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04 Março 2015

"Agora, a Igreja Armênia – à qual pertenço, caso você esteja se perguntando a respeito – há muito considera Gregório de Narek, quem escreveu um belo conjunto de reflexões chamado 'O Livro das Lamentações', um santo", escreve Mark Movsesian, professor de Direito Contratual e diretor do Centro de Direito e Religião, da Faculdade de Direito da St. John’s University, Nova York, em artigo publicado por First Things, 26-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Eis o artigo.

O Papa Francisco fez, nesta semana, algo inédito. (Poder-se-ia talvez escrever esta frase toda semana.) Ele nomeou, como Doutor da Igreja Universal, um místico armênio do século X chamado Gregório de Narek. Agora, na medida em que a Igreja Católica já reconhece 35 outros Doutores da Igreja – designação que indica os santos que deram contribuições particulares à aprendizagem teológica –, você se pergunta sobre o que há de inédito aqui. Eu lhe direi.

Gregório foi um sacerdote da Igreja Apostólica Armênia. Por uma questão formal, a Igreja Armênia e a Igreja Católica de Roma estão afastadas da plena comunhão desde o século V. Na época em que Gregório nasceu, as duas igrejas já estavam divididas havia cinco séculos. Portanto, o Papa Francisco nomeou, como um santo de distinção teológica particular, alguém de uma igreja separada – alguém que não era, na verdade, católico. 

As duas igrejas se separaram por questões cristológicas. A Igreja Armênia se nega a aceitar o Concílio de Calcedônia (451), que declara que Cristo tem duas naturezas separadas, porém conjuntas: uma humana e a outra divina, posição conhecida como diofisismo. Assim como suas igrejas ortodoxas orientais irmãs, incluindo a copta e a siríaca, a Igreja Armênia sustenta, diferentemente, que Cristo tem uma natureza humano-divina conjunta, na qual o humano e o divino, não obstante, continuando sendo distintos, uma postura conhecida como miafisismo.

O desacordo parece ser de ordem técnica. Em grande parte, isto tem a ver com a própria tradução, datada do século V, das palavras gregas “physis” e “hypostasis”. Durante séculos, no entanto, os dois lados condenaram como heréticos um ao outro. Os cristãos calcedonianos, que inclui católicos, ortodoxos orientais e protestantes, acusaram os orientais como “monofisitas”. Esta designação não está mais em uso em nossa época, seja pelo fato de ser incorreta (diferentemente do miafisismo, o monofismo é uma heresia, mas não uma heresia praticada pelos orientais), seja porque ela é, pelo contrário, um insulto.

Aliás, em 1996, o Papa João Paulo II assinou uma declaração comum com Karekin I, Catholicos de todos os Armênios, que atribuía a divisão à semântica e outras incompreensões e explicou que, independentemente das demais diferenças, as controvérsias cristológicas não mais deveriam separar as duas Igrejas. Na verdade, o atual Direito Canônico católico permite que os orientais recebam a Comunhão em uma comunidade católica.

Agora, a Igreja Armênia – à qual pertenço, caso você esteja se perguntando a respeito – há muito considera Gregório de Narek, quem escreveu um belo conjunto de reflexões chamado “O Livro das Lamentações”, um santo. De fato, ele é um santo bastante importante, cujas orações estão incluídas em nossas vigílias quaresmais. Mas ele não era católico. Imagino que ele próprio ficaria surpreso ao saber que Roma o declarou Doutor da Igreja, um santo cujos escritos teológicos carregam uma distinção especial. Qual é a explicação esta designação?

Até onde vão meus pensamentos, a explicação é esta: quando Roma recebe em plena comunhão parte de uma igreja oriental, ela aceita todos os santos desta igreja, desde que não contradigam a doutrina católica. Então, quando parte da Igreja Armênia uniu-se com Roma, no século XVI, para formar a Igreja Católica do Rito Armênio, Roma aceitou os santos armênios, incluindo Gregório de Narek. Ele foi, por assim dizer, um direito adquirido, e desde então tem sido um santo católico. É assim que ele, à luz de suas grandes contribuições, pode ser declarado Doutor da Igreja hoje.

Quase todos no mundo católico parecem felizes, ou, pelo menos, não infelizes, com o rumo dos acontecimentos (ainda que não todos), incluindo os tradicionalistas do Rorate Coeli, que assim escrevem:

É interessante notar que Gregório viveu numa época em que a Igreja Armênia, à qual ele pertencia, não estava “formalmente” em comunhão com Roma e Constantinopla. No entanto, como estão cientes todos aqueles interessados na história extremamente confusa do cristianismo no primeiro milênio, nem sempre se pode falar de um “cisma” ou “heresia” quando se lida com divisões teológicas ou eclesiásticas da cristandade naquela era.

Simples assim. Os cristãos apostólicos armênios estão, também, felizes. A propósito, a ação do Papa Francisco é especialmente bem-vinda neste ano, o centenário do Genocídio Armênio de 1915, em que 600 mil a 1.5 milhão de armênios, na Turquia otomana, incluindo muitos mártires cristãos, perderam a vida. O mosteiro de Narek, às margens do Lago Van, onde Gregório certa vez viveu e ensinou, foi uma vítima do expurgo. Os monges abandonaram-no durante o genocídio, cem anos atrás, e jamais voltaram. Hoje, uma mesquita fica em seu lugar.

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