EUA. "Houve muita ignorância e insensibilidade nesta eleição'

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17 Novembro 2016

O que a eleição de terça-feira nos diz sobre a integração dos católicos na vida norte-americana? As evidências são ambíguas, de acordo com um experiente jornalista que recentemente escreveu um livro sobre o tema. Russell Shaw falou com Kathryn Jean Lopez.

Parece que foi preciso uma combinação de exagero dos Democratas sobre a questão do aborto e outros casos de extremismo, e-mails anti-catolicismo vazados durante a campanha de Hillary Clinton e a figura errática e não-política de Donald Trump para que finalmente os católicos abrissem mão de votar nos Democratas, apesar da cobertura Católica a um candidato a vice-presidente.

A entrevista é de Kathryn Jean Lopes, publicada por Taking the Catolic Pulse, 14-11-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla

Mesmo que eu não tenha votado em Trump e tenha sérias preocupações sobre sua honestidade em algumas das questões mais cruciais na decisão de alguns católicos, para quem o aborto e assuntos deste tipo pesam bastante na consciência ao votar, se isso marca uma possibilidade de real concorrência pelos votos dos católicos entre os partidos, pode-se dizer que é algo positivo para a democracia.

O que aconteceu com os católicos no dia da eleição e o quanto isso importa? Russell Shaw, um experiente jornalista e autor do livro recente Catholics in America: Religious Identity and Cultural Assimilation from John Carroll to Flannery O’Connor (em português, algo como Católicos na América: Identidade religiosa e assimilação cultural de John Carroll a Flannery O'Connor), compartilha algumas ideias conosco em uma entrevista.

A entrevista é de Kathryn Jean Lopez

Eis a entrevista.

Em seu livro Catholics in America, você escreve que "Estamos nos aproximando do ponto em que a cultura norte-americana de que os católicos por muito tempo tanto quiseram ser parte replica a cultura descrita em uma vívida passagem da carta de São Paulo aos Efésios". Você cita a tradução de Ronald Knox: "Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza" (Ef 4: 18-20). Este ciclo eleitoral se pareceu com isso para você? Existe o perigo de que os católicos e outros crentes aprendam a lição errada com a vitória de Trump?

Houve muita dureza de coração e ignorância nesta eleição. Sobre dissolução eu não sei, exceto que foi um assunto frequentemente discutido. Quanto às lições erradas a partir da vitória de Trump, para mim a retidão é a principal - ou uma das principais. Eu vi um site que considerou os eleitores Trump "fervorosos" e eu suspeito que essa é uma visão comum em alguns círculos. O que implica que os eleitores de Hillary  Clinton não tinham fé. Mas muitas pessoas com fé votaram em Hillary na crença sincera de que, mesmo tendo falhas, ela era menos falha do que Trump. Se alguma vez houve uma avaliação prudente, foi na escolha de um dos dois.

E o desejo de pertencimento à cultura? Será que foi alcançado? Para o bem? Para o mal?

A maioria dos católicos norte-americanos está completamente assimilada pela cultura, e os católicos latinos estão indo nesse caminho. A assimilação tem muitas vantagens socioeconômicas, é claro, mas também tem contribuído para uma diluição da fé e uma perda alarmante de identidade religiosa. Há aproximadamente 80 milhões de católicos nos Estados Unidos, mas menos de um em cada quatro vai à missa no domingo - é melhor do que na Europa Ocidental, mas ainda é muito ruim. Por diversas vezes, também, o ponto de vista dos católicos sobre questões sociais vão contra os ensinamentos da Igreja. Exemplos disso são Joe Biden, Tim Kaine, Nancy Pelosi.

O livro questiona o seguinte: "Será que ainda podemos ser plenamente católicos, ao mesmo tempo em que somos plenamente norte-americanos, nesse país laico que é os EUA?" Você menciona que "A resposta de muitos católicos hoje é mero resultado da assimilação dos valores e dos padrões de comportamento da sociedade que os rodeia". E você acrescenta que há "um grupo remanescente de católicos crentes e praticantes", que "se encontram cada vez mais alienados da sociedade laica" e estão "profundamente preocupados com o que pode ser feito a respeito disso". Há um lado claramente vencedor na vitória de Trump? Onde fica esse grupo perante isso? A realidade dos católicos norte-americanos mudou com a eleição de Donald Trump para presidente?

De acordo com as pesquisas de boca de urna, 52% dos que se declararam católicos - e 60% dos católicos brancos - votaram em Trump. Entre os que frequentam as igrejas semanalmente, 56% apoiaram Trump. Mas alguns poucos católicos praticantes (e eu sou um deles) não votaram em nenhum dos dois. Eu não tenho os números dos Católicos remanescentes, mas suponho que muitos ou fizeram como eu ou apoiaram Trump. Eu duvido que muitos tenham votado em Hillary.

O que você acha da identidade católica no campo da política numa altura em que por mais que os católicos possam ter feito a diferença com Trump, até mesmo católicos pró-vida ficaram divididos à medida que importantes intelectuais como Robert P. George se opuseram tanto a Trump quanto a Hillary?

É claro que Trump se manifestou abertamente sobre o aborto e as nomeações ao Supremo Tribunal para agradar aos conservadores sociais, incluindo um número substancial de católicos. Nessa medida, os católicos, juntamente com os evangélicos, representaram uma parcela significativa na eleição de Trump. Mas outros católicos apenas seguiram a multidão. Há, no entanto, uma exceção enorme em relação aos católicos latinos, pois 67% deles votaram em Hillary em reação à opinião de Trump sobre a imigração e os imigrantes. Os católicos que quisessem apoiar alguém que sustentasse a posição da Igreja nas mais variadas questões simplesmente não tinham candidato.

Você escreve sobre o Arcebispo Fulton Sheen, dizendo que ele "nunca vacilou na sua certeza de que o catolicismo detinha as respostas para quase tudo". Tudo? Será que alguém parece ter tal confiança atualmente?

O Papa Francisco tem esse mesmo traço de autoconfiança exacerbada, em minha opinião. Talvez ele exagere às vezes, mas isso, sem dúvida, é fundamental para a sua eficácia como líder.

Qual é o legado do governo de Obama na perspectiva católica? E o que significa a derrota de Hillary Clinton e Tim Kaine (uma católica)?

Infelizmente, o legado do ponto de vista da Igreja é que a Casa Branca não tem escrúpulos em tentar colocar políticas públicas que vão contra a consciência católica goela abaixo. Os regulamentos do HHS (Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) e a cooperação obrigatória com o casamento entre pessoas do mesmo sexo são dois casos notórios disso. A liberdade religiosa está sendo redefinida como a liberdade de orar como quiser, mas quando se trata de política pública, cuidado! O governo de Clinton e Kaine teria adotado esta abordagem. Trump prometeu não fazê-lo durante a campanha. Se ele realmente vai cumprir essas promessas, é esperar para ver.

O fato de não haver católicos declarados na Casa Branca suscita aos católicos no Congresso e na vida pública e cívica uma maior urgência para trabalhar com a questão de "como aplicar os princípios morais baseados na fé à política do mundo real"?

Os católicos atuantes na vida pública têm esse dever tendo um católico declarado na Casa Branca ou não. Infelizmente, pode ser que tenhamos ainda mais partidarismo e impasses legislativos no Congresso do que tínhamos com Obama. E esse tipo de ambiente não oportuniza muita a aplicação dos princípios religiosos à política. Mas as pessoas com vocação para a política são obrigadas a tentar e os demais têm a obrigação de apoiá-los.

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