02 Dezembro 2016
Na sua saudação do dia 28 de novembro aos participantes da plenária da Pontifícia Academia das Ciências, o Papa Francisco lhes agradeceu pela sua contribuição “que, com o passar do tempo, revela sempre mais o seu valor tanto para o progresso da ciência, quanto para a causa da cooperação entre os seres humanos e, em particular, para o cuidado do planeta em que Deus nos colocou para viver. Nunca antes na nossa época pareceu evidente a missão da ciência a serviço de um novo equilíbrio ecológico global. E, ao mesmo tempo, está se manifestando uma renovada aliança entre a comunidade científica e a comunidade cristã, que vê convergir as suas diversas abordagens à realidade em relação a essa finalidade compartilhada de proteger a casa comum, ameaçada pelo colapso ecológico e pelo consequente aumento da pobreza e da exclusão social. Alegro-me pelo fato de que vocês sentem profundamente a solidariedade que os liga à humanidade de hoje e de amanhã no sinal de tal solicitude pela Mãe Terra. Um compromisso ainda mais digno de estima por estar totalmente orientado à promoção do desenvolvimento humano integral, da paz, da justiça, da dignidade e da liberdade do ser humano. Prova disso, além das obras realizadas no passado, são os múltiplos temas que vocês se propõem a abordar nesta sessão plenária, que vão desde as grandes novidades da cosmologia às fontes de energia renovável, passando pela segurança alimentar, até um apaixonante seminário sobre o poder e os limites da inteligência artificial”.
A reportagem é de Umberto Mazzantini, publicada no sítio Greenreport, 30-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O papa recordou aos cientistas que, “na encíclica Laudato si’, eu afirmei que ‘somos chamados a tornar-nos os instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao criá-lo e corresponda ao seu projeto de paz, beleza e plenitude’ (n. 53). Na modernidade, crescemos pensando que éramos os proprietários e os chefes da natureza, autorizados a saqueá-la sem qualquer consideração pelas suas potencialidades secretas e leis evolutivas, como se se tratasse de um material inerte à nossa disposição, produzindo, dentre outras coisas, uma gravíssima perda de biodiversidade. Na realidade, não somos os guardiões de um museu e das suas obras-primas das quais devemos tirar o pó todas as manhãs, mas sim os colaboradores da conservação e do desenvolvimento do ser e da biodiversidade do planeta e da vida humana nele presente. A conversão ecológica capaz de sustentar o desenvolvimento sustentável inclui, de maneira inseparável, tanto a assunção plena da nossa responsabilidade humana para com a criação e os seus recursos, quanto a busca da justiça social e a superação de um sistema injusto que produz pobreza, desigualdade e exclusão. Em suma, eu diria que cabe acima de tudo aos cientistas, que trabalham livres de interesses políticos, econômicos ou ideológicos, construir um modelo cultural para enfrentar a crise das mudanças climáticas e das suas consequências sociais, para que as enormes potencialidades produtivas não sejam reservadas apenas para poucos. Do mesmo modo em que a comunidade científica, através de um diálogo interdisciplinar em seu interior, soube estudar e demonstrar a crise do nosso planeta, assim também hoje ela é chamada a ser uma liderança que indique soluções em geral e em particular sobre os temas que são abordados na plenária de vocês: a água, as energias renováveis e a segurança alimentar. Torna-se indispensável criar, com a sua colaboração, um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecnoeconômico produzam danos irreversíveis não só ao ambiente, mas também à convivência, à democracia, à justiça e à liberdade”.
A parte mais política do discurso do Papa Francisco, que muitos leram como uma referência deliberada ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump, é a final: “Neste quadro geral, digna de nota é a fraca reação da política internacional – embora haja louváveis exceções – sobre a vontade concreta de buscar o bem comum e os bens universais, e a facilidade com que são desatendidos os fundamentados conselhos da ciência sobre a situação do planeta. A submissão da política à tecnologia e às finanças, que visam acima de tudo ao lucro, é demonstrada pela ‘distração’ ou pelo atraso na aplicação dos acordos mundiais sobre o ambiente, além das contínuas guerras de predomínio, mascaradas por nobres reivindicações, que causam danos cada vez mais graves ao ambiente e à riqueza moral e cultural dos povos. Mas, apesar de tudo isso, não percamos a esperança e tentemos aproveitar o tempo que o Senhor nos dá. Também há muitos sinais encorajadores de uma humanidade que quer reagir, escolher o bem comum, regenerar-se com responsabilidade e solidariedade. Junto com os valores morais, o projeto do desenvolvimento sustentável e integral é capaz de dar a todos os cientistas, particularmente aos crentes, um forte impulso de pesquisa”.
O pontífice simplesmente confirmou o que tinha dito e escrito muitas vezes, bem consciente de que isso irá colocá-lo em rota de colisão com Trump, com o qual, aliás, a antipatia recíproca ficou evidente também durante a visita de Bergoglio aos EUA e a Cuba.
A um Trump que ameaça desmantelar o acordo com Cuba cuidadosamente construído pelo Vaticano e retirar os Estados Unidos do maior acordo climático já assinado, o papa manda dizer que a Igreja Católica não vai recuar sobre o clima e a pobreza, e lança assim uma advertência àquela parte de bispos e do eleitorado católico estadunidense que apoiou – silenciosamente ou não – a eleição de um ecocético xenófobo à Casa Branca.
A diplomacia climática do papa, que muitos sabem que contou com a decisão de líderes políticos como o presidente sandinista da Nicarágua, Daniel Ortega, para assinar o Acordo de Paris, não vai parar diante da retórica antiambientalista e populista de Donald Trump, que o Papa Francisco acha que não é muito cristã: “Uma pessoa que só pensa em construir muros, onde quer que se encontrem, e não em construir pontes não é cristão”, disse o papa traçando um ardente retrato do neopresidente dos EUA.
Antipatia correspondida por Trump: “O fato de um líder religioso questionar a fé de uma pessoa é vergonhoso”. Evidentemente, Donald coloca o papa entre aqueles burocratas estrangeiros que, na opinião dele, querem prejudicar os negócios dos EUA e, através do Acordo de Paris, “controlar quanta energia usamos”.
A estranheza é que, nas suas acusações de ter difundido boatos climáticos, Trump une o papa católico e o presidente chinês ateu, ambos acusados de “comunismo” (e errando sobre ambos, seria preciso dizer...), enquanto diz que tem a mente aberta às mudanças climáticas e realmente abre a Casa Branca a um punhado de falcões céticos climáticos que horrorizariam os cientistas da Pontifícia Academia das Ciências.
Trump parece ter escolhido como adversários ossos muito duros de roer, e, no fim, a economia também poderia dar razão a Bergoglio e aos chineses: como observa a Think Progress: “Os defensores do Acordo sustentam também que é provável que ele desbloqueie enormes quantidades de investimentos em energia limpa, contribuindo para revitalizar as economias e estimular o crescimento de postos de trabalho nos países que permanecem dentro do Acordo”.
Como escreveu Joe Romm, para os EUA, o Acordo de Paris é um grande negócio: “Ele dá ao país a possibilidade de evitar enormes quantidades de danos custosos, embora comprometendo-se com o mínimo esforço. O presidente eleito, que uma vez escreveu um livro intitulado The Art of the Deal, não parece reconhecer como o Acordo de Paris é um verdadeiro grande negócio para os Estados Unidos e para o mundo”.
As respostas anteriores de Trump aos paternos conselhos do papa foram apenas uma propaganda maldosa, sem concretude política, mas provavelmente ele não é tão ruim quanto é retratado. Ele apenas não consegue entender por que um papa deveria se interessar pelos pobres, pelo clima e pela ciência, em vez de ficar tranquilo no seu trono no Vaticano.
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Papa Francisco a Donald Trump: cuidado para não abandonar o Acordo de Paris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU