14 Março 2018
"Nessas culturas, sua participação ativa é essencial, já que, na maioria dos casos, as mulheres são os verdadeiros guardiões da língua. Ao contrário dos homens, elas têm menos contatos e, portanto, maior resistência aos avanços das culturas e línguas dominantes, como o espanhol e o português. São elas que cuidam das crianças e transmitem sua cultura, costumes, fé e linguagem", escreve Marcelo Figueroa, biblista presbiteriano argentino, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 10-03-2018. A tradução é de Ramiro Mincato.
Há algumas décadas, em todo o mundo, mas especialmente na América Latina, a ciência da tradução bíblica tomou caminhos inclusivos, culturais, linguísticos e interpretativos tão importantes quanto irreversíveis. A necessidade de traduções que reflitam visões exegéticas ecumênicas é uma contribuição enriquecedora da diversidade cristã existente nesta grande parte do mundo. A ênfase colocada no fato de que os principais tradutores para as línguas indígenas são os próprios aborígenes é o modo mais autêntico de garantir que as versões incluam as contribuições de sua visão de mundo. As disciplinas sociolinguísticas oferecem às traduções bíblicas nas línguas dos vários grupos étnicos americanos os componentes culturais essenciais para que a versão seja verdadeiramente fruto de cada população e encarnada em seu coração.
No entanto, o papel fundamental para a análise, o desenvolvimento, a inculturação e o futuro de uma tradição bíblica nativa é o papel ativo das mulheres aborígenes. Nessas culturas, sua participação ativa é essencial, já que, na maioria dos casos, as mulheres são os verdadeiros guardiões da língua. Ao contrário dos homens, elas têm menos contatos e, portanto, maior resistência aos avanços das culturas e línguas dominantes, como o espanhol e o português. São elas que cuidam das crianças e transmitem sua cultura, costumes, fé e linguagem. São mulheres que sustentam a vitalidade, a riqueza e a pureza da língua aborígene. Não se pode pensar, portanto, em uma equipe de tradutores das línguas originais que não incluam mulheres e, em algumas regiões, houve casos em que os membros do Comitê de Tradução da Bíblia eram todas mulheres aborígenes.
O caso paradigmático é o da mulher guarani. Após as guerras do Chaco entre Bolívia e Paraguai, que dizimaram a população masculina, o idioma correu sério o risco de desaparecer. Foram as mulheres paraguaias que cuidaram dela, a transmitiram e a protegeram com suas próprias vidas, a ponto de o Paraguai ter hoje uma língua aborígene oficial, igual ao espanhol.
Outro exemplo pode ser retirado da língua quéchua. No evangelho de Lucas, o texto diz que "quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criatura se moveu no seu útero" (1,41). Algumas mulheres desse grupo étnico riram ao ouvir as propostas de tradução feitas pelos homens. Elas sugeriram uma palavra onomatopaica para transmitir a sensação do movimento repentino experimentado por Isabel. Essa riqueza na transmissão linguística sensorial só poderia ser pensada por uma mulher que havia carregado uma criança em seu ventre. Desta forma, a tradução quéchua adquiriu para sempre uma experiência única do mistério do encontro entre as mães de João Batista e de Jesus, um aspecto sensorial provavelmente perdido nas principais traduções usadas hoje.
O ecumenismo é um campo amplo e não deve incluir apenas o aspecto confessional, mas também, e acima de tudo, o aspecto cultural de cada denominação religiosa. E, neste ecumenismo cultural integral, que reflete a antropologia da fé latino-americana, o lugar das mulheres nativas não é apenas importante, mas mesmo fundamental. Uma vez que a Igreja é mulher, e os textos dos Evangelhos devem encarnar-se nas diferentes línguas, sem a participação ativa dessas mulheres nativas, as traduções usadas hoje pelas Igrejas indígenas na América Latina perderiam suas maiores riquezas distintivas.
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Transmitir é traduzir. A mulher indígena latino-americana e as versões bíblicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU