16 Janeiro 2014
"Em seu livro Ortodoxia e Mundo Moderno, Zizioulas escreveu que o maior perigo para a Ortodoxia, e também para todo o mundo cristão, 'não é o ateísmo, o poder secular ou, em geral, seus vários inimigos', mas 'a fuga da realidade histórica e a contínua busca da própria identidade somente no passado'", escreve Gianni Valente, em artigo publicado no sítio Vatican Insider, 07-01-2014. A tradução é de Anete Amorim Pezzini.
Eis o artigo.
Com um movimento de surpresa, o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, convocou todos os outros Primados das Igrejas Ortodoxas para uma reunião agendada para março próximo junto à sede patriarcal, com vista para o Corno d’Ouro, para fazer uma observação sobre tempos e modos de trabalho da Comissão instrutora que está preparando o Sínodo panortodoxo, anunciado para o agora não muito distante 2015. Isso foi revelado em um artigo assinado por Nat da Polis e publicado na agência AsiaNews, em que se descreve extraoficialmente também a intenção subjacente que inspira a iniciativa patriarcal: trata-se de “uma tentativa de saída de uma marginalização devida a uma mentalidade localista que tem caracterizado as Igrejas Ortodoxas na era moderna”, e também por causa do “filetismo” (nacionalismo) que marcou a fisionomia de tantas igrejas ortodoxas no último século.
Constantinopla – assim vem explicada a convocação – pretende recordar às outras igrejas ortodoxas que não se pode enfrentar a urgência colocada pela globalização sem iniciativas conjuntas.
Pressionando o acelerador do “Santo e Grande Concílio”, Bartolomeu aponta que também pretende reafirmar o seu papel de Primus inter pares entre os Patriarcas Ortodoxos. Há décadas que a Ortodoxia dá sinais de impaciência sobre a urgência de criar a uma grande assembleia eclesiástica para enfrentar os problemas que afligem a presença ortodoxa no tempo presente. Ao lado do Patriarca Ecumênico, está o Metropolitano de Pergamon, Ioannis Zizioulas, considerado por muitos como o maior teólogo cristão vivo.
Zizioulas lançou há tempos o alarme sobre os riscos de uma “introversão” do mundo ortodoxo. Para ele, a Ortodoxia necessita viver uma experiência sinodal abrangente, comparável àquela que os católicos tiveram com o Concilio Vaticano II, se não deseja fechar-se nos guetos da sua própria automarginalização.
Em seu livro Ortodoxia e Mundo Moderno, Zizioulas escreveu que o maior perigo para a Ortodoxia, e também para todo o mundo cristão, “não é o ateísmo, o poder secular ou, em geral, seus vários inimigos”, mas “a fuga da realidade histórica e a contínua busca da própria identidade somente no passado”, cultivada em particular pelos homens da Igreja e completamente definida como uma “autocomplacência narcisista que leva a oposições estéreis”. Palavras que recordam de maneira singular as investidas sobre perigos de uma Igreja “autorreferencial” várias vezes proposta pelo papa Francisco.
Com efeito, as palavras e os gestos do atual Bispo de Roma parecem mesmo ter provocado reflexos dinâmicos e efeito dominó também no campo ortodoxo. O Patriarca Ecumênico Bartolomeu intuiu num voo as oportunidades operáveis em âmbito ecumênico com o início do novo Pontificado. A sua presença na missa inaugural do ministério petrino de Francisco e o encontro anunciado para o próximo maio entre os sucessores dos irmãos Apóstolos, Pedro e André, em Jerusalém são a uma placa de sinalização de uma jornada apenas iniciada, de desenvolvimento ainda não imaginável.
Mas o modus operandi do Papa argentino interpelou com os seus registros inéditos também a Ortodoxia de matriz moscovita. O sinal da cruz e o beijo que Vladimir Putin e o Papa ofereceram em conjunto ao ícone de Nossa Senhora da Ternura, quando o presidente russo visitou o Vaticano, permaneceram gravados no imaginário coletivo dos ortodoxos russos.
Por outro lado, os homens fortes do Patriarcado de Moscou – incluindo Hilarion de Volokolamsk, que também foi recebido pelo Papa Francisco – reiteraram a sua preferência por um diálogo que privilegia como terreno comum a defesa dos valores morais e o sofrimento dos cristãos das comunidades do Oriente Médio, em vez de apontar a extinção do “nó teológico” representado pelo primado petrino.
No final de dezembro, o Sínodo da Igreja Ortodoxa Russa reiterou o seu “niet” ao documento de Ravena, o texto de trabalho produzido pela Comissão teológica mista católico-ortodoxa, pelo qual se tentava configurar uma doutrina teológica do Primado, a qual fosse “sustentável” também pelos ortodoxos.
A relação com o Papa Francisco atua como um catalizador para os jogos jamais concluídos no âmbito ortodoxo entre Moscou e Constantinopla. Mas poderia, com o tempo, fazer emergir também outras contradições que se escondem no seio da Ortodoxia. A imagem do pastor esquecido de si e cheio de zelo apostólico defendida por Bergoglio abre uma brecha de simpatia também entre os fiéis ortodoxos.
Destacam-se as comparações inevitáveis com um alto clero – o das Igrejas Ortodoxas – no qual muitos de seus representantes se comprazem com pose da nomenklatura privilegiada.
Na Rússia, depois dos escândalos dos eclesiásticos que causaram vítimas que guiavam seus fora-de-estrada, está aumentando nos últimos dias a polêmica contra o alegado “lobby gay” que trabalha no seio do Patriarcado de Moscou, denunciado pelo bem conhecido protodiácono – blogger Andrei Kuraev. Uma história que poderia desenvolver-se imprevisivelmente.
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A Ofensiva de Bartolomeu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU