Norte Energia nega-se a prestar contas a comunidades afetadas por Belo Monte

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01 Abril 2017

Empresa responsável por hidrelétrica não compareceu à audiência convocada pelo MPF para discutir condições de vida de indígenas e ribeirinhos.

Cerca de 300 pessoas – entre indígenas, ribeirinhos, representantes do governo, setor privado e sociedade civil – lotaram o auditório do centro de Convenções de Altamira (PA), na terça (21/3). O tema da Audiência Pública, convocada pelo Ministério Público Federal (MPF), foi a discussão da garantia das condições de vida na Volta Grande do Xingu, região mais impactada pela instalação da hidrelétrica de Belo Monte e ameaçada com a eventual instalação da mineradora canadense Belo Sun. Uma cadeira da mesa, no entanto, permaneceu vazia. A Norte Energia, concessionária da usina, não compareceu para prestar esclarecimentos à população.

A reportagem é de Isabel Harari, publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 29-03-2017.

Ribeirinhos e indígenas denunciaram a ineficácia de medidas de mitigação e compensação de impactos à população da região e a inexistência de outras necessárias.

“A ausência da Norte Energia vai implicar tomadas de decisões que a oneram, sem sua presença. A cadeira permanecerá vaga como um sinal da postura do empreendedor de Belo Monte em relação ao diálogo com as comunidades atingidas”, alertou Thais Santi, procuradora do MPF.

Estiveram presentes representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Fundação Nacional do Índio (Funai), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), defensorias públicas da União e do Estado (DPU e DPE), Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (Semas), Prefeitura de Senador José Porfírio e empresa canadense Belo Sun.

Volta Grande em convulsão

Entre as denúncias feitas no evento, está a ausência de água potável nas comunidades ribeirinhas e as sérias dificuldades na navegabilidade no rio e no reservatório da barragem. Durante 2016, comunidades inteiras ficaram isoladas o ano todo sem comunicação fluvial ou terrestre. Em fevereiro, um pescador morreu afogado no reservatório por causa da correnteza no lago da usina, fenômeno conhecido como “banzeiro”, ao tentar chegar em Altamira.

Outra reclamação comum tem a ver com o alagamento de roças, portos, galinheiros e até campos de futebol, que a própria Norte Energia instalou em áreas que supostamente não deveriam ser alagadas. A empresa divulgou que, neste mês, a vazão da água não superaria o máximo de 4 mil m3/segundo e colocou uma estaca apontando até onde o rio subiria nos principais portos da região. A informação estava errada – a vazão superou 23 mil m3/segundo – o que causou uma série de danos. As roças e até o túmulo de um parente dos índios Juruna da aldeia Mïratu foram alagados, por exemplo.

“O prejuízo tem sido deixado nas costas da população mais vulnerável. São fundamentais a responsabilização de quem causou esses danos e a indenização das pessoas que perderam as roças e não têm o que colher”, alerta a advogada do ISA Biviany Rojas.

Para a Procuradora da República Thais Santi, é evidente que os mecanismos e espaços de comunicação previstos no licenciamento da hidrelétrica não estão funcionando. O Ibama reconheceu a necessidade urgente de aprimoramento desses espaços e comprometeu-se com sua avaliação.

Monitoramento independente

Os Juruna da aldeia Mïratu fizeram uma apresentação do monitoramento independente de segurança alimentar e atividade pesqueira na Terra Indígena Paquiçamba. O trabalho foi feito pela Associação Indígena Yudjá Miratu da Volta Grande do Xingu (Aymix), em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e ISA.


Gráfico mostra redução do consumo de peixes na dieta dos indigenas (Fonte: Instituto Socioambiental - ISA)

O estudo vem sendo realizado entre indígenas e pesquisadores da UFPA por meio da coleta de dados mensais sobre as dinâmicas da pesca e o consumo alimentar das famílias da aldeia. Esses dados são importantes para desenhar a linha base que permite comparar a situação antes do barramento com as transformações que estão acontecendo. “O objetivo do monitoramento é mostrar com dados reais que nós estamos sendo impactados. Queremos denunciar isso não só nas nossas falas, mas nos dados colhidos todos os dias por nós mesmos”, conta Bel Juruna.

O monitoramento independente é realizado de forma ininterrupta, desde setembro de 2013. O levantamento identificou mudanças no aumento de consumo de alimentos provenientes da cidade, a perda de importantes áreas de pesca, diminuição do consumo de peixe e da pesca ornamental. Isso representa uma progressiva perda de soberania alimentar da comunidade Juruna.

Os indígenas solicitaram que esse monitoramento independente seja levado em consideração pelo Ibama, órgão licenciador da hidrelétrica, para contrapor os relatórios da Norte Energia. O monitoramento da empresa foi interrompido durante 8 meses antes do barramento do rio, comprometendo a consistência da linha base utilizada por ela para identificar impactos.

Frederico Amaral, do Ibama, admitiu que o monitoramento da empresa precisa ser aprimorado e afirmou que vai considerar os dados colhidos pelos Juruna como subsídios para complementar suas análises. “Esses dados técnicos são muito importantes para gente”, disse.

“Antes a gente tinha água saudável pra tomar” Os ribeirinhos que vivem nas comunidades Ressaca e Ilha da Fazenda denunciaram o abandono dos postos de saúde, das escolas e dos sistemas de abastecimento e sanitário. A construção e manutenção dessas instalações seriam de responsabilidade da Norte Energia e da prefeitura de Senador José Porfírio.

Dona Dêca Sampaio, técnica de enfermagem que mora há 34 anos na Ilha da Fazenda, fez uma apresentação emocionada com imagens do posto de saúde em deterioração e da bomba de água abandonada. “Estamos jogados pras pragas”, repetiu mais de uma vez na audiência. Ainda que tenham sido instalados os poços para coleta de água, a falta de manutenção impossibilita seu uso. “Antes a gente tinha água saudável pra tomar. Fomos criados bebendo água do rio. Agora, a água está podre, não podemos tomar banho. As pessoas estão com micose e as crianças com as barrigas inchadas de verme”, conta.

As comunidades ribeirinhas mais isoladas, como a do Itatá, nem sequer tiveram os poços perfurados. Um dos encaminhamentos do evento foi que seja feita uma vistoria para atestar as condições e a instalação dos equipamentos necessários para garantir o acesso à água de qualidade.

“Não é possível que uma comunidade impactada como a Ilha da Fazenda não tenha uma escola e um posto de saúde, um transporte escolar digno. O que falta para o Ibama multar a Norte Energia pelo abandono total da Volta Grande do Xingu?”, questionou Francisco de Assis Nascimento, advogado do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

Funai reitera ineficácia das medidas

Em carta conjunta, os índios Arara e Juruna reivindicaram o cumprimento imediato de antigas pendências relacionadas à proteção e vigilância de suas terras, navegação, alternativas produtivas e efetivação de espaços de acompanhamento e controle social do empreendimento. Cobraram ainda que governo do Estado realize um processo de consulta livre, prévia e informada sobre a mineradora Belo Sun. A Coordenadora de Licenciamento Ambiental da Funai, Janete Carvalho, reiterou as conclusões de parecer técnico do órgão no sentido de reconhecer a gravidade dos impactos sofridos pelos indígenas e a ineficácia das medidas de mitigação até aqui implementadas.
”A Volta Grande do Xingu é tema ultra-sensível para a Funai. A licença de Belo Monte estabeleceu que o modo de vida dos Juruna e dos Arara fosse assegurado. Os impactos previstos no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não só se confirmaram, como também foram potencializados pela ineficácia das medidas de mitigação. Precisa ser revista a matriz de impactos e o Plano Básico Ambiental – Componente Indígena (PBA-CI)”, comentou.

Um ponto de coincidência entre os indígenas e a Funai foi a insuficiência dos espaços de participação desenhados no PBA. Para os indígenas, esses espaços são uma “verdadeira perda de tempo” onde nada é resolvido, sem interlocutores adequados para encaminhar soluções ou responder perguntas técnicas. Segundo a própria Funai, “o Comitê da Vazão Reduzida, condicionante estabelecida pela Funai, não está funcionando”.

Veja na íntegra os encaminhamentos da Audiência Pública.

“Para quem a Belo Sun está mentindo?”

Previsto como a maior mina de ouro a céu aberto do Brasil hoje, o projeto “Volta Grande”, da mineradora canadense Belo Sun, tem a pretensão de se instalar a 9,5 km de distância da TI Paquiçamba, a 13,7 km da TI Arara da Volta Grande do Xingu e também próxima à TI Ituna-Itatá, habitada por indígenas isolados. O local do projeto coincide com a Área Diretamente Afetada (ADA) por Belo Monte. A mina encontra-se próxima da Vila da Ressaca, comunidade de 300 famílias que depende da roça, pesca e do garimpo artesanal para sobreviver.

A Semas concedeu a Licença de Instalação (LI), no início de fevereiro, atropelando recomendações que exigiam a análise dos impactos cumulativos dos dois empreendimentos e um parecer da Funai que exigia a revisão dos estudos sobre o tema indígena. No final do mês, no entanto, a DPE conseguiu suspender a LI alegando de que a empresa comprou terras públicas e violou os direitos das populações ribeirinhas da região.

Representantes da Belo Sun estiveram na audiência e ouviram as reivindicações das comunidades, que temem os impactos da mineradora. Já no final do evento e sem inscrição prévia, os engenheiros da empresa fizeram uma curta apresentação com dados, argumentando que o empreendimento não vai causar grande impacto na Volta Grande.

Humberto Alcântara Ferreira Lima, perito do MPF, questionou a empresa sobre o real tamanho do empreendimento. Ele afirmou que existe uma diferença significativa nas informações sobre os montantes de minério a ser explorado pela Belo Sun. Segundo o perito, o EIA de 2012 indicava que 37,7 milhões de toneladas de minério de ouro seriam extraídos ao longo de 11 anos. Em agosto de 2013, no entanto, o site da empresa informava que o projeto iria minerar 88,1 milhões de toneladas de minério de ouro. Já em fevereiro de 2017, o site informa a previsão de 116 milhões de toneladas de minério, ao longo de 17 anos.

“Qual a dimensão real do projeto Volta Grande de mineração de ouro da Belo Sun? Se aquela informada às instituições públicas brasileiras ou a informada aos acionistas da empresa, mais de três vezes maior? Para quem estão mentindo, para os investidores ou para o licenciador?”, questionou.

Os representantes da Funai reiteraram que não reconhecem os estudos apresentados pela empresa e exigiram a realização de novas análises – respeitando a determinação de consulta prévia, livre e informada da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalha (OIT), da qual o Brasil é signatário. “A gente gostaria que fosse feita a consulta prévia. Eu nasci e me criei naquela região. Nós não pedimos empreendimento nenhum e agora tem os dois maiores empreendimentos do Brasil lá. E nós sem garantia de nada”, disse Giliarde Juruna, cacique da aldeia Mïratu.

Janete Carvalho lembrou do que aconteceu com o rompimento da barragem do Fundão, na cidade de Mariana (MG), fazendo coro a preocupação dos indígenas e ribeirinhos frente a um eventual acidente. “A Terra Indígena mais próxima da barragem da Samarco fica a mais de 300 km e até hoje o povo indígena Krenak não tem água potável suficiente para viver. Qualquer acidente em Belo Sun vai criar uma situação de etnocídio e o risco é inaceitável”, alertou.

A mina tem o estudo de viabilidade ambiental assinado pelo mesmo engenheiro indiciado por homicídio pelo rompimento da barragem de Mariana. Carvalho informou que o presidente da Funai assumiu o compromisso de entrar com uma ação contra esse licenciamento ambiental para garantir que o direito dos povos indígenas seja respeitado.

O MPF cobrou da Semas esclarecimentos sobre o risco das explosões e um plano de vida para Volta Grande do Xingu. A procuradora Thais Santi fez um apelo para que o Ibama seja convidado a se manifestar no processo de licenciamento de Belo Sun, diante da sinergia evidente de impactos entre os empreendimentos. O Secretário de Meio Ambiente do Pará, Luiz Fernandes, afirmou que já chamou o Ibama para participar e se comprometeu a reiterar o convite para que o Ibama integre o licenciamento.

“É claro que não há espaço para outro empreendimento na região. É impensável implantar Belo Sun sem estarmos todos cientes da real extensão e magnitude dos impactos de Belo Monte”, afirmou Biviany Rojas, do ISA.

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