13 Dezembro 2019
Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF: Dr. Bruno Glaab – Me. Carlos Rodrigo Dutra – Dr. Humberto Maiztegui – Me. Rita de Cácia Ló.
Primeira Leitura: Isaías 35,1-6a.10
Salmo: Sl 145,7.8-9a.9bc-10 (R. Cf. Is 35,4)
Segunda Leitura: Carta de São Tiago 5,7-10
Evangelho: Mateus 11,2-11
O 3º Domingo do Advento, proclamando Mateus 11,2-11, pede à comunidade cristã para repensar a pergunta de João: “és tu aquele que devia vir?” Tudo indica que nos inícios do cristianismo estivesse constituída uma comunidade que atribuía a João conotações messiânicas. Jesus oferece, por um lado, a exaltação de João e da sua missão; de outro, o redimensiona como figura preparatória do Reino dos Céus instaurado em Cristo.
Do ponto de vista narrativo, o cap. 11 de Mt é uma interrupção na linha principal da história contada. Ao discurso missionário não sucede a partida dos doze enviados; é Jesus que, terminando o discurso, “parte para ensinar”: é ele o enviado. Neste momento Mt introduz o episódio dos discípulos mandados pelo encarcerado João Batista. A pergunta de João vai expressar uma dúvida sobre Jesus ou será um expediente para que Jesus manifeste mais claramente a própria identidade?
Os ganchos com os capítulos precedentes são fortes: as “obras messiânicas” que põem João em alerta são aquelas exibidas nos cap. 8-9; e as “coisas que ouvem e veem”, na resposta de Jesus, se referem mais aos discursos evangélicos que aos milagres. Pode-se notar um tipo de relação com o cap. 3: como lá João Batista havia dado testemunho de Jesus, agora Jesus testemunha a respeito de João. Mas João está no cárcere, assim, o testemunho dado por Jesus é, de certo modo, retroativo, é um olhar endereçado ao passado, a uma missão que já chegou ao seu objetivo. Do ponto de vista temático, Mt 11 é uma espécie de flashback. Jesus se situa em relação a João, e através dele fala de si mesmo. O elogio feito a João se torna ocasião para um primeiro balanço de sua atividade que, como aquela de João, sofreu forte oposição.
Nada de Mt 11 aparece em Mc. No entanto, é reproduzido quase inteiramente em dois contextos lucanos (Lc 7 e 10). Sabemos que João Batista está preso (4,12). Segundo Flávio Josefo a sua prisão é a fortaleza herodiana de Maqueronte, a oriente do Mar Morto. Será também ali o lugar do seu martírio (14,3ss). A situação na qual se encontra João é fundamental para compreender a sua pergunta. Ele ouviu falar das “obras do Messias”. Quais são estas obras? As mesmas narradas nos cap. 8-9, e agora resumidas por Jesus através de um elenco de citações de Isaías: “cegos veem”, “surdos ouvem”, “mancos caminham”, “mortos despertam”, “pobres são evangelizados” (Is 29,18; 35,5; 26,19; 61,1). Colocada no final, em posição deliberadamente estratégica, a obra messiânica por excelência é a evangelização dos pobres (Mt 5,3; 9,36). Mas aquele texto de Is prossegue dizendo: “Me enviou... para a libertação dos prisioneiros” (Is 61,1-2). À pergunta bem precisa de João, Jesus não dá uma resposta tão precisa: deixa falar os fatos. Entre as obras messiânicas está restituir a liberdade aos cativos, e João Batista se encontra na prisão! Ouve falar de Jesus, no cárcere: suprema contradição.
A pergunta de João é altamente dramática. Que Messias é esse que não o liberta da prisão? Ela é assim formulada: és tu aquele que devia vir, ou devemos esperar um outro? “aquele que deve vir” (literalmente: que vem, ho erchómenos), é um particípio já usado por João Batista em Mt 3,11 (“aquele que vem depois de mim”) e tudo colorido com um sentido messiânico (Mt 21,9; 23,39) “aquele que vem em nome do Senhor”. Ou será outro que deve vir? É necessário tomar essa pergunta em toda sua seriedade, gravidade e dramaticidade. Neste ponto do evangelho a pergunta exprime uma dúvida que é também do leitor: Jesus é verdadeiramente o Messias esperado? As suas obras são suficientes para creditá-lo como tal?
Na sua resposta aos discípulos de João, Jesus diz poucas coisas citando algumas passagens da Escritura. Aparece somente uma palavra não escriturística dita por Jesus, e é, talvez, a mais reveladora. A bem-aventurança para quem “não se escandalizar” por causa de Jesus. Sinal que dele podemos escandalizar (5,29). Jesus admite que apesar de tudo aquilo que se ouve e se vê dele, não é evidente que ele deva ser considerado o Messias. A dúvida de João tem razão de ser. A concepção terrena e triunfalista a respeito do Messias impedia aos judeus reconhecer Jesus como enviado definitivo do Reinado do Pai. Para aderir a Jesus como ao Messias existe um escândalo a superar, o escândalo de um Messias pobre e desarmado neste mundo.
Jesus não se expõe em 1ª. pessoa, mas alude a si mesmo falando de João. Ele dá um longo testemunho relativo ao Batista. João na prisão extinguiu sua missão, enquanto Jesus deve ainda levá-la a cumprimento: da dúvida de João sobre Jesus se passa a certeza de Jesus sobre João. Jesus testemunha que João antes de tudo não é um “caniço sacudido pelo vento”. Com uma série de três perguntas retóricas se dirige à multidão questionando “quê (ou “por que”: tí pode possuir ambos os significados) saístes a contemplar no deserto?” Um frágil caniço? Não, João não era uma palhazinha agitada pelo vento. “Mas”, e se repete a mesma pergunta, “que saístes a ver?” o grego introduz cada repetição da pergunta com a conjunção adversativa allá, que pode significar “más” ou “se não”. Se não era por isso, o que fostes ver? João não era tampouco um “homem envolvido em veste finas”, se vestia com peles de camelo (Mt 3,4), era um asceta, um homem forte e vigoroso. Então, de fato, o que procuram? “Um profeta?” Esta é a resposta boa, porém ainda insuficiente: “Sim, vos digo e maior (mais) do que um profeta”. João não é um simples profeta, é o precursor do Messias.
Para provar isso, segue uma citação bíblica que faz uma sugestiva combinação entre um texto profético e com outro da Torah: “Eis que enviarei o meu mensageiro para que prepare um caminho diante de mim” (Ml 3,1). “Eis que eu envio um anjo diante de ti, para guardar-te no caminho e para levar-te ao lugar que aprontei” (Ex 23,20). Destacam-se dois acentos: a preparação do caminho e a mudança dos pronomes pessoais em relação a Ml 3 “preparará o teu caminho diante de ti”. Tudo isso tem como efeito que o retorno de Elias, biblicamente destinado a preparar o “dia do Senhor”, foi relido como uma preparação à vinda do Messias. Assim, Jesus alude à referência entre João Batista e Elias, à sua própria qualidade messiânica e à sua recíproca interdependência numa relação de mestre-discípulo.
O testemunho prossegue declarando João como o “maior” (meízon) entre os nascidos de mulheres. Quem é, pois, o “menor” (ho mikróterós) nominado logo depois (v.11)? “O menor”, tomado absolutamente, significa o mais jovem. Se João (cf. v.13) é considerado a última e mais importante manifestação do AT, no reino messiânico aparece como subordinado, pois, quem entrou na nova era da graça acha-se, em relação a ele, um grau acima. O precursor é maior, visto que veio preparar o advento do Reinado do Senhor. Mas quem fizer parte dele, ainda que seja o menor, tem maior dignidade, pois goza da luz de Cristo superior à de João. Estes versículos destacam a dimensão da ruptura e da novidade radical em relação à Lei e aos Profetas.
(Este texto pode ser compartilhado e reproduzido com a devida indicação dos autores.)
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Terceiro domingo do Advento - Ano A - Subsídios exegéticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU