"Riscos e oportunidades do Sínodo para a Amazônia". Reflexão do jesuíta Víctor Codina

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14 Junho 2019

O Sínodo para a Amazônia se apresenta como um momento que encerra riscos e oportunidades, segundo Víctor Codina, um dos colaboradores na elaboração do Instrumento de Trabalho, que deve ser divulgado nos próximos dias. A primeira dificuldade, segundo o jesuíta que vive na Bolívia há mais de 35 anos, é o fato de que "muitas pessoas, tanto fora quanto dentro da Igreja, não sabem o que significa um sínodo, nem sabem o que é a Amazônia, nem ouviu falar de um sínodo sobre a Amazônia."

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

Junto com isso, "outro risco é pensar que é um problema puramente territorial e local que não interessa ao resto da humanidade", diz Codina, ao qual acrescenta o fato de ignorar outros riscos, como a mineração (ilegal e legal), as empresas petrolíferas, madeireiras, monoculturas, megaprojetos hidráulicos, agrotóxicos, tráfico de drogas, grupos armados, agressões contra a cultura e identidade indígena. Tudo isso provoca expulsão, marginalização, perseguição e assassinatos dos povos indígenas.

A depredação da Amazônia com o endosso dos governos, que "concedem esses territórios às multinacionais para grandes ganhos econômicos", pode levar a "se sentirem ameaçados pelo sínodo e lançar campanhas contra", segundo o jesuíta, algo que em parte já está sendo feito, criticando as teorias científicas que advertem sobre as mudanças climáticas e as posições eclesiais que defendem a casa comum e os povos originários. Um dos mais atacados, é o Papa Francisco, reconhece Codina, de quem já se disse que é "comunista e herege, ingênuo, do terceiro mundo, que antes de aconselhar os outros, comece por reformar a Igreja manchada pelos abusos sexuais".

Um risco presente na cultura ocidental é "considerar os povos amazônicos apenas como pobres social e economicamente, sem levar em conta a imensa riqueza de suas línguas, culturas e espiritualidade, possuidores de uma sabedoria milenar anterior ao cristianismo", adverte Codina. Na verdade, ele os considera "uma alternativa ao mundo moderno que destrói a terra e ameaça o futuro de nossa casa comum".

Entre os povos da Amazônia está presente a Igreja há 500 anos, "com suas luzes e sombras, com o grande trabalho dos missionários", lembra Codina, que insiste que "agora essas pessoas reivindicam uma superação de toda a mentalidade colonial, o surgimento de uma Igreja com rosto amazônico e um aumento nos ministérios ordenados para poder acompanhar pastoralmente as populações muito dispersas ". Neste ponto, o jesuíta fala de uma preocupação do Sínodo, "não deixar perpetuamente as comunidades católicas da Amazônia sem eucaristia e propor novas formas de ministros ordenados".

Essa proposta pode ter o risco de "provocar uma tensão eclesial entre os grupos mais tradicionais e os mais abertos a essas novas necessidades que buscam, com ousadia, novos caminhos para a Igreja", reconhece Codina. De fato, alguns já estão se armando contra essa possibilidade, especialmente aqueles que não conhecem a realidade amazônica e não se preocupam em acompanhar o povo. O mesmo também pode ser dito, em sua opinião, diante da possibilidade "da mídia desviar sua atenção das questões ecológicas, sempre conflitantes, para enfocar a problemática intra-eclesial da ordenação de homens e mulheres casados e dos ministérios das mulheres", o que já aconteceu no Sínodo da Família.

O jesuíta apresenta outros riscos, tais como "no Sínodo não chegar a integrar a dimensão ecológica com o eclesial", porque "tudo está intimamente interligado e a Igreja deseja a vida integral das comunidades amazônicas" em todas as suas dimensões. Também aponta para "não contemplar suficientemente a questão da missão e evangelização, não aprofundar o diálogo intercultural e inter-religioso, não insistir suficiente no anúncio do Reino que Jesus anunciou".

Além dos riscos e dificuldades, Víctor Codina vê que "este sínodo é um momento propício para muitas oportunidades, não só eclesiais, mas mundiais". Em primeiro lugar, destaca a importância do processo de escuta, que garante "que a voz da Amazônia tenha uma ressonância ampla". Junto com que estamos diante de "uma oportunidade para concretizar a doutrina de Francisco na encíclica Laudato Si', evitando assim a ecologia se torne uma ideologia abstrata", e lembrar de novo "a gravidade da atual sistema econômico e político que gera marginalização e morte de pessoas pobres e destrói a natureza. E tudo isso, ouvindo o clamor das vítimas da periferia", enfatiza o jesuíta.

O Sínodo também será "uma oportunidade para a Igreja fazer sentir a sua voz profética e denunciar perante o mundo a necessidade de uma conversão ecológica" para "dar novo valor à eclesiologia da Igreja local do território, com ministros locais e uma teologia índia". Portanto, vê a necessidade de "refletir a estreita relação entre Igreja e Eucaristia, porque sem a Eucaristia não há Igreja, e não pode se condenar perpetuamente sem Eucaristia as inúmeras comunidades dispersas e remotas".

O Sínodo para a Amazônia oferece outras oportunidades segundo Codina, como integrar a dimensão ecológica e pastoral, dar a conhecer as riquezas da sabedoria dos povos indígenas e sua harmonia com a Criação como uma alternativa ao paradigma tecnocrático da nossa sociedade de consumo e descarte. Junto com isso, aprofundar no conceito de ecologia integral, de bem viver, de feliz sobriedade. Também para responder ao pedido das novas gerações que veem seu futuro desafiado pelo estilo de vida atual.

Finalmente, Codina vê uma "oportunidade de aprofundar e viver a dimensão do Espírito do Senhor Jesus", o que torna "a Igreja uma comunidade multifacetada que caminha em saída". Uma oportunidade para "reconhecer que tudo isso acontece desde a periferia e a pobreza de povos ameaçados e as vítimas". Portanto, devemos escutar os povos, que nos dizem: "A terra tem sangue e está sangrando, as multinacionais cortaram as veias da nossa mãe terra. Queremos que nosso clamor indígena seja ouvido em todo o mundo".

A partir dessa reflexão, o jesuíta acredita que "este sínodo, embora possivelmente conflitante dentro e fora da Igreja, será um momento de graça e esperança para a Igreja e para a sociedade. Por isso, pedimos a luz e a força do Espírito Santo criador".

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