17 Dezembro 2014
O Papa Francisco vai realizar um consistório para criar novos cardeis nos dias 14 e 15 de fevereiro. O anúncio veio no final de uma semana agitada: Francisco concedeu uma importante entrevista [1], reconfigurou pessoalmente a narrativa sinodal contra a narrativa da imprensa durante uma Audiência Geral e participou na sétima reunião do Conselho dos Cardeais. No final, o anúncio do consistório pode ser considerado um passo à frente para ultrapassar uma pequena crise interna.
A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada pelo Monday Vatican, 15-12-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A atual crise envolve duas questões: o debate sobre o Sínodo dos Bispos e a discussão sobre a reforma da Cúria. Em ambos casos, a discussão está bem animada. Em ambos casos, o pontífice precisou tomar uma posição firme.
Quanto ao Sínodo dos Bispos, o Papa Francisco tentou acalmar as coisas por meio de uma entrevista dada ao jornal argentino La Nación, a primeira a um jornal de seu país de origem. O Sínodo é “um processo em andamento”, disse, acrescentando que ninguém estava questionando a doutrina católica, mas que certamente as pessoas divorciadas e casadas novamente no civil não deveriam ser deixadas de lado. “Estas pessoas não podem ser padrinhos de crianças que vão ser batizadas, as leituras da missa não são lidas por elas, elas não podem receber a Comunhão, não podem ensinar na catequese, há cerca de sete coisas que ela não podem fazer. Tenho a lista bem aqui comigo. Poxa! Até parece que estas pessoas foram excomungadas! (…) Estas coisas precisam mudar, os nossos padrões precisam mudar”, destacou o papa, deixando claro, portanto, que ele prefere um enfoque mais pastoral.
Na Audiência Geral do dia 10 de dezembro, Francisco voltou a falar sobre a questão do Sínodo. Sim, falou ele, houve uma discussão animada entre os padres sinodais, mas não houve divisões e ninguém nunca questionou a verdade fundamental do matrimônio que, reiterou o pontífice, é entre um homem e uma mulher, indissolúvel e aberto à vida. Em seguida, acrescentou que o papa é o garante da ortodoxia, como ele já afirmara na abertura do Sínodo. Também, no discurso que proferiu no final do Sínodo – discurso que ele considera como um dos três documentos oficiais desta assembleia, não incluindo o relatório intermédio –, ele reiterou a importância de seu papel como papa.
Nesse ínterim, o material preparatório (ou “lineamenta”) para o Sínodo de 2015 foi divulgado. Este inclui o relatório final do Sínodo (com todas as suas polêmicas) e uma série de 46 considerações. Estas dividem-se em três partes, cada parte tendo uma introdução, que a Secretaria Geral do Sínodo geralmente dá para indicar, claramente, o método a ser seguido.
Com certeza, nem todos os participantes do Sínodo irão gostar das indicações presentes no material divulgado. Há alguns dias, concluindo a assembleia plenária da Comissão Teológica Internacional, o cardeal Gerhard Ludwig Müller (prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé) ressaltou que “separar a doutrina do trabalho pastoral é quase uma heresia”. No entanto, as diretrizes presentes no lineamenta ainda estão para ser publicadas. Esta é uma prova de que a discussão será difícil.
O Papa Francisco começou a administrar a atual crise. Ele fez isto a seu modo, personalizando a comunicação. Pessoalmente ele tomou a palavra. Ao jornal La Nación, o pontífice falou até sobre as fofocas na Cúria Romana e explicou por que nomeou o cardeal Raymond Leo Burke como patrono da Soberana Ordem dos Cavaleiros de Malta e por que não renovou o mandato do comandante da Guarda Suíça.
Talvez esta semana tenha sido a primeira vez que um papa faz uso de entrevistas e conversas desta forma. Os diálogos do Papa Francisco com o jornalista ateu Eugenio Scalfari [2], fundador do jornal italiano de esquerda La Repubblica, ajudou-lhe a ganhar espaço no mundo secular. A entrevista que este papa concedeu à revista jesuíta La Civiltà Cattolica sublinhou o seu ser jesuíta. A maioria das entrevistas restantes ele as concedeu à imprensa secular, especialmente a meios de comunicação italianos (Corriere della Sera; La Stampa; Il Messaggero), mais uma ao jornal espanhol La Vanguardia, com o propósito de gerar uma imagem positiva dele no país, que foi fonte de tantas notícias sobre a Igreja. Depois, ele foi ao ar em programas de rádio na Argentina. O seu compromisso na área da comunicação completa-se, finalmente, com as suas ligações telefônicas que faz pessoalmente.
Dadas todas estas circunstâncias, não nos deve surpreender que o Papa Francisco possa ter feito uso de uma entrevista para abordar os atuais problemas e críticas, no intuito de administrar a crise. O Papa, então, aprofundou o seu compromisso falando diretamente aos fiéis. Durante a Audiência geral da última quarta-feira, o pontífice partilhou a sua leitura e narrativa do Sínodo dos Bispos, no sentido de ir além da narrativa que a mídia fez.
Esta iniciativa pode ser vista como um sinal de que o debate está ainda mais animado dentro dos Muros Sagrados. Tão animados quanto está o debate sobre as reformas curiais.
Sobre este assunto, Francisco também se envolveu diretamente. Na entrevista dada ao jornal argentino, ele disse claramente que as reformas irão levar, pelo menos, mais um ano. Era uma explicação necessária, visto que a discussão sobre elas havia chegado a um impasse.
Quando no dia 24 de novembro Dom Marcello Semeraro, secretário do Conselho dos Cardeais, apresentou as propostas de reforma aos chefes dos dicastérios, acabou recebendo intensas críticas. A forma como se apresentaram as propostas envolvendo as duas grandes Congregações (para a Justiça e Paz e dos Leigos e Família) estava demasiado vaga, e não levou em conta as novas responsabilidades assumidas pelos dicastérios no curso dos anos. O Conselho dos Cardeais discutiu todas estas observações durante um dia e meio em sua reunião de dezembro. Francisco participou da reunião tanto quanto possível. O Pe. Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, no final esclareceu que o processo de reforma está em curso e que não será curto. Lombardi também destacou que, assim que tiver um esboço final das reformas, ele será apresentado a especialistas em Direito Canônico. Este processo não será rápido, contrariando aquilo que muitos cardeais deram a entender.
O Papa Francisco está, mais uma vez, remodelando a sua revolução. Ele sempre preferiu as questões pastorais, mas agora também se vê com uma pauta precisa condicionada pelos cardeais que o elegeram. Ele compartilha da necessidade de uma renovação. Ele quer que os cardeais e bispos estejam próximos do povo. Não considera as estruturas institucionais como sendo muito importantes, o que há foi dito por ele várias vezes. Por outro lado, acabou por entender que não pode subestimar uma reforma destas mesmas estruturas. Às vezes, tais reformas parecem ter sido feitas para desmantelar o sistema existente. Em outras, o papa parece estar fortalecendo o ramo institucional – por exemplo, quando nomeou o professor Vincenzo Buonomo como assessor ao governo do Estado da Cidade do Vaticano.
A crise das reformas curiais encontra-se em duas frentes. Por um lado, a necessidade de se manter um quadro institucional. Por outro, o frenesi daqueles – e muitos são parte do Conselho dos Cardeais – que pressionam pelas reformas rápidas, a fim de desmantelar um sistema que não mais funciona, segundo eles. Por um lado, há os que querem levar adiante a renovação do Papa Bento XVI: o papa emérito deu à reforma um quadro institucional, incluindo a sua renúncia histórica ao ministério petrino; por outro, há os que se concentram no descontentamento para com as estruturas da Cúria para levar adiante a sua própria agenda: entre eles, os cardeais da velha guarda, que pressionaram por um Conclave rápido.
Influenciado por estas dicotomias, o Papa Francisco está administrando a crise entrando em campo e abrindo um debate, que ocorrerá em fevereiro.
Segundo a programação fornecida pelo Pe. Lombardi, a assembleia plenária da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores vai se reunir nos dias 6, 7 e 8 de fevereiro, finalmente contando com estatutos próprios e com todos os membros presentes; a 8ª reunião do Conselho dos Cardeais acontecerá nos dias 9 a 11 de fevereiro; após isso, o papa vai convocar um consistório ordinário público nos dias 12 e 13 de fevereiro para debater os planos de reforma da Cúria; e, finalmente, nos dias 14 e 15 deste mesmo mês o papa vai convocar um consistório extraordinário para a criação de novos cardeais.
Assim, a criação de novos cardeais irá vir no final de um período intenso de debates.
Provavelmente, uma reunião do Conselho para a Economia será também realizada no começo de fevereiro, de forma que ela possa dar aos cardeais sugestões de reformas.
As discussões em curso dão a impressão de que o Papa Francisco quer colocar a Igreja numa espécie de estado de Conselho Permanente. No final, porém, é sempre o papa quem tem a palavra final.
É por isso que a criação de novos cardeais pode alterar a balança das discussões a seu favor. Em fevereiro de 2015, os cardeais com menos de 80 anos e, portanto, com direito a votar num Conclave serão 110. O que quer dizer que o pontífice terá 10 barretes vermelhos para dar no sentido de alcançar o número de 120 cardeais eleitores definidos pelo beato Paulo VI em 1975 e confirmado por São João Paulo II, no documento “Universi Dominici Gregis”, texto que regulamenta a eleição de um papa. No curso de 2015 Francisco terá 15 espaços para novos cardeais; em junho, os cardeais eleitores serão 107, e de novembro em diante eles serão 105.
Com certeza, entre os que receberão os novos solidéus estará Dom Bruno Forte, secretário geral do Sínodo dos Bispos, que está prestes a ser nomeado para ser o bispo de uma importante diocese italiana ou para um posto na Cúria Romana.
Com 15 novos cardeais, o Papa Francisco pode, realmente, mudar a geografia e a orientação do Colégio Cardinalício.
A mudança neste Colégio, e mais algumas nomeações, pode permitir que Francisco leve a Igreja para além desta crise institucional. Mas não para além da discussão do Sínodo. Os bispos não irão retroceder, nenhum passo sequer, na discussão iniciada no último Sínodo dos Bispos; eles não irão ceder às pressões e indicações tais como aquelas presentes na lineamenta. E, embora ele tenha aceitado e, até mesmo, incentivado uma virada pastoral, o Papa Francisco deixou claro que, provavelmente, não irá se desviar da ortodoxia.
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Papa Francisco para além da crise. Esperando para nomear novos cardeais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU