08 Novembro 2018
O Papa Francisco afirmou, há três semanas, que se uma mulher se dirige a um médico para fazer um aborto, é como se alugasse um assassino para acabar com um ser humano.
Excesso de paixão na defesa das próprias razões que as transforma em uma regra que não admite exceções. Uma diferença substancial entre a possibilidade de abortar e a defesa incondicional da vida do feto, está no fato que a primeira é um direito que não é imposto como regra de vida, enquanto a segunda é uma norma que se estabelece como exceção à liberdade das mulheres de escolher se e como ser mães.
O artigo é de Sarantis Thanopulos, psiquiatra e psicanalista greco-italiano, publicado por Il manifesto, 03-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Transforma a maternidade em um êxito obrigatório da concepção, independente de como tenha acontecido e do desejo e vontade da mulher.
O direito ao aborto pertence a uma categoria de direitos que definem escolhas pessoais que pela sua própria natureza, não são subjacentes a uma sua definição política e, portanto, não podem ser nem incentivadas (como o controle dos nascimentos, por exemplo), nem proibidas por vias legais. São confiadas, este é o seu verdadeiro status jurídico, ao senso de responsabilidade do cidadão individual.
Uma mulher pode ser estuprada, engravidar e decidir manter a criança. Outra concebe um filho com um homem que deseja e opta por um aborto. Como dizer quais das duas está correta?
Como podemos decidir o que é a maternidade para uma mulher de maneira abstrata, alheia a ela?
A mulher pode recorrer a um analista, um consultor psicólogo, a um confessor, a um diálogo com o seu homem, quando existe, aos conselhos de pais, parentes, amigos, buscando apoio e conforto.
No entanto, a decisão final sobre o que diz respeito não a uma vida outra da dela, mas o seu desejo de ser mãe ou não em determinadas condições externas ou internas, cabe a ela.
Decidir sobre a vida do filho é inadmissível, mas a vida intrauterina, o viver nas condições preliminares da existência, que tipo de vida realmente é? Ninguém aceitaria retornar à placenta depois de ter respirado, gritado, escutado, cheirado, tocado, saboreado e visto o mundo à luz do dia. Assomar ao viver não é um critério psicanalítico, filosófico ou jurídico para determinar o que é a vida e o que não é, mas serve para diferenciar a entrada em uma relação com o mundo e com a matéria humana que o habita vindos de um estado encerrado em si mesmo de modo estanque. A mulher pode dar uma forma completa ao senso de responsabilidade em relação ao seu filho, que precede seu nascimento, somente através do contato com seu corpo pulsante, finalmente fora dela. Quem acredita que a vida continua após a morte, que o seu significado está na sua dimensão espiritual própria, separada do viver real e da experiência do corpo, que se torna apenas recipiente biológico temporário, pode dar igual valor para a vida fetal. Mas quem não pensa assim, não pode ser forçado a fazê-lo ou ser declarado assassino. Existem duas concepções de vida. A primeira liga a ideia à experiência que envolve o corpo. A segunda submete a experiência à ideia. A forma mais perigosa da ideia trata os seres humanos como aparatos genéticos e biológicos: no totalitarismo, as formas radicais do espiritualismo e do materialismo se sobrepõem.
As duas concepções da vida correspondem a duas concepções de ética: uma, que não é prescritiva, a confia ao sentido de responsabilidade do ser humano, a outra, que tende a sê-lo, a confia a uma Entidade Superior (que na fé religiosa é mitigada). A sua verdade não é politicamente e legalmente decidível a não ser com violência. Na democracia convivem e prosperam.
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Aborto, igreja e mulheres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU