Maria Madalena segundo o cardeal Martini. A categoria do excesso

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23 Julho 2017

Ele parte dos Evangelhos. Há uma linha que liga as reflexões e os comentários de Carlo Maria Martini aos quatro evangelhos. Trata-se de uma trama marcada por etapas que indicam os aspectos fundamentais da vida cristã: discipulado, ética, anúncio, contemplação. Isto é o que destaca o volume I l cardinale Martini e la figura globale del cristiano (O cardeal Martini e a figura global do cristão, em tradução livre, Milão, Jaca Book, 2017, 174 páginas, € 14). Publicamos trechos do livro tirados do capítulo em que o autor discorre sobre os comentários dedicados à figura paradigmática de Maria de Magdala, considerada "apóstola dos apóstolos", cuja recorrência litúrgica no ano passado, no contexto do Jubileu de misericórdia, o Papa Francisco quis elevar ao grau de celebração para "refletir mais profundamente sobre a dignidade da mulher, a nova evangelização e a grandeza do mistério da misericórdia divina".

O artigo é de Francesco Emmolo, publicado por L'Osservatore Romano, 17-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Maria Madalena segundo o cardeal Martini. A Categoria do excesso.

O excesso é para Martini a "categoria" que nos permite não só entender o mistério de Deus escondido na paixão, morte e ressurreição de Jesus, mas o que expressa o sentido mais profundo de ser cristão, da maturidade cristã.

Mais uma vez é através das personagens de João que Martini constrói essa sua visão, e é em especial através de Maria Madalena que nos guiar nesse último trecho do caminho. "Maria de Magdala é uma figura particularmente importante nos Evangelhos, é o protótipo da pessoa que acede à fé no Ressuscitado. Se os outros dois episódios narrados por João representam mais uma comunidade que acolhe o mistério da Ressurreição, o episódio protagonizado por Maria Madalena é mais dedicado ao crente individual, ou melhor, o não-crente que se torna um crente".

Quem é Maria Madalena? Todos os evangelhos a incluem entre as mulheres que visitam o sepulcro. Talvez, explica Martini, tal referência indique "alguma função de liderança", mas não temos provas suficientes. Ela também aparece nos relatos da Paixão e na vida pública de Jesus, na qual é colocada "no mesmo plano dos discípulos". A sua forma, no entanto, pode ser compreendida também graças à comparação com as outras figuras femininas presentes no evangelho. Por exemplo, a mulher pecadora na casa de Simão, as "Marias de Betânia" e, finalmente, a esposa do Cântico; como ela, Maria Madalena "procurou Jesus com uma paixão inesgotável, com uma perseverança invencível e, portanto, é uma figura da busca de Jesus e do Senhor ressuscitado". Todas remetem de alguma forma a um "excesso de amor".

No texto lemos que o primeiro dia após o sábado, Maria dirige-se ao túmulo "bem cedo” quando ainda estava escuro. Uma atitude inusual e até um tanto arriscada, que a retrata imediatamente como uma 'mulher que supera as convenções'. Ela sai de casa porque não encontra paz e nem se preocupa com o que pode acontecer com ela ou o que as pessoas podem pensar. Quando chega ao túmulo tem uma primeira intuição dos eventos, mas ainda parcial e distorcida. Perturbada, ela vai até Simão, Pedro e os outros discípulos, mas, ressalta Martini, relata a sua versão dos fatos. Afinal, o que ela viu?

A pedra removida da entrada e o túmulo vazio; sobre esses elementos constrói-se uma história; o corpo de Jesus tinha sido roubado. A ansiedade de não saber onde tinha sido levado não lhe dá paz. Nesse ponto, a cena transfere-se para Pedro e o outro discípulo, a quem Jesus amava. Narra-se de sua corrida para o túmulo e das diferentes maneiras de entender o acontecido. Depois, a "câmara de filmagem" retorna sobre Maria, que está do lado de fora do sepulcro, chorando. Nós não sabemos "o motivo pelo qual permanece ali, talvez uma necessidade do coração, já que não há razão para ficar por lá: se o corpo de Jesus não está lá, não vai aparecer mesmo que fique esperando".

O texto insiste repetidamente no choro de Maria: é abalada por uma "profunda emoção" e sincera, mas tolhida pela dor, permanece presa em suas convicções. Nem mesmo a visão dos anjos e suas palavras conseguem arrancá-la da sua situação, a eles também repete sua versão dos fatos. É neste ponto que Jesus vem ao seu encontro, e apresenta mais uma vez a pergunta fundamental: a quem estás procurando? A ele, também, Maria repete sua história. Somente o som íntimo de seu nome pronunciado por seu Senhor, consegue remover o véu de sua incompreensão e permitir-lhe reconhecer o Ressuscitado "apresenta-se a ela com uma palavra de afeto, de apelo direto e o pessoal, não dá a ela qualquer anúncio e a toca na maneira mais delicada e afetuosa possível, pronunciando o seu nome, uma palavra muito pessoal que é para Madalena uma revelação. A esse ponto, ela se vira para ele, profundamente mudada. Sua alma agora está completamente voltada para a glória e o amor do Senhor".

Nesse ponto, Jesus envia-a aos discípulos, como mensageira da verdadeira anunciação. Em João "Maria Madalena não é apenas a primeira à qual Jesus aparece, é também a primeira a receber dele a missão formal de proclamar a ressurreição". Sua figura foi interpretada de maneiras variadas: alguns destacaram a imperfeição de sua busca, enquanto outros trouxeram à luz a perseverança e a fidelidade muito além das convenções. Por sua parte, Martini aponta que Jesus recompensa o carinho, o amor e a perseverança de Maria, mesmo que seu comportamento tenha sido no início "incompleto".

É justamente graças à amabilidade com que Jesus se refere a ela que Maria se torna a figura, "do amigo de Jesus." É a figura do cristão completo que percorreu as diferentes "fases" que citamos acima: é uma servidora fiel, que acompanhou e serviu Jesus, mesmo quando os outros discípulos não foram capazes de atendê-lo, mas também está em condições de ir além, tornando-se capaz de um "excesso de amor," porque considera o amor de Jesus mais importante do que sua própria segurança, sua reputação, sua vida.

E assim Jesus faz com que se sinta "imensamente amada", acolhendo seus sentimentos, apreciando sua "loucura". E o amor do qual se sente objeto, torna Maria uma anunciadora do Evangelho.

A mensagem sobre “o excesso", contida na experiência de Maria constitui o vértice da formação da pessoa cristã. De acordo com Martini, é o excesso que permite ter a experiência do Ressuscitado: "Quando estamos diante desse excesso? Quando o bem supera, vai além do puro do ut des, o puro contrato paritário, porque aqui ainda estamos no equilíbrio. O excesso de bem ocorre no momento em que se supera a relação de estrita justiça. Então, há uma doação de total gratuidade, na forma de pura perda: o perdão hiperbólico é todo uma perda, é dar para aquele que não merece, para aquele que nos é hostil, mesmo ultrapassando as boas maneiras, o chamado senso comum das pessoas, o senso comum da medida. É todo um excesso de bem".

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