O outro Jesus. Entrevista com Reza Aslan

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08 Dezembro 2013

Fim de julho, estúdios da Fox News: Lauren Verde, um dos rostos mais conhecidos da televisão, persegue um homem de ar desarmado e de voz tranquila. Ela pergunta: "Por que um muçulmano escreve um livro sobre Jesus?". Ele, um pouco surpreso: "É o meu trabalho, eu sou professor, um estudioso das religiões". Mas ela, de novo, sem ouvi-lo, como um disco riscado: "Sim, ok, mas por que você se interessou pelo fundador do cristianismo?". Assim, durante dez infinitos minutos, que são o manifesto perfeito de uma divisão cultural, da total incapacidade de se comunicar. O vídeo "da pior entrevista jamais vista", como agora ela é definida, que se tornou viral na internet, causando frisson em talk shows e em jornais [assista abaixo o vídeo, em inglês].

A reportagem é de Massimo Vincenzi, publicada no jornal La Repubblica, 03-12-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ele se chama Reza Aslan, 41 anos, e leciona na Universidade da Califórnia. Escritor e jornalista nascido no Irã, chegou aos Estados Unidos com a família depois da revolução de Khomeini. O livro no banco dos réus foi publicado na Itália agora com o título Gesù il ribelle (Rizzoli) e nos EUA ele domina as listas dos mais vendidos há meses, começando pela do New York Times, que se levantou em defesa do autor.

A ideia é de contar a figura de Cristo, separando a verdade histórica do mito posterior. Uma operação amplamente explorada por outros no passado, mas convincente, com uma narrativa fluida, sem nunca ferir a sensibilidade do leitor, mesmo o mais religioso. Não há provocação, não há sarcasmo, mas apenas a vontade de entender.

Eis a entrevista.

Imagino que você esteja enfadado, mas é preciso começar pela entrevista cult na Fox News. Como foi?

Também foi minha culpa, eu devia esperar por isso: aquela rede de TV construiu o seu sucesso sobre posições muito conservadoras e radicais: o medo do Islã é uma das suas marcas registradas. Mas o que me impressionou foi a maneira inexorável com que eu fui atacado. A apresentadora nunca fala do livro, eu nunca consigo expor as minhas teses: elas não lhe interessam, ela só quer me colocar em apuros, expor-me ao ridículo. E é o mesmo modo com que eu sou agredido nas redes sociais: ninguém nunca entra no mérito das minhas ideias. Só insultos baseados em estereótipos.

Os Estados Unidos viveram o 11 de setembro. Desde então, para os muçulmanos, tudo foi mais complicado. Qual é a situação agora? Ainda há muita intolerância?

Eu não acho que o problema deriva dos atentados às Torres Gêmeas: eles são um fato. Era até natural que houvesse ressentimento e desconfiança. O pior veio depois, por volta de 2004-2005, quando políticos, empresários, escritores, pregadores começaram a financiar a indústria da islamofobia porque descobriram que ela paga em termos de popularidade. É mais fácil falar aos medos das pessoas do que à sua inteligência, mas, depois, reconstruir a convivência torna-se complicado.

Por que, como estudioso, você optou por se ocupar de Jesus Cristo, sobre o qual já há uma vasta produção literária?

É a pessoa mais importante dos últimos 2 mil anos, está na base da civilização ocidental. Eu queria separar a sua realidade histórica do mito religioso, que é posterior. Eu queria explicar como um agricultor pobre e analfabeto conseguiu fundar um movimento revolucionário em defesa dos deserdados e dos marginalizados, chegando a desafiar de maneira direta o poder romano e das hierarquias judaicas. Interessava-me imergir Cristo na sua época, ver as suas ações relacionadas com os eventos daquele período: ações e reações. Porque, se pensarmos na sua dimensão religiosa, é óbvio que não existe o tempo, as suas palavras e as suas ações são eternas, valem sempre e para sempre. Eu queria contar o homem, não Deus.

Como você trabalhou?

Eu comecei as pesquisas há 20 anos: primeiro como estudante e depois como professor. Usei as fontes diretas da época, traduzi as versões originais do Novo Testamento: me movimentei segundo os critérios científicos que geralmente usamos na universidade para qualquer pesquisa. Depois, coloquei tudo o que eu encontrei no relato, tentando fascinar o leitor, levá-lo para dentro da fantástica vida de Jesus. Mas cada linha que eu escrevi está documentada.

Que relação você tem com a religião?

Eu a estudo desde sempre, é a minha vida. Eu acredito em Deus, o propósito das religiões é fornecer uma linguagem para ajudar as pessoas a definir a própria fé. Depois de ter sido educado no cristianismo, agora me sinto mais próximo de Islã. Eu não acho que seja mais justo ou que anuncie verdades mais fortes, simplesmente sinto os seus mitos e as suas metáforas mais em concordância com o meu mundo.

Você nasceu no Irã. Como foi crescer nos Estados Unidos?

Cheguei no meio do confronto com Teerã: a época dos reféns, das tensões, e aqui havia muitas pessoas hostis aos iranianos. Eu, como é óbvio, assim como fazem todas as crianças, tentei me integrar o máximo possível ao novo ambiente, eu queria ser 100% norte-americano e por isso me esqueci das minhas origens: na escola, eu fingia que era mexicano para ser aceito pelos colegas de aula. Depois, logo após a faculdade, comecei a redescobrir a minha cultura e recuperei o passado.

O que você pensa do acordo nuclear?

É uma novidade muito boa. Eu acho que é o primeiro passo para uma reviravolta muito importante. Se conseguirmos levá-lo adiante, ele poderia abrir uma nova era nas relações entre os EUA e o Irã e assim, finalmente, trazer um pouco de paz ao Oriente Médio.

Você acompanha a ação do Papa Francisco?

Certamente, sou um entusiasta. Fui formado pelos jesuítas, e o método que eles me ensinaram me levou a me apaixonar pelo Jesus histórico, antes ainda do que o religioso. O meu livro está alinhado com a sua formação: ele relata um Cristo atento principalmente aos pobres, à sua libertação, à sua salvação. Se o papa conseguir, como está conseguindo, se manter fiel às suas origens, ele trará à Igreja uma transformação nunca antes vista. É o retorno a uma vida sob o sinal da vocação, longe da burocracia do poder: o seu exemplo será revolucionário. Eu tenho certeza disso.

Você já está trabalhando em um novo livro?

Eu gostaria de escrever sobre as origens de Deus, sobre como evoluiu a sua figura ao longo da história da humanidade, como mudou a concepção que os homens têm dele.

Você irá à Fox para apresentá-lo?

Com certeza. Na sua opinião, eles vão me convidar?

* * *

Passou-se quase uma hora. Mas, antes da despedida, como para responder a uma pergunta nunca feita, ele acrescenta: "A minha mãe é cristã, assim como minha esposa e o meu irmão. Aos 15 anos, depois de ter me deparado com Jesus ouvindo a sua história em um acampamento de férias, eu fiquei tão extasiado saí pelas ruas parando os desconhecidos, narrando-lhes a boa notícia: tipo um jovem pregador. Achavam que eu era louco. Os meus pais se preocupavam. Eu nunca poderia escrever um livro contra os meus valores, contra as pessoas que eu amo e nas quais eu acredito. Eu só queria entender. Só entender.

Assista abaixo à entrevista concedida por Aslan à Fox News:

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