02 Julho 2020
Enquanto a Igreja Católica dos EUA vagueia na tentativa de responder à ameaça contínua à vida dos homens e mulheres negros, não consigo deixar de pensar no sermão de Óscar Romero no domingo anterior à sua morte.
O comentário é de Ed Griffin-Nolan, publicada por National Catholic Reporter, 01-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O arcebispo Romero, hoje São Romero das Américas, é frequentemente lembrado pela sua defesa dos direitos humanos e pela sua insistência no fato de a sociedade colocar os pobres na frente e no centro das suas preocupações.
Romero é um mártir reverenciado, mas é fácil esquecer a causa imediata do seu assassinato. Naquele sermão, ele foi além das suas denúncias semanais dos abusos dos direitos humanos e pediu explicitamente que as forças de segurança salvadorenhas desobedecessem ordens injustas de reprimir e de matar o seu povo.
Pense sobre isso. Um bispo católico convocou publicamente a polícia, a guarda nacional e o exército a desafiarem as ordens de abater seus concidadãos. Suas palavras foram consideradas traição. Os esquadrões da morte de direita despacharam o arcebispo de San Salvador no dia seguinte, com uma bala no coração ao celebrar a missa.
No início deste mês, nos Estados Unidos da América, vimos dois policiais em Buffalo, Nova York, derrubando um ativista operário católico, enquanto obedeciam a ordens, mandando Martin Gugino, de 75 anos, para o hospital.
Em Syracuse, Nova York, vimos um policial, obedecendo a ordens, derrubando um fotógrafo de notícias ao vivo. O policial estava seguindo ordens.
Na capital do país, vimos as forças de segurança, novamente obedecendo às ordens, quando o presidente dos Estados Unidos mandou-as dispersar violentamente os manifestantes que estavam pacificamente na praça pública, para que ele pudesse fazer um vídeo de campanha em frente a uma igreja.
Estes tempos trazem à mente as últimas palavras do sermão de Romero, proferido em uma catedral lotada em San Salvador, no dia 23 de março de 1980, há 40 anos. Ele falou claramente, como era o seu costume:
“Eu gostaria de fazer um chamado de maneira especial aos homens do exército e, concretamente, às bases da guarda nacional, da polícia, dos quartéis: irmãos, vocês são do nosso mesmo povo, matam a seus próprios irmãos camponeses. E, perante uma ordem de matar dada por um homem, deve prevalecer a Lei de Deus que diz: ‘Não matarás’. Nenhum soldado é obrigado a obedecer a ordem contra a Lei de Deus. (...) Em nome de Deus, pois, e em nome deste sofrido povo cujos lamentos sobem até o céu cada dia mais tumultuosos, eu lhes suplico, eu os imploro, eu os ordeno, em nome de Deus: cesse a repressão!”
Romero deixou a catedral naquele dia como um homem marcado.
Ouvimos alguns de nossos bispos falarem da necessidade de acabar com o racismo e de parar a violência policial contra os negros. Os bispos de outros lugares se ajoelharam, marcharam e pregaram a justiça.
Mas, na maior parte, a prudência, e não a profecia, se apossou do episcopado. Se a declaração do arcebispo José Gomez, no dia 31 de maio, em nome dos bispos dos EUA é indicativa do sentimento coletivo deles, estamos sem liderança. A missiva era essencialmente um pedido de oração e de reflexão, levedada com quatro parágrafos dando lições a pessoas negras irritadas para que evitem a violência.
Trata-se das mesmas meias medidas tomadas após a morte de Philando Castile, Eric Garner, Michael Brown e centenas de outras pessoas que datam de décadas. Em vez de rezar pelos mortos, é hora de os bispos, pelo menos de um dos nossos bispos, se levantarem, como fez Romero.
A maioria está sentada. Dom Salvatore Matano, bispo de Rochester, Nova York, convocou os fiéis a rezar. “Vocês não acham que chegou a hora de rezar?”, perguntou ele em uma homilia no dia 31 de maio, “e de rezar a sério?”.
Convocar os fiéis a rezar, mesmo que a rezar a sério, é um lugar muito seguro para um líder religioso se esconder. Também é uma boa maneira de garantir que nada mude.
Muito melhor seria desviar os olhos para o Sul e seguir o exemplo de Romero.
Quem será o primeiro bispo dos EUA a olhar para a sua assembleia, incluindo os policiais sentados nos bancos, e a se dirigir a eles com a paixão de São Romero: “Eu lhes suplico, eu os imploro, eu os ordeno, em nome de Deus: cesse a repressão”?
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Como Romero, é hora de os bispos dos EUA se levantarem contra o racismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU