13 Abril 2018
Foi preciso que o Ressuscitado abrisse o espírito dos discípulos de Emaús e dos Apóstolos à inteligência das Escrituras, para que estes cressem em sua ressurreição. Cheio desta inteligência, Pedro convoca os Israelitas a relerem os profetas e a reconhecerem em Jesus «o autor da vida».
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 3º Domingo de Páscoa - Ciclo B. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas
1ª leitura: «Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos» (Atos 3,13-15.17-19)
Salmo: Sl. 4 - R/ Sobre nós fazei brilhar o esplendor de vossa face!
2ª leitura: «Ele é vítima de expiação pelos nossos pecados e pelos pecados do mundo inteiro» (1 Jo 2,1-5).
Evangelho: «Assim está escrito: ‘o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia...’» (Lucas 24,35-48).
Longo é o caminho da Cruz; longo, o caminho da fé. Os discípulos de Emaús reconheceram Jesus ao partir o pão. Quando contaram a sua aventura aos Apóstolos, estes lhes anunciaram que o Senhor tinha aparecido a Simão. Aparição esta, aliás, ausente dos nossos relatos. E eis que, de repente, está Jesus bem ali, no meio deles. O que não deveria tê-los surpreendido, pois estavam falando justamente dos seus encontros precedentes com ele. Não acreditando, no entanto, em seus olhos, tomaram-no por um «espírito», como se a um «espírito» se pudesse ver. A palavra espírito, aqui, equivale a irreal. O evangelista quer fazer-nos compreender duas coisas especialmente: primeiro, que a fé não chega à maturidade de uma vez. Somente encontra a sua forma perfeita ao final de um longo itinerário. E devemos dar graças a Deus se, em seu ponto de partida, possa ter o tamanho de um grão de mostarda. Além disso, nunca é adquirida como um bem inalienável: podemos ser crentes às 8 horas da manhã e descrentes cinco minutos depois. À fé, de fato não a possuímos, mas a recebemos sem cessar. Supõe, portanto, da nossa parte uma abertura permanente, que não é outra senão a consciência da presença do Outro, esta presença que nos faz ser. Acreditamos ter matado Deus! E muitos de nossos contemporâneos imaginam ter acabado com Ele. E, no entanto, Ele está aí, Ressuscitado. Para os crentes, a morte definitiva do Cristo, a Palavra criadora feita carne, equivaleria ao nosso retorno pessoal ao nada; sua ressurreição é a garantia da nossa «vida eterna».
A palavra «carne» nas Escrituras mostra-se ambígua. Designa tanto o corpo humano quanto simplesmente o ser humano, como nas expressões «toda carne verá a salvação de Deus» ou «derramarei o meu Espírito sobre toda a carne». Pode designar também, e isto acontece com frequência, o que em nós se opõe ao espírito, permanecendo-lhe impermeável. Mais ainda que os outros evangelistas, Lucas insiste no caráter corporal da Ressurreição. Neste evangelho, Jesus não se contenta em mostrar as suas chagas, como faz em João 20,20, mas procura por alimento e come um pedaço de peixe assado “diante dos seus discípulos”. Esta insistência no lado carnal da Ressurreição encontra em nós sérias dificuldades. Os primeiros cristãos já se perguntavam: «Como ressuscitam os mortos? Com que corpo voltam?» (1 Coríntios 15,35). Paulo responde que há tantas diferenças entre o corpo morto e o corpo da Ressurreição quanto entre o grão semeado na terra e a planta em sua maturidade. É uma metáfora, bem entendido, mas que tem o mérito de oferecer-nos a imagem de uma continuidade e de uma descontinuidade interligadas. O mesmo torna-se outro. Jesus se alimenta, conserva as suas chagas, mas não está mais submetido às leis do espaço e do tempo. Assim, pois, aqui estamos nós, convidados não apenas a crer sem ver, mas também a crer sem entender. Não podemos descrever nem sequer pensar o corpo da Ressurreição. E, no entanto, está aí o corpo. Aliás, a natureza está cheia de imagens da Ressurreição: a sucessão das estações, o sono e o estado de vigília, etc. São passagens ao contrário, nas quais um está no outro.
Da mesma forma que na estrada de Emaús, Jesus «abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras». O conjunto da Bíblia, sob a forma de uma sucessão de histórias particulares datadas e localizadas, às vezes simbólicas, revela-nos o sentido, a substância de toda aventura humana. Como diz o Apocalipse, este é um livro selado e somente o Cristo pode romper os selos. Ele faz isto através da sua morte e de sua ressurreição, o acontecimento chave e a palavra final da história. Por aí ganha sentido tudo o que o tem precedido e daí se forma o projeto de tudo o que a humanidade viveu, vive e viverá. Ficamos sabendo que toda a diversidade, todas as contradições, todos os conflitos, todo o bem e todo o mal se encontram assumidos pelo Cristo, que nos reúne num só corpo. E este corpo é o seu. Quanto a nós, temos de fazer certo esforço para evitarmos pensar que o Cristo não ressuscitou em sua carne pessoal, mas sim na «carne» deste novo corpo que é a Igreja. Pois um não caminha sem o outro. E, se Cristo pessoalmente não ressuscitou, vãs são as nossas palavras, vã é a nossa fé, conforme diz Paulo na primeira carta aos Coríntios (15,17). Vã é a nossa vida. Vã também é toda a história bíblica. E Deus, esta realidade ativa que funda toda a humanidade e tudo o que existe, não seria amor. Como podemos ver, a Ressurreição é o ponto final da Bíblia, o ponto extremo e também a substância da nossa fé. Da nossa vida. O universo inteiro está sob este molde da ressurreição escondida, que trabalha em segredo e que, aos poucos, vai ganhando as suas diversas formas.
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A inteligência das Escrituras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU