19 Junho 2019
Poderíamos dizer que o Papa Francisco é alguém que move a esperança. Desse modo fala dele Luis Miguel Tayori Kendero, liderança do povo harakbut de Madre de Dios, na Amazônia peruana. Ele foi o líder indígena que se dirigiu ao bispo de Roma durante a sua visita a Puerto Maldonado, em janeiro de 2018. Ele fez isso em nome dos povos indígenas, acompanhado por Yesica Patiachi Tayori, relatando as muitas crueldades e injustiças sofridas por estes povos, algo que continua hoje.
A entrevista é de Luis Miguel Modino.
No papa Francisco, a quem agradeceram por ouvi-los, reconheceram a figura de Apaktone, o dominicano espanhol José Álvarez Fernández, em quem os harakbut veem alguém que os ajudou a não desaparecer. Por isso, pediram ao Papa para defendê-los, mostrando-lhe a importância da preservação de tudo o que os cerca e de viver em harmonia.
Igual muitos indígenas pensam em todos os cantos da Pan-Amazônia, "a maior ameaça que envolve a integridade dos povos indígenas são os territórios", segundo o líder Harakbut, acusando os governantes de serem responsáveis pelas agressões que os povos indígenas sofrem. Contra isso, Luis Miguel Tayori, defende o papel dos missionários dominicanos há mais de cem anos, porque "além dos erros que podem ver terceiros, que não são indígenas, contribuíram muito, nas estruturas, a questão da educação, querendo formar em valores e profissões que podem ser desenvolvidos nas próprias comunidades ".
Em referência ao Sínodo, ele afirma que "é uma maneira de tornar visíveis os problemas da Amazônia e dos povos indígenas", uma possibilidade de que os povos indígenas possam contribuir com sua visão de mundo para todos os habitantes do planeta. É uma forma de compreender a vida de forma coletiva, integrando o ser humano com a natureza a partir de uma nova perspectiva.
O que a visita do Papa Francisco significa para você e para os povos indígenas de Madre de Dios?
A vinda do Papa movimentou muitas pessoas e, ao mover muitas pessoas, foi um movimento de esperança, ver o líder da Igreja Católica. Nas comunidades também há protestantes, nos últimos anos isso está sendo visto, e isso não importou para as comunidades nativas, foi uma decisão única de ver o Papa. Eu acho que tem sido um apelo maior do que um Presidente da República, mais do que outros líderes, e é por isso que houve aquela maior presença diante deste chamado.
O Papa Francisco disse em seu discurso que os povos da Amazônia nunca foram tão ameaçados como estão agora. Quais são as ameaças que vocês sofrem aqui em Madre de Dios e no Peru?
É complexo, a maior ameaça que envolve a integridade dos povos indígenas são os territórios. A mensagem política dos governantes é uma mensagem de desenvolvimento para o país, para o mundo, através de combustíveis fósseis, madeira, minerais. Estes compostos estão nos territórios indígenas. Eu acho que ainda é uma grande ameaça que os governos de cada país continuem apostando no desenvolvimento desde as florestas, desde os povos indígenas. Como o Papa diz, ainda é uma despensa para o desenvolvimento.
Qual tem sido o papel da Igreja Católica aqui nesta região, especialmente nos últimos cem anos com a presença dos dominicanos?
Vou falar a partir do contato com os missionários, assim como venho trabalhando com os avós, querendo entender o que a história tem sido. Há uma outra história dos povos indígenas, dos avós aqui, estou falando dos harakbut, e um outro olhar desde os especialistas indígenas, antropólogos, que a contribuição dos missionários dominicanos não foi tão boa, além do tema das epidemias.
Mas do ponto de vista dos avós e do que vemos agora, acredito que os missionários dominicanos, além dos erros que terceiros podem ver, que não são indígenas, contribuíram muito, nas estruturas, na questão da educação, querendo formar em valores e em profissões que em um momento eles podem ser desenvolvidas nas comunidades.
O próprio Apaktone, em Madre de Dios, que era um missionário dominicano, desempenhou um papel importante quando o boom da borracha estava no auge. De acordo com histórias, desde um outro olhar, reconhecendo a defesa dos povos indígenas, pois houve incursões, houve compra e venda dos indígenas em Madre de Dios, e isso não é relatado, mas há muitas histórias. Eu acho que os missionários dominicanos, por meio do Vicariato Apostólico continuam a optar pelos meninos, e desde o início optaram pela educação, que através dos missionários dominicanos veio a este canto da Amazônia, onde o Estado falha. Como resultado, a RESSOP (Rede Escolar do Sudeste da Selva Peruana) continua existindo, uma instituição dedicada à questão educacional.
O papa Francisco convocou o Sínodo para a Amazônia, que ele disse ter começado aqui em Puerto Maldonado. Para vocês, como povos indígenas, que esperanças desperta este sínodo?
Eu acredito que o Sínodo é uma abertura coletiva, antes ele era como um grupo de elite, mas este sínodo é uma forma de visualizar os problemas da Amazônia e dos povos indígenas, onde mais uma vez, através da Igreja Católica, dá um espaço de abertura para dizer que a Igreja sempre se preocupou em dar, reiterar mais uma vez à humanidade esta problemática que está hoje na Amazônia.
Nesse sentido, falando do Sínodo, o que os povos indígenas poderiam ensinar nessa dimensão da ecologia integral, nessa dimensão do cuidado da Mãe Terra e dos povos que a habitam?
Há muito para mostrar ao mundo neste espaço, um deles é como através da Amazônia, embora muitas coisas tenham chegado, como a tecnologia, o que podemos ensinar os amazônidas é que é possível viver no meio da floresta, é possível continuar tomando a água do rio, é possível continuar caçando e é possível trocar o seu modo de vida, é possível mostrar a visão de mundo das comunidades nativas ao mundo.
E o que é que essa visão de mundo pode contribuir?
Que se integrem em nossa visão de mundo, do modo que nós vemos o mundo, é possível. Uma natureza mais saudável, uma floresta mais saudável, apesar de muita pressão. Essa é a cosmovisão, convidar os homens brancos para que essa cosmovisão seja deles também. Não de uma minoria, dos amazônidas, mas que seja coletiva essa cosmovisão.
Você acha que essa cosmovisão comunitária, essa visão coletiva da vida, típica dos povos indígenas, poderia ajudar a superar o individualismo, que é frequentemente uma fonte de confronto que está presente na sociedade ocidental?
Essa visão de mundo também tem seus princípios, suas regras de coexistência, tanto entre os humanos quanto com a natureza. Eu acho que é por isso que continuamos existindo, apesar do fato de que há ameaças, apesar do fato de que existem restos em outras partes do mundo, apesar do fato de que há muitos assassinatos de muitos povos indígenas. Essa cosmovisão de entender o mundo, de olhar o mundo, nos torna mais coletivos. Se integrar a essa parte, acredito que há apenas uma maneira de ensinar, pessoas que pensam com uma mentalidade de possuir coisas. Há apenas uma maneira de encarar isso e, como digo novamente, é integrar-se nisto.
O que pode ser feito para isso?
É possível continuar conservando a floresta, é possível continuar conservando a água, continuar respirando e é possível mudar o modo de pensar como você vê o mundo. Se você não levar essas coisas em consideração, faremos muito pouco para mudar isso. Mudar o mundo é algo que precisa nascer, como dizem os avós. No momento da plantação você tem que tomar cuidado, você tem que estar ligado a ela para que ela dê bons frutos. Eu acho que é comparável a um ser que cresce, com uma boa aparência, com um bom sentimento, só assim você pode mudar o mundo. Não apenas olhar para a floresta, mas como olhamos para ela, como nos vemos entre os seres humanos.
Nota de IHU On-Line: A íntegra do Instrumento de Trabalho do Sínodo Amazônia: Novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral pode ser lido, em português, aqui.
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Luis Tayori: “A vinda do Papa a Puerto Maldonado foi um movimento de esperança” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU