Tahrir no Cairo, Del Sol em Madri. A primavera e o Outono

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08 Junho 2011

"O movimento árabe é o começo de um novo tempo democrático. O movimento europeu é o fim de um tempo, um modelo exitoso, mas insatisfatório. Por isso, fala-se de Primavera no Egito e em Del Sol pode-se falar de Outono". A opinião é de Cristovam Buarque, Professor da Universidade de Brasília e Senador da República, em artigo publicado no El País, 08-06-2011.

Eis o artigo.


No espaço de poucas semanas, o mundo assiste manifestações sociais surpreendentemente parecidas em lugares muito diferentes. A mobilização na praça Tahrir, no Cairo, na praça Catalunha, em Barcelona, e na praça Del Sol, em Madrid. Os dois movimentos se parecem, sobretudo, pelo descontentamento com os políticos e partidos tradicionais. A partir daí tudo é diferente, nas causas e nas perspectivas.

O movimento árabe é o começo de um novo tempo democrático. O movimento europeu é o fim de um tempo, um modelo exitoso, mas insatisfatório. Por isso, fala-se de Primavera no Egito; na Catalunha e em Del Sol pode-se falar de Outono.

A Primavera árabe tem como causa a falta de legitimidade de regimes que não permitem alternância no poder; baseados em partidos únicos ou quase-únicos; que construíram sistemas corruptos de promiscuidade entre os assuntos públicos e privados, com o enriquecimento das famílias no poder; mantendo sistemas econômicos que não conseguem diminuir o sofrimento da pobreza.

O Outono europeu acontece porque fizeram tudo o que os árabes agora estão descobrindo, mas o sistema se esgota. Acabou o casamento que há séculos permitiu a Europa unir democracia política com crescimento econômico e com justiça social. O crescimento econômico encontra-se impedido de continuar por limites ecológicos e já não gera mais emprego, sobretudo, para os jovens; os benefícios sociais estão se esgotando pelos limites fiscais que impedem a ampliação dos serviços públicos aos jovens de hoje. Além disso, os partidos deixaram de representar alternativas. Os ditadores árabes montaram partidos únicos, mas na democracia européia os partidos ficaram tão parecidos, que é difícil considerar-los diferentes. A Primavera árabe é resultado da falta de legitimidade na política; o Outono europeu é conseqüência da falta de imaginação dos políticos.

A imaginação árabe é limitada à busca da democracia que a Europa já tem. Por isso, é uma Primavera com a possibilidade de chegar ao modesto verão de uma nova constituição que permita organizar partidos, separar os negócios públicos dos privados e até prender políticos corruptos, eleger presidentes, liberdade de imprensa e independência dos Poderes Legislativo e Judiciário. Tudo que a Europa já tem.

No Egito eles queriam tirar Mubarak e eleger um novo presidente. Na Europa os indignados querem tirar os atuais governantes, mas não querem colocar a oposição no lugar. Rechaçam o presente, mas não têm clareza do futuro. O mundo árabe vive uma Primavera porque o verão que eles acenam é o presente da Europa, que se esgotou. Por isso, adiante, a possibilidade é de um inverno na Europa.

O otimismo da primavera nos países árabes vem da modéstia de propósitos realizáveis; o pessimismo na Europa vem da impossibilidade de ir além do que já foi feito.

O grande desafio para transformar o Outono em uma Primavera é idealizar alternativas viáveis para um novo tempo. Não apenas repetir experiências, copiar projetos já testados, como tentam os jovens árabes. Na Europa trata-se de inventar um novo modelo. Os jovens árabes olham pra o lado europeu, os espanhóis olham para o futuro. Isso exige uma mudança muito mais profunda do que a da ditadura para a democracia, do capitalismo para o socialismo. O desafio europeu é imaginar uma nova civilização, que vá além do industrial; além do PIB para um novo conceito de riqueza; do consumo material e privado, para o bem estar público e imaterial. No lugar de mais carros, mais tempo livre, sem depredação ambiental. Sair da globalização excludente para uma internacionalização includente.

A motivação dos jovens árabes é política, a dos espanhóis é moral.

Este difícil desafio de imaginar é apenas o primeiro passo, mais ainda é o projeto político: de espalhar as novas idéias e adquirir apoio das massas para uma proposta que exigirá uma nova mentalidade. Os jovens de Tahrir querem um mundo diferente daquele de seus pais. Não se sabe se os indignados espanhóis querem um mundo diferente daquele de seus pais ou querem os privilégios que eles tiveram graças à euforia do casamento entre crescimento econômico, democracia, e justiça social que lhes permitiu o bem estar, o alto consumo e ainda a solidariedade com os imigrantes. Os jovens do Egito querem ser incluídos na política, os da Europa querem não-ser-excluídos da economia; manter o bem estar social do consumo, mas o crescimento estancou, o emprego parou e os benefícios sociais ficaram inviáveis.

Apesar do otimismo com os árabes, é com a Europa que podemos ter esperança na formulação do novo, que vá além do que é novo Egito, mas já velho para a Espanha. É na Catalunha ou Del Sol que está mais difícil, mas é de lá que poderá vir realmente o novo, porque o verão árabe é o verão do ano passado e só depois do outono é que poderá vir o verão do próximo ano.

Os jovens egípcios querem ingressar em partidos e votar em candidatos, os espanhóis querem repudiar os partidos e votar nulo, ou nem ao menos votar. Tentam ações como votar em branco; todos retirarem dinheiro do banco no mesmo dia; criar um dia sem compras; parar de usar carros e usar transporte público.

Na praça Tahrir havia uma palavra de ordem - fora Mubarak -, na Catalunha ou Del Sol vemos diversos grupos, debatendo temas diferentes, indignados, mas ainda sem uma proposta aglutinadora. Todos unidos no descontentamento. Mas quantos aceitam o decrescimento para manter o equilíbrio ecológico? A redução da jornada de trabalho com mais tempo livre e pleno emprego, mas com menores salários? Solidariedade com imigrantes às custas da redução dos benefícios sociais? A garantia de estabilidade monetária e equilíbrio fiscal com reforma da previdência?

Tahrir é símbolo do pequeno avanço com nitidez, as praças européias são símbolos de perplexidade antes de um grande salto. Antes dele, porém, o tempo aqui é de outono; lá é de primavera.

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