Um muçulmano conta a história de um Jesus rebelde

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14 Agosto 2013

Na lista dos livros mais vendidos da Amazon é possível encontrar os suspeitos de sempre, Dan Brown e J. K. Rowling, mas também um livro que, surpreendentemente, venceu todos eles: o campeão do verão norte-americano é uma biografia de 336 páginas sobre a figura de Jesus, escrito por um acadêmico, Reza Aslan, que ressalta o fato de conhecer o grego bíblico. Intitula-se Zealot, e as negociações para a tradução italiana estão em andamento.

A reportagem é de Viviana Mazza, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 11-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O que contribuiu para o sucesso foi uma entrevista com o autor realizada pela TV conservadora norte-americana Fox News. "Você é muçulmano, então por que escreveu um livro sobre o fundador do cristianismo?", perguntou a apresentadora Lauren Green. Reza Aslan, calmo, sem se descompor, explicou-lhe que ele é "um estudioso das religiões, com quatro graduações, incluindo uma sobre o Novo Testamento, com fluência em grego bíblico, que estudou as origens do cristianismo por duas décadas e que, sim, é muçulmano".

A apresentadora, porém, não desistiu; continuou lhe fazendo a mesma pergunta, sugerindo que o estudioso expressou no livro opiniões baseadas na sua fé e não nas suas competências acadêmicas [veja abaixo a entrevista, em inglês].

A entrevista se tornou viral: desde o dia 26 de julho, ela foi vista milhões de vezes na internet. Uma publicidade que ajudou as vendas, tanto que a Random House, a editora, já imprimiu mais 50 mil cópias (de um total de 150 mil).

O livro de Aslan vai em busca da figura histórica de Jesus: não o filho de Deus contado nos Evangelhos, mas sim o judeu analfabeto do pobre vilarejo de Nazaré, que chamou o seu povo a se rebelar contra a ocupação romana e os sacerdotes do Templo. As suas fontes são livros, artigos e pesquisas de outros estudiosos e documentos históricos da época (30% de Zealot é dedicado às notas e à bibliografia).

O autor, que leciona tanto escrita criativa quanto estudos religiosos na Universidade da Califórnia em Riverside, não muito longe de Los Angeles, explica que a sua intenção é "divulgar conteúdos que já são conhecidos dos estudiosos da Bíblia e difundi-los junto a um público mais amplo do que o acadêmico. O resultado – observa – é que, de um lado, há aqueles que acham o meu livro controverso e chocante e, de outro, aqueles que lamentam que não há nada de novo".

Na realidade, alguns especialistas no Novo Testamento, escrevendo no site Huffington Post e no jornal New York Times, contestaram-lhe certas ingenuidades, mas também lhe reconhecem a habilidade de reconstruir e contar o contexto histórico em que Jesus viveu. "É justamente esse o debate que eu quero", responde Aslan.

É mais complicado, por outro lado, o diálogo com aqueles que o criticam porque consideram a sua abordagem um ataque contra a interpretação literal das Sagradas Escrituras. "Nas origens, no entanto, o público da Bíblia compreendia que se tratava de verdades contadas através de metáforas".

Certamente, o livro de Aslan contradiz diversos ensinamentos do Novo Testamento. O seu Jesus não é filho de uma virgem, mas (talvez) de uma mãe solteira; tem vários irmãos e irmãs e (talvez) uma esposa; mas, acima de tudo, não morreu pelos nossos pecados, mas foi eliminado porque era um revolucionário nacionalista, que queria subverter a ordem religiosa, econômica e política.

"Mas não é um ataque ao cristianismo", explica o autor, ressaltando que a sua esposa é cristã, assim como a sua mãe. Nem o seu Jesus é o do Islã. "O Islã não acredita que ele tenha sido crucificado, mas quase certamente ele morreu assim. E o Islã acredita que ele é filho de uma virgem...".

Nascido há 41 anos no Irã, Aslan chegou aos Estados Unidos com os pais depois da Revolução Islâmica. A sua família era muçulmana, mas tinha se afastado da religião, e ele, aos 15 anos, descobrir Jesus durante um acampamento de verão. Abraçou o cristianismo – conta – "seja porque 'Jesus era a América', e isso me permitia ser absorvido na sociedade norte-americana, seja porque ele respondeu à necessidade espiritual que eu sentia".

Mais tarde, estudando a história das religiões, se aproximou e se converteu ao Islã. "Os símbolos e a linguagem do Islã têm sentido para mim, mas eu me dou conta que outros se reconhecem mais em outras religiões. No entanto, todos escavamos em busca da água... e no fim é a mesma água".

Aos seus filhos, dois gêmeos, ele e a sua esposa, a empresária Jessica Jackley, estão ensinando os valores de ambas as religiões. "E quando se trata de contar as histórias, contaremos todas para eles".

Antes de escrever Zealot, Aslan era conhecido nos Estados Unidos por um livro de 2005 sobre a história e a evolução do Islã, No god but God. Ele foi convidado a programas liberais como o Daily Show, de Jon Stewart, e é um alvo daquela que ele chama de "ala dos grupos marginais antimuçulmanos" dos Estados Unidos, que cresceram sob Obama até mais do que com Bush, segundo ele.

Mas a reação à entrevista da Fox News, em sua opinião, demonstra que as coisas estão mudando. "Fiquei surpreso com as reações positivas das pessoas. Houve ouvintes da Fox News que me telefonaram para expressar a sua solidariedade. Há cristãos que me disseram que eu fortaleci a sua fé".

Por outro lado, explica Aslan, "Jesus, o homem", é uma figura incrível: "Ele ousou desafiar o maior império do mundo, e perdeu, mas fez isso em nome dos pobres, dos fracos, dos deserdados". Certamente, os ateus lerão no seu livro a prova de que aquele homem não era Deus: "Mas, no fundo, desde sempre o destino de Jesus é significar coisas diferentes para pessoas diferentes".

* * *

Assista abaixo à entrevista de Reza Aslan à Fox News (em inglês):

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