06 Janeiro 2017
"Esses Encontros dos Movimentos Populares com o Papa representam (como já disse) uma verdadeira revolução na Igreja, uma 'revolução evangélica' radical. Neste artigo faço algumas considerações e reflexões sobre o significado do 3º EMMP", escreve Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG).
Eis o artigo.
É urgente “os pobres deixarem de ser vítimas de políticas sociais, definidas sem a sua participação, para se tornarem protagonistas de um processo de mudança, que lhes permita o acesso aos direitos mais sagrados como a terra, teto e trabalho” (Juan Grabois)
De 2 a 5 de novembro de 2016 - a convite de Papa Francisco - realizou-se no Vaticano (Roma - Itália) o 3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (3º EMMP), com a participação de 170 delegados e delegadas de 65 países. Do Brasil, participaram integrantes dos Movimentos: Conselho de Entidades Negras (CONEM), Central dos Movimentos Populares (CMP), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - La Via Campesina, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), União Nacional Por Moradia Popular (UNMP) e outros.
Nos quatro dias do Encontro, foram debatidos os eixos que historicamente marcam o evento e preocupam tanto os Movimentos Populares como o Papa Francisco: Terra, Teto (Casa) e Trabalho. Neste Encontro abriram-se também novas discussões, ampliando as perspectivas de análise e de luta, sobre: Povo e Democracia, Território e Natureza, Migração e Refugiados.
Segundo Juan Grabois, da Comissão Organizadora do Encontro, “há um grande número de Organizações integradas pelos excluídos e excluídas, que não estão resignados à miséria que lhes foi imposta e resistem com solidariedade ao paradigma tecnocrático atual. O diálogo entre nós e a Igreja tem o objetivo de acompanhar, incentivar e visibilizar esses processos que surgem das bases populares". Diz ainda: “os 3-T (Terra, Teto, Trabalho) continuam a ser o coração dos nossos Encontros; direitos estão sendo violados por um sistema injusto, que deixa milhões de camponeses sem terra, famílias desabrigadas e trabalhadores sem direitos. Por isso os principais protagonistas de nossos Encontros são os três setores sociais mencionados, marginalizados do campo e da cidade”.
No dia 2 à tarde aconteceu o Painel de Abertura, realizado pelo Comitê de Organização: Card. Peter Turkson, Pontifício Conselho da Justicia e da Paz - Vaticano; João Pedro Stédile, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - La Vía Campesina - Brasil; Juan Grabois, Movimento de Trabalhadores Excluídos (MTE) - Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP) - Argentina; Jockin Arputham, National Slum Dwellers Federation of India - Slum Dwellers International (SDI) - India; Xaro Castelló, Hermandad Obrera de Acción Católico (HOAC) - Movimento Mundial de Trabalhadores Cristãos (MMTC) - Espanha.
Com testemunhos concretos, representantes dos cinco continentes, relataram a situação de suas democracias, que muitas vezes são somente de fachada. Falaram das condições precárias e da violação dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, da trágica condição feminina e da marginalidade.
O intercâmbio e a partilha das delegações dos países presentes concluíram no dia 5 de novembro com o “Discurso do Papa Francisco aos participantes no 3º EMMP”. No Encontro foram aprovados os Documentos finais: “Propostas de ação transformadora assumidas pelos Movimentos Populares do mundo, em diálogo com o Papa Francisco” e “Síntese dos trabalhos de grupo: estratégias comuns em todas as linhas de ação”
Esses Encontros dos Movimentos Populares com o Papa representam (como já disse) uma verdadeira revolução na Igreja, uma “revolução evangélica” radical. No 1º Encontro, o cardeal Turkson - presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz - ressaltou que se trata de uma novidade absoluta. “Pela primeira vez - disse à época - um Papa convocou as lideranças dos Movimentos Populares para um Encontro”.
Conforme afirma João Pedro Stédile (MST), o Papa é realmente “um homem de muita coragem”. “Esse processo de debates e diálogos entre Francisco e os Movimentos Populares partiu de uma vontade política do pontífice: a de dialogar e dar protagonismo aos Movimentos Populares em todo mundo, como estímulo à organização dos trabalhadores e dos mais pobres, como esperança e necessidade para a mudança do sistema capitalista”.
Neste artigo faço algumas considerações e reflexões sobre o significado do 3º EMMP. Em outros artigos, destacarei os pontos marcantes do Discurso de Francisco aos participantes no 3º EMMP e o conteúdo extraordinário dos Documentos Finais. São luzes e, ao mesmo tempo, um programa de lutas para nossa militância nos Movimentos Populares e nas Pastorais Sociais e Ambientais.
Qual é, pois, o significado do 3º EMMP? O que ele representa? Em primeiro lugar, o 3º EMMP teve o objetivo de dar continuidade ao 1º, realizado no Vaticano de 27 a 29 de outubro de 2014, e ao 2º, que aconteceu em Santa Cruz de la Sierra na Bolívia de 7 a 9 de julho de 2015. Em segundo lugar, teve também o objetivo de retomar, aprofundar e ampliar os temas desses Encontros.
Baseando-se no método ver-julgar-agir (analisar-interpretar-libertar), Juan Grabois diz que podemos definir “o primeiro Encontro como o do conhecimento recíproco entre nós e o Papa. O segundo como o do discernimento e da reflexão, sintetizados por Francisco em três diretrizes: pôr a economia a serviço dos povos, construir a paz e a justiça, e defender a Mãe Terra. Agora, cabe a nós agir. Já fazemos isso nos respectivos países. Trata-se de estabelecer uma maior coordenação e compartilhar as ‘boas práticas’".
Como sempre, o Papa Francisco - em seu Discurso aos participantes no 3º EMMP - coloca-se no meio deles e delas num plano de igualdade, como um irmão de caminhada que está em plena sintonia com os anseios e as aspirações dos Movimentos Populares. Dirige-se aos irmãos e irmãs desses Movimentos com toda simplicidade e confiança. “Boa tarde, irmãos e irmãs! Neste nosso (reparem: neste nosso!) 3º Encontro expressamos a mesma sede, a sede de justiça, o mesmo grito: terra, teto e trabalho para todos. Agradeço aos delegados que vieram das periferias urbanas, rurais e industriais dos cinco continentes, mais de 60 países, para debater novamente sobre o modo de defender estes direitos que unem. Obrigado aos Bispos que vieram acompanhar-vos. Obrigado aos milhares de italianos e europeus que hoje se reuniram no final deste Encontro. Obrigado aos observadores e aos jovens comprometidos na vida pública, que vieram com humildade para ouvir e aprender. Quanta esperança tenho nos jovens!”.
Reparem a ternura e a empatia do Papa Francisco para com os Movimentos Populares! Será que nós cristãos e cristãs - pessoalmente e como Igreja - temos a mesma ternura e empatia para com esses Movimentos? Se queremos ser hoje seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré e sua Igreja, esse é o caminho! Não há outro! Pensemos!
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3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares: seu significado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU