“Não é possível que os homens, na sua organização política e social, não se deem conta de que como está não é possível continuar”, afirma o economista
Faltando três dias para o segundo turno das eleições presidenciais, que influenciará o rumo das políticas dos próximos anos no país, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo relembra as diversas ocasiões em que o Brasil viveu “momentos de declínio e depressão, mas se levantou”. É com este espírito que ele manifesta esperança no futuro da nação. “Não gosto de falar em otimismo porque não devemos ser otimistas, mas devemos ser esperançosos porque acreditamos na nossa capacidade de transformação”, diz, na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Segundo ele, a crise financeira internacional que se avizinha poderá gerar “dificuldades” para o próximo governo, mas, igualmente, “pode apresentar uma oportunidade” para o país mudar de rota, aproveitando o movimento internacional em torno da transição energética. “O Brasil tem condições de se apresentar com uma política de meio ambiente muito eficaz e lucrativa do ponto de vista econômico porque temos os ativos que servem de base para o financiamento externo favorável”.
A mudança geoeconômica em curso no mundo apresenta, segundo Belluzzo, oportunidades significativas para o Brasil. Uma delas é a execução de um programa de transição energética a partir da fusão entre a Eletrobras e a Petrobras. “Minha sugestão é transformar a Petrobras em uma empresa de energia e fazer uma fusão com a Eletrobras para que tenhamos uma empresa que possua participação no mercado de combustíveis e possa fazer a transição energética de maneira efetiva. Essa proposta também tem uma dimensão de política industrial e tecnológica porque nós ainda não produzimos painéis solares, mas colegas da universidade me dizem que é perfeitamente possível o Brasil produzir esses painéis. Essa é uma dimensão de política industrial que nos levaria a privilegiar a indústria de semicondutores que, hoje, representa a batalha global entre EUA e China”.
Belluzzo em conferência no IHU
Foto: Ricardo Machado
Luiz Gonzaga Belluzzo é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Economia Industrial pelo Instituto Latino-Americano e Caribenho de Planejamento Econômico e Social – ILPES/CEPAL e doutor em Economia pela Universidade de Campinas – Unicamp. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. É um dos fundadores das Faculdades de Campinas – Facamp, onde é professor. É autor de Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo (São Paulo: Facamp/Contracorrente, 2017), Capital e suas metamorfoses (São Paulo: Unesp, 2013), Os antecedentes da tormenta: origens da crise global (Campinas: Facamp, 2009), Temporalidade da riqueza: teoria da dinâmica e financeirização do capitalismo (Campinas: Oficinas Gráficas da Unicamp, 2000), entre outras obras.
IHU – Qual foi o peso da situação econômica do país no primeiro turno das eleições? Como avalia o resultado?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Não há uma relação imediata e mecânica entre a situação econômica e a decisão do voto, que invade outra esfera da vida contemporânea. A decisão do voto depende da avaliação política. Não podemos esquecer que, diante das más condições econômicas ou precárias, como é o caso do Brasil hoje, a opinião pública oscila entre o que a mídia diz, isto é, que a economia está se recuperando, e a situação real das famílias. Mas isso não é definido instantaneamente no sentido de que, se a situação econômica é ruim, as famílias vão tomar uma decisão contrária ao status quo. Temos exemplos na história que mostram que, em geral, essas situações de dificuldade geram um ressentimento difundido que atinge desde as classes menos favorecidas até aquelas mais abastadas.
No fundo, o que estamos assistindo – basta observar como se manifestam os movimentos bolsonaristas – repercute muito situações já ocorridas em outros países. Estava relendo A ordem do dia, livro em que Éric Vuillard mostra não só a adesão do empresariado alemão às pretensões de Hitler, mas também a sequência de acontecimentos que levaram boa parte do povo a votar nele. Não podemos descartar o fato de que, em uma situação de angústia econômica, o grau de desconfiança que nasce nas pessoas em relação às próprias instituições democráticas pode inflar o eleitorado mais conservador e de direita.
No Brasil, isso já aconteceu algumas vezes de maneira estranha. É o caso da eleição de Jânio Quadros depois do governo Juscelino Kubitschek, quando o Brasil tinha conseguido ingressar no clube dos países emergentes mais industrializados, com um progresso econômico considerável, ainda que o progresso social não tenha sido tão exuberante. Mas o que observamos foi a busca de um candidato cuja campanha se fixava na corrupção, como estamos observando agora. Elegeram um candidato extremamente despreparado para exercer o cargo de presidente da República, uma pessoa tacanha, provinciana, que não entendia nada sobre o Brasil e que culminou com a renúncia dele e depois com a dificuldade de aceitar que o vice-presidente, Jango, assumisse o cargo presidencial. Foi um processo que culminou em 1964, mas que se segue de um período muito favorável da economia brasileira.
Então, temos que olhar para outras dimensões da vida social, da história da sociedade, que é marcada por esses surtos de conservadorismo. Às vezes, isso agrava o ressentimento e provoca a pior escolha, a mais conservadora e reacionária.
IHU – No evento ocorrido segunda-feira, 24-10-2022, na PUC-SP, o senhor mencionou a possibilidade de uma crise financeira mundial. Quais os riscos e as causas dessa crise e como ela pode afetar o Brasil nos próximos meses?
Luiz Gonzaga Belluzzo – A possibilidade de uma crise financeira internacional está sendo discutida no mundo inteiro. As pessoas estão preocupadas com as assimetrias e os desencontros do sistema monetário financeiro internacional, que estão sendo reveladas particularmente pela subida da taxa de juros americana com o objetivo de controlar a inflação.
Há um debate muito agudo e intenso no mundo inteiro entre economistas e políticos que estão se indagando se, primeiro, essa forma de combater a inflação é adequada, dada a natureza da inflação e, em segundo lugar, por que não se tenta uma solução mais harmoniosa entre os países no sentido de abafar o choque de oferta de uma maneira mais eficaz, que derrube a inflação. Desta vez, o que ocorreu foi um repente no mundo inteiro de uma certa inconformidade e indignação com a elevação da taxa de juros, que tem causado danos a muitos países, inclusive aos europeus. Não são só os emergentes que sofrem. Para eles, o dano é muito grande porque boa parte deles tem um endividamento líquido relevante, descontados os ativos em moedas estrangeiras. Eles têm uma dificuldade enorme de fazer a gestão do seu endividamento e pagar a dívida em moeda estrangeira.
Até o Fundo Monetário Internacional – FMI está preocupadíssimo porque isso pode gerar uma crise profunda – e já está se encaminhando nesse sentido – entre os países emergentes. Mas países como a Itália, onde surgiu a Giorgia Meloni, também estão sofrendo, o que revela um certo desconforto com as regras da União Europeia. Mas isso não acontece apenas na Itália. Há esse desconforto também na França, na Espanha e até mesmo na Alemanha. Os alemães também estão querendo fazer uma política mais eficaz de controle dos preços. O que digo é que, no geral, em âmbito global, o que estamos assistindo é uma caminhada para uma crise financeira.
Os bancos centrais estão tentando manter o avanço nas taxas de juros. O banco americano parece que está disposto a subir mais 0,75%. Esse aumento, para um país como o Brasil, que tem moeda não conversível – mesmo com as reservas, que são uma proteção importante e faz com que o país esteja mais protegido –, é significativo. Mas países como a Argentina vão sofrer um choque. A despeito disso, ainda assim a curva de juros que se desenha está mostrando uma tendência de subida da taxa de juros. É o que o mercado está precificando. Isso é muito ruim para o desempenho da taxa de crescimento da economia.
Vamos ter dificuldades com a crise e, ao mesmo tempo, essa crise pode apresentar uma oportunidade de desvio do Brasil na rota que estava seguindo, inclusive usando o movimento internacional, que se intensificará, de busca de proteção ao meio ambiente, com políticas ambientais consideradas saudáveis e necessárias para evitar o colapso não de um país, mas da humanidade.
O Brasil tem condições de se apresentar com uma política de meio ambiente muito eficaz e lucrativa do ponto de vista econômico, porque temos os ativos que servem de base para o financiamento externo favorável. Além disso, a ruptura geoeconômica que estamos observando dá, ao país, com um governo sensível e perceptível, oportunidades enormes de usar a sua importância geográfica e na América do Sul para negociar e obter condições favoráveis de encaminhamento da sua política econômica.
Recentemente, o economista americano Lawrence Summers, que em geral é muito conservador, escreveu um artigo recomendando que o Banco Mundial mude as políticas de modo a favorecer os países mais fragilizados financeiramente e montar programas de desenvolvimento. Ele argumenta, com razão, que os EUA não podem se limitar a sobreviver com uma política econômica nacional, produzindo danos para os outros países porque isso vai gerar uma situação insustentável.
IHU – Nesta conjuntura internacional, do ponto de vista econômico, o que significaria a reeleição de Bolsonaro para o país?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Quando vejo as manifestações do Paulo Guedes, me sobrevém uma imagem de que a visão política e econômica dele coloca o país em uma posição em que o Brasil seria um competidor, em uma corrida de Fórmula 1, que resolve entrar na competição com um Ford Bigode nos dias de hoje. Ou seja, é um negócio que não tem propósito, não tem nenhuma conexão com o mundo atual. Isso tem a ver com as concepções que são marteladas na imprensa nacional. Aliás, li dois editoriais, um da Folha de S.Paulo e outro de O Globo, que na verdade imaginam que estamos em situação de mercado competitivo, onde há pequenas empresas de igual poder se desdobrando para produzir, as quais precisam de redução de custos para ter competitividade – e aí entra a discussão do salário-mínimo – e precisam reduzir a proteção externa. Mas esse não é o mundo de hoje.
O mundo de hoje é o de grandes grupos econômicos concentrados, centralizados por instituições financeiras muito poderosas, que manejam trilhões de dólares. Então, do que esses editoriais estão falando? Eles estão em outra galáxia; não é nem em outro planeta. Esse é o problema da desconexão das propostas econômicas do governo Bolsonaro, que, a propósito, outro dia manifestou sua adesão ao liberalismo econômico. A conexão entre autoritarismo político e protofascismo com o liberalismo político não é inusual. É só olhar o governo de [Augusto] Pinochet. Não tem nada de novo. As pessoas ficam admiradas com o fato de Bolsonaro ser liberal economicamente e autoritário politicamente. Mas isso é uma posição que vem do [Friedrich] Hayek. Ele dizia que a democracia trazia problemas para a liberdade econômica e, por isso, preferia a liberdade à democracia. Qual é a liberdade? A liberdade de opressão. Isso está expresso também na ideia de fazer uma política de salário-mínimo e previdenciária que, na verdade, vai desvalorizando os benefícios e os salários para as empresas poderem ter competitividade.
Eis a lógica mais profunda dessa discussão. Não é uma discussão econômica; é uma discussão que diz respeito às relações profundas entre essa visão liberal e a opressão efetiva que ela pratica em cima das pessoas menos favorecidas.
IHU - O que significaria um novo governo Lula, tendo em vista a conjuntura internacional, mas também o quadro de aumento da pobreza e desindustrialização do país? O que precisa ser diferente ou semelhante em relação aos mandatos anteriores para enfrentar os problemas nacionais?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Tenho uma certa resistência em assoprar os ouvidos do príncipe, mas a minha percepção é que o Brasil terá, diante da situação internacional como está e da importância sobre a discussão sobre o meio ambiente, condições de executar um programa de transição energética.
Minha sugestão é transformar a Petrobras em uma empresa de energia e fazer uma fusão com a Eletrobras para que tenhamos uma empresa que possua participação no mercado de combustíveis e possa fazer a transição energética de maneira efetiva. Essa proposta também tem uma dimensão de política industrial e tecnológica porque nós ainda não produzimos painéis solares, mas colegas da universidade me dizem que é perfeitamente possível o Brasil produzir esses painéis. Essa é uma dimensão de política industrial que nos levaria a privilegiar a indústria de semicondutores que, hoje, representa a batalha global entre EUA e China. O Brasil, que tinha começado a construir uma indústria de semicondutores, a desmobilizou. É inacreditável esse abandono – e, por causa disso, virou consenso entre alguns economistas que política industrial não dá certo, mas todo mundo está fazendo política industrial hoje no mundo. Não vou nem citar a China, mas os próprios países europeus estão descobrindo a importância de fazer uma política industrial. Os EUA estão fazendo política industrial.
Alguns defendem que é preciso abrir as economias, mas o tempo inteiro, no processo de transformação do capitalismo, houve uma convivência entre protecionismo e abertura. Essas não são medidas absolutas; são medidas que convivem. Tudo depende da circunstância e é algo que tem que ser construído pragmaticamente. O Brasil está precisando de uma política industrial em que também haja uma cobrança das empresas. Uma das vantagens da política industrial da Coreia [do Sul] é que o país tem, simultaneamente, proteção e uma exigência para o aumento de produtividade e competitividade. Ao mesmo tempo que concede benefícios, o país também exige. É uma questão de planejamento de política industrial: não se trata só de dar favores; é preciso exigir desempenho. Essa é a lógica do desenvolvimento asiático. No Brasil, dada a correlação de forças sociais, dá-se o benefício, mas não se cobra o desempenho. Se abrirmos a economia simplesmente, sem tomar cuidado com a proteção e o resguardo da indústria nacional, vai acontecer o que já acontece: um processo de desindustrialização incrível.
Outra coisa importante é que o Brasil tem condições de lutar ao lado de outros países que já estão percebendo que não se pode mais viver num sistema monetário em que o dólar tem a proeminência e um privilégio exorbitante. Isso é um dano para a economia mundial porque submete as demais políticas econômicas aos humores do mercado de capitais. Ora, o próprio FMI, que foi tão zeloso por impor a abertura financeira, hoje está recuando e criticando a sua própria posição porque ela não funcionou, como [John Maynard] Keynes havia descoberto nos anos 1920. Ela não funciona porque tem um país que tem a moeda reserva e os demais se submetem a ele. Isso gera desconforto, desarmonia e desastres financeiros.
Mas estou esperançoso porque o Brasil tem instrumentos e essa benfazeja de recursos naturais que são importantes para o mundo todo. Há de se usar isso de uma maneira inteligente para fazer uma negociação, de modo que o país abra espaço para fazer políticas domésticas, como a da transição energética e a das ferrovias. O Brasil tem uma malha ferroviária que foi sendo desmontada ao longo de sessenta anos. Infelizmente, abandonamos o projeto de ampliar a rede ferroviária. No setor hidroviário, também há oportunidades incríveis. Toda essa infraestrutura, que está por ser integrada, tem uma capacidade de criar empregos.
Temos que considerar também que o mercado de trabalho hoje é outro; ele se transformou pela mudança tecnológica. Isso tem que ser acompanhado por uma capacidade do Estado criar empregos diretamente, como tem sido discutido no mundo. Que empregos o Estado pode criar? Na área de saúde, na área educacional, tecnológica. O Estado tem que criar diretamente os empregos porque o mercado não é mais capaz de fazer isso. Ou seja, quando vejo uma discussão sobre a renda básica, fico feliz de saber que descobriram que o Estado precisa complementar o que o mercado não consegue. Mas quando se fala nisso, fico pensando que é preciso juntar o propósito de proteger a renda das famílias com a dignidade das pessoas. Não adianta dar só dinheiro; tem que dar uma atividade porque é a atividade que vai integrar as pessoas à sociedade. Tem que ter um planejamento de modo a respeitar a dignidade das pessoas.
IHU – Há espaço para uma proposta de transição energética, como o senhor propõe, num possível governo Lula, que investiu tanto em hidrelétricas e grandes obras, como a transposição do Rio São Francisco, e demais políticas de impacto socioambiental? Um eventual governo do ex-presidente faria uma reavaliação nesses termos, com uma abertura à pauta socioambiental?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Seguramente. Ele disse que não vai fazer nenhuma das coisas que fez nos governos passados e uma das coisas que ele vai fazer é dar peso a essas questões. Essa é uma oportunidade que o Brasil tem e que pode funcionar muito bem, inclusive em relação aos parceiros comerciais e financeiros, tanto americanos quanto europeus.
Foi votada uma resolução na União Europeia de bloquear a importação de produtos brasileiros, se continuar a política de agressão ao meio ambiente, que vai funcionar a partir de 2024. Então, está se montando um ambiente muito hostil aos países que não cumprem suas obrigações com o meio ambiente. Como o Brasil tem essa disponibilidade de recursos ambientais, ele pode se valer disto para implementar essa política. É claro que vai exigir planejamento, participação das universidades, dos institutos de pesquisa. Mas temos, felizmente, capacidade de participar e fazer um bom projeto de modo a produzir efeitos econômicos.
IHU – No evento de segunda-feira, o senhor também comentou sobre uma mudança que tem ocorrido no país – já percebida no comportamento de alguns jovens – em relação a pessoas que não querem mais utilizar carro próprio e preferem se deslocar de Uber. Sua proposta é, a partir dessa demanda, criar cooperativas, utilizando as tecnologias existentes para beneficiar e organizar os trabalhadores que cumprem longas jornadas e não recebem salários satisfatórios. Pode explicitar essa proposta? Como ela poderia ser estimulada a partir de políticas públicas e trazer benefícios socioeconômicos para o país, garantindo, de um lado, direitos trabalhistas, e, de outro, atendendo a demanda por maior autonomia na organização do trabalho?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Essa combinação entre a dimensão coletiva e a dimensão individual teria que ser solucionada a partir da criação de cooperativas para que os trabalhadores possam gerir seus interesses. Mas teria que criar uma instituição que representasse coletivamente o grupo e, ao mesmo tempo, concedesse condições de trabalho melhores. Eu utilizo o Uber e converso com os motoristas. A queixa deles é em relação à carga de trabalho excessiva e à remuneração bastante moderada. Era preciso estabelecer um piso para a remuneração deles. Eles estão percebendo que a autonomia está atada aos grilhões da dependência do Uber. Sentem-se prisioneiros também. Então, é preciso explicar a necessidade de uma maior autonomia, criando um projeto coletivo. É possível fazer isso perfeitamente. Eles já estão percebendo que é uma tortura ficar quatorze horas no trânsito.
Além disso, tinha que atribuir a eles os direitos trabalhistas, sobretudo o direito de aposentadoria e seguro-desemprego, ou seja, direitos que foram criados pelo próprio capitalismo. Também teria que ser estabelecido um preço único para algumas corridas. Não se pode pagar três reais por uma corrida mais curta. Poderia subir o valor mínimo da corrida para dez reais.
Penso também nos entregadores de comida, que é um outro grupo de trabalhadores de plataforma que precisam ser tratados de maneira diferente. O Brasil tem condições de resolver essas questões. Converso bastante com esses trabalhadores e alguns têm mais clareza da situação, outros, menos, mas o fato é que todos sofrem muito e trabalham na madrugada. É crucial fazermos algo em torno disso, juntamente com um programa de renda básica de cidadania e atividades de cultura, saúde, educação que melhorem a vida das pessoas. No mundo de hoje, não faltam oportunidades para melhorar a vida das pessoas. Não é possível que os homens, na sua organização política e social, não se deem conta de que como está não é possível continuar.
IHU – O senhor também tem chamado atenção para a necessidade de um planejamento que vise projetar o futuro, o que não significa ter um projeto autoritário, mas de metas e programas. Que questões precisam fazer parte de um planejamento para o país hoje, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista da justiça socioambiental?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Sugeri que se criassem comitês que incluíssem empresários, trabalhadores e funcionários do Estado qualificados, à semelhança dos grupos executivos do governo JK, no sentido de integrar as várias dimensões e camadas da sociedade no processo decisório. Às vezes o passado pode ensinar o presente.
Não vejo possibilidade do governo se manter numa visão tecnocrática de que um ministro ou um grupo resolva os problemas. Tem que dar a palavra para a sociedade. Existem várias formas de fazer isso. Lula quis fazê-lo com o Conselhão, mas ele não tinha efetividade decisória. Então, é preciso ter um Conselhão para ampliar o debate, mas é preciso ter os conselhos setoriais que vão tratar de políticas específicas, como a política ambiental e a transição energética. Tem pessoas muito qualificadas nesse debate e isso dará um senso de participação para as pessoas.
IHU – O senhor tem esperança no futuro do Brasil? O que lhe dá esperança hoje, olhando para o país tal como ele está, com o aumento da pobreza, com as pessoas angustiadas e aflitas por causa da política e de seus problemas particulares?
Luiz Gonzaga Belluzzo – A despeito de todas as mazelas que sofremos e nos foram infligidas em todos esses anos, a população manifesta sua esperança escolhendo um candidato que não é um milagroso. Ele mesmo disse que não vai fazer milagres. Ele é muito pragmático e, ao mesmo tempo, tem a visão de que a nossa sociedade pode se levantar e se transformar, outra vez, em uma sociedade esperançosa.
Não gosto de falar em otimismo porque não devemos ser otimistas, mas devemos ser esperançosos porque acreditamos na nossa capacidade de transformação. É isto que me anima: o Brasil sempre teve momentos de declínio e depressão, mas se levantou. Graças a Deus, conseguimos ainda ter esse espírito de recuperação, de esperança. É isso que me anima.
Estou muito esperançoso, olhando que há uma reação, a despeito desses movimentos que estão apegados a um passado que imaginam que tivemos, mas que nunca tivemos. Temos que olhar para dentro e ver as nossas deficiências profundas, porque isso é importante e, ao mesmo tempo, precisamos ter esperança. Eu me lembro sempre da história do Brasil, da Revolução de 1930, dos tenentes que queriam modernizar o país, do pós-guerra e de como nós nos levantamos. Sempre digo e vou repetir: os militares, apesar das barbaridades que cometeram na ditadura, não abandonaram o projeto de desenvolvimento brasileiro. Sempre digo isso e, às vezes, as pessoas não gostam, mas é verdade. Eles usaram meios impróprios não do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista social e político, para alcançar o desenvolvimento, mas prosseguiram na busca da industrialização e do desenvolvimento.