreto e direto do que aquilo que os críticos viam antes como o seu “silêncio” na questão da junta militar argentina, na comparação ao que veem hoje como o seu apoio ao movimento bolivariano em todo o continente. É também verdade que, mesmo quando Francisco está obviamente tentando não ser partidário, a imprensa sul-americana o considera como tal.
É, pois, natural que Francisco se veja enredado mais fortemente na questão partidária, o que naturalmente irá fazê-lo um pouco menos universalmente benquisto.
Em segundo lugar, não sou nenhum especialista em América do Sul, mas sei isto: a Argentina e os argentinos frequentemente evocam ambivalência dos outros na região, os quais, por vezes, os enxergam, estereotipicamente, como fechados e propensos a um complexo de superioridade. Isso provavelmente é sentido de um modo particular no Chile, que divide a terceira maior fronteira terrestre com o seu vizinho a oeste.
Portanto, a ideia de que um papa argentino viria ao Chile sem nenhuma indisposição é ingênua. Nesse contexto, o caso provavelmente não é o número relativamente pequeno dos que rejeitam o papa, e sim quantos chilenos o acolhem.
Em terceiro lugar, as idas ao Chile e ao Peru foram bem diferentes. Sim, houve críticas tanto na base quanto na imprensa chilena, mas dificilmente se viu isto no Peru, onde o clima esteve mais alegre e calmo.
Em quarto lugar, mesmo no Chile Francisco acentuou o lado positivo. Durante a coletiva de imprensa no voo que o trouxe de volta a Roma, disse que estava feliz com a forma como as coisas aconteceram.
“Não esperava tantas pessoas pelas estradas”, falou, referindo-se à multidão que o saudou. “Essas pessoas não foram pagas nem levadas de [ônibus], a espontaneidade da expressão chilena foi muito forte”.
Dito tudo isso, a realidade inegável é que a viagem mais difícil deste papado até agora se deu na América do Sul, e alguns dos seus menores índices de aprovação estão nesta região também. O que podemos concluir?
Um papado, como tudo na vida, é sempre uma mistura de sucessos e fracassos, e ter um juízo equilibrado requer perceber ambas as coisas. Por vezes isto é difícil de se fazer atualmente, quando as paixões correm soltas e as opiniões tendem a se polarizar.
Exatamente por o conhecerem tão bem é que muitos latino-americanos exibem um entusiasmo selvagem pelo papa, e um amor profundo por sua abordagem pastoral, misericordiosa, vendo-a como a melhor das suas experiências. Outros, no entanto, também estão bem cientes de onde ele errou, ou dos defeitos potenciais que seu estilo pode apresentar.
Consequentemente, vemos que há altos e baixos. Com o tempo, a tarefa será analisar todas estas coisas, e tentar montar um quadro deste papado com todas as peças em seus devidos lugares – e, supondo que chegaremos lá, será o próprio quintal de Francisco o que nos ajudará a montá-lo.
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Por que Francisco às vezes pode ser um profeta não estimado em sua própria terra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU