04 Mai 2015
Em sua mensagem para a abertura da Expo 2015 de Milão, o Papa Francisco se propôs como “voz dos pobres” (1), com uma auto definição de grande densidade. O modo pelo qual o papado adota ou abandona os próprios títulos é sempre decisivo. Se pense na definição de “vigário de Cristo”, que até o século XIII se aplicava a todos os bispos em sua função de suplentes do Cristo-esposo ante a Igreja-esposa e que Inocêncio III reservava ao Papa com consequências epocais.
Ou então, na decisão de Bento XVI de retirar dos próprios títulos aquele milenar de “Patriarca do Ocidente”, que consignava aos sucessores a obrigação de uma iniludível repristinação. A quem presenciava a abertura da Expo, o Papa Francisco, bispo de Roma que fala em nome do “Povo de Deus peregrino no mundo”, se definiu como “voz dos pobres” e porta-voz dos famintos.
O comentário é de Alberto Melloni, historiador, publicado por Corriere della Sera, 03-05-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
“Voz de quem não tem voz”, segundo a fórmula de Helder Câmara, que indica a todos a “face” do Cristo pobre, que é visível na face de quem “hoje” não come. Não na face do desnutrido da demografia, mas no afamado para o qual a prece do Pai nosso permanece não escutada; o pobre quem não tem o pão de “hoje” e como o “pobre-cristo” da fabulação de Pasolini, “não o consegue mais”. Dos pobres deste “hoje” real, o Papa se faz vigário.
A quem se candidatava a “estruturar teologicamente o papado” de Francisco (assim falou o cardeal Müller em março numa excêntrica entrevista) o Papa não forneceu uma aulinha de teologia fundamental para seminaristas, mas uma aula fundamental de teologia cristã. Ele mostrou que, como “voz dos pobres”, o Papa pode liberar-se de uma teologia religiosa e das batalhas antimodernas e demasiado mundanas que a conotam. E retomar assim os panos do sucessor de Pedro que confirma na fé: corifeu dos irmãos e das irmãs do Cristo pobre que, mesmo não tendo visto as chagas do Ressuscitado, lhe sabem ler e tocar na carne ferida.
Aos “poderosos” reunidos para a Expo, o Papa Francisco deu, ao invés, uma invisível lição sobre o santo do qual tomou o nome. Como ensinou Karl Bosl no latim medieval, o contrário do “pauper” [pobre] não é o rico, o “dives”; mas é o “potens”, o poderoso. É desta capacidade de poder que Francisco de Assis se despoja quando escolhe para si “a forma do santo evangelho”, que nada tira à “forma da igreja romana”, mas a relativiza, fazendo-se pobre na sequela do Pobre.
Ante os “poderosos” da Expo o Papa da igreja romana relativiza a si mesmo, pondo-se, portanto, como “pauper”, na perfeita analogia entre Cristo e a igreja definida pela constituição dogmática Lumen Gentium, n.8. O todo, obviamente, no inconfundível estilo-Bergoglio: sem citações, entre um reclamo ecológico, uma saudação aos operários, um bom-dia qualquer, porque quem tem ouvidos para entender, entenda.
Nota da IHU On-Line:
Iniciando a mensagem, lida e transmitida diretamente para Milão, por ocasião da inauguração da Expo 2015 Milano, que tem como tema "Nutrire il pianeta, energia per la vita” (Nutrir o planeta, energia para a vida), no dia 1° de maio, disse:
"Sou grato pela possibilidade de unir a minha voz a de vocês que vieram para esta inauguração. É a voz do Bispo de Roma, que fala em nome do povo de Deus peregrino no mundo inteiro; é a voz de tantos pobres (em itálico no original) que fazem parte deste povo e com dignidade buscam ganhar o pão com o suor do rosto. Quero me fazer porta-voz de todos estes nossos irmãos e irmãs, cristãos e também não cristãos, que Deus ama como filhos e para os quais deu a vida, partiu o pão que a carne do seu Filho feito homem. Ele nos ensinou a pedir a Deus Pai: "Dá-nos hoje nosso pão cotidiano". A Expo é uma ocasião propícia para globalizar a solidariedade" (em itálico no original). Busquemos não desperdiçá-la mas de valorizá-la plenamente!".
A tradução é de IHU On-Line.
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Um Papa vigário do Cristo pobre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU