Crise política brasileira e os riscos da venezuelização. Entrevista especial com Rudá Ricci

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

16 Setembro 2015

“Ou os movimentos sociais rompem com o governismo e deixam de ser correias de transmissão ou se deslegitimarão no próximo período”, adverte o sociólogo.

Foto: wikipedia.org

Na pauta política desde o início da gestão do segundo mandato da presidente Dilma, a discussão sobre o impeachment mantém o país num clima de incertezas, mas se o desfecho da crise for por esse caminho, a tendência é gerar um “turbilhão de insegurança e imprevisibilidade”, deixando a sétima economia mundial “à deriva”, afirma Rudá Ricci em entrevista à IHU On-Line, concedida por e-mail.

Segundo ele, a situação pode ficar “ainda mais grave”, porque além das denúncias sobre o envolvimento do PT em casos de corrupção, conforme vem sendo denunciado pela Operação Lava Jato, agora “toda cúpula do PMDB e do PSDB é denunciada em desvios de dinheiro público. Enfim, os três partidos hegemônicos do Brasil (PT, PMDB e PSDB) parecem feridos gravemente. Substituir um governo frágil às vésperas das eleições municipais por um governo que não conseguirá corresponder às expectativas populares parece o pior dos mundos”, avalia.

Ricci lembra que, apesar de o governo Dilma ter se tornado “errático” nos primeiros sete meses da segunda gestão, desde que chegou à presidência, o PT repetiu o comportamento dos governos socialdemocratas europeus: “se sentaram nas poltronas do poder, forjaram estruturas neocorporativas, arenas de negociações da agenda estatal, indicaram ministros e secretários estaduais do trabalho, geriram fortunas dos fundos de pensão sem consulta às bases e participaram perigosamente dos conselhos de estatais recebendo jetons individuais. Distanciaram-se das suas bases. Num país com forte desigualdade social, estes movimentos sociais e organizações populares assumem a função de canalização das insatisfações e acabam por forjar pautas de demandas sociais que podem se transformar em agendas governamentais. Na medida em que se afastaram das ruas, a tensão continuou, a frustração com as injustiças sociais e as dificuldades de sobrevivência permaneceram, mas sem canais de expressão como antes”.

Depois de alguns movimentos sociais anunciarem sua “discordância” com a gestão da presidente Dilma e sua opção pelo ajuste fiscal, o governo corre o risco de perder ainda mais apoio da sua base social. Se isso acontecer, frisa o sociólogo, o governo ficará “como um zumbi meio vivo, meio morto” e “será presa fácil de todas as chantagens e bravatas diárias. Chegará sem fôlego algum em 2018, possivelmente desfigurado”.

No cenário atual, pontua, as perspectivas para o desfecho da crise não são boas: “Se permanecer no governo – o que me parece o mais provável neste momento – sangrará e perderá toda sua personalidade. Se cair, o novo governo herdará o pacote econômico suicida. Resta saber se, na hipótese de queda do governo Dilma, movimentos sociais e forças de esquerda se aproximarão para reagir. Se isto ocorrer, o país pode ingressar definitivamente num processo de venezuelização, com esgarçamento político e social, com queda brutal de investimento, dado o ambiente de instabilidade e insegurança e crise institucional”.

Rudá Ricci (foto abaixo) é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros.

Confira a entrevista.

Foto: twitter.com/rudaricci

IHU On-Line - Como chegamos a essa situação de crise política? Quais são, na sua avaliação, as causas dessa crise?

Rudá Ricci - Dois fatores, em especial. O primeiro, a campanha beligerante do ano passado. A campanha de Dilma destruiu, com muita competência, a imagem pública de Marina Silva (em pouco mais de uma semana, no final do primeiro turno) e de Aécio Neves (também em pouco mais de uma semana, no final do segundo turno).

Não foi uma mera contraposição às propostas que sugeriam, mas uma desmontagem da confiança que os adversários tinham com parte do eleitorado. Um ataque desta natureza, em tão pouco tempo, focado na figura pessoal do adversário e com tanto sucesso, humilha e transforma adversários em inimigos.

No segundo turno se forjou uma reação mais conservadora, muito agressiva, que prometia uma revanche em caso de eles serem derrotados.

O segundo fator foi a mudança radical da proposta de Dilma Rousseff em relação à política econômica do governo federal. Logo no início de 2015, adotou a proposta do seu adversário e provocou uma profunda recessão que vem destruindo os direitos sociais conquistados nos últimos dez anos. Assim, ela fez dos adversários seus inimigos e fez dos aliados meros carregadores de bandeira. Os últimos se sentiram traídos. E seus eleitores se sentiram abandonados em suas perspectivas de melhoria de vida.

IHU On-Line - Como avalia a discussão acerca do impeachment, inclusive entre petistas, que já afirmam que a presidente provavelmente não terminará o mandato até o final do ano? O que esse desfecho da crise significaria para o Brasil?

Rudá Ricci - O governo federal se tornou errático nestes sete meses de segunda gestão. Faz o inverso do que diz. E caminha rapidamente para a adoção de uma agenda conservadora, a começar pelo pacote econômico monetarista ao qual o PT se opôs em toda sua existência. Dilma Rousseff não soube negociar e emite sinais de total inabilidade e inexperiência quando faz algum movimento nesta direção. Na prática, está sendo chantageada diariamente e faz um movimento pendular entre se impor e ceder no momento seguinte.

Ora, não vejo qual seria a vantagem de derrubarem seu governo, já que está cedendo e se isolando aceleradamente. Quem assumir o governo em seu lugar terá o ônus de administrar esta agenda de perdas sociais e inclusão pelo consumo. A crise se tornaria crônica dado que a maioria dos brasileiros se revoltaria contra todos partidos e políticos, se aproximando da tragédia grega ou reação espanhola que vem desmontando todos partidos hegemônicos.

“Quem assumir o governo em seu lugar terá o ônus de administrar esta agenda de perdas sociais e inclusão pelo consumo”

 

Por outro lado, um possível confronto entre direita e esquerda nas ruas diminuiria sobremaneira a margem de manobra de partidos de centro, como o PMDB. Enfim, as ameaças de queda de Dilma a enfraquecem ainda mais e jogam o tempo todo nas cordas, projetando-a como um “Calígula do Século XXI”. No caso de sua queda, entraríamos num turbilhão de insegurança e imprevisibilidade. A sétima economia mundial estaria à deriva.

Finalmente, a situação parece ainda mais grave na medida em que toda cúpula do PMDB e, agora, do PSDB, é denunciada em desvios de dinheiro público. Enfim, os três partidos hegemônicos do Brasil (PT, PMDB e PSDB) parecem feridos gravemente. Substituir um governo frágil às vésperas das eleições municipais por um governo que não conseguirá corresponder às expectativas populares parece o pior dos mundos.

IHU On-Line - Pode nos dar um panorama geral da atual situação política a partir das articulações que estão sendo feitas, e que envolvem o vice-presidente, Michel Temer, Cunha e o PMDB, Aécio e o PSDB, por exemplo?

Rudá Ricci - Só há dois interessados reais no impeachment: Aécio Neves e Eduardo Cunha. Eduardo Cunha como forma de reverter o cenário sombrio que parece se formar no seu horizonte. E Aécio porque sabe que o recall da campanha do ano passado (ele figura na memória como o principal opositor à Dilma) vai se desfazendo a cada mês que passa, aumentando as chances de os tucanos paulistas serem, afinal, os reais candidatos de oposição em 2018. Se conseguir antecipar as eleições, ainda tem chance. Caso contrário, ingressará no ostracismo, visto que perdeu o potencial eleitoral em seu próprio Estado, Minas Gerais.

IHU On-Line - Qual é o peso da delação de Fernando Baiano neste momento?

Rudá Ricci - Imensa. Corrói todo PMDB, diminuindo a margem de manobra de Michel Temer, até então considerado o garantidor da estabilidade política do país, interlocutor das oposições e alto empresariado. Sem ele, tudo fica ainda mais difícil e o governo perde sua legitimidade definitivamente.

 

“As oposições não se distinguem tanto da situação”

IHU On-Line - O senhor apostava que poderia haver uma defesa dos movimentos sociais, a exemplo das pastorais, ao governo Dilma. Depois da carta do MST e do MTST, como deve ser a postura dos movimentos sociais em relação ao governo Dilma?

Rudá Ricci - Movimentos sociais e todo espectro de esquerda parecem indicar uma transição que não me parece que será rápida. O discurso político vem muitos quilômetros à frente que a ação concreta. No caso, há muitos acordos internos, cargos e recursos públicos envolvendo parte significativa desses atores sociais. Contudo, a gota d´água é este novo corte orçamentário anunciado que poderá levar a segurança social de roldão. Tudo o que se alterou na lógica das políticas públicas nos últimos dez anos será jogado ao espaço. A partir daí, estará rompido um código moral tácito com organizações sindicais, pastorais sociais, parte significativa das ONGs e Terceiro Setor que têm sua razão de ser na melhoria das condições sociais do Brasil e queda da desigualdade social em nosso país. A questão é que parte desses atores se tornou governista e abandonou as relações diretas com as populações marginalizadas (social, econômica e politicamente). A “volta às origens” será uma tarefa difícil e trabalhosa.

IHU On-Line - Que movimentos ainda compõem a base político-social do governo Dilma? Como essa base e os movimentos de modo geral se posicionam em relação ao PT e, particularmente, ao governo da presidente?

Rudá Ricci - O afastamento já se anunciava no final do primeiro semestre do ano passado, antes do começo da campanha eleitoral. Todas as organizações articuladas nas duas frentes pela reforma política demonstravam desalento com o possível segundo mandato de Dilma Rousseff. Várias lideranças sociais diagnosticavam que o segundo mandato seria mais conservador que o primeiro. Ouvi isto de muitas lideranças num encontro em Brasília, na sede da CNBB, em que fui convidado a fazer análise de conjuntura. A campanha beligerante do segundo turno reverteu as expectativas, mas Dilma as dinamitou logo no início deste ano. A inabilidade política da presidente é realmente incrível. Raramente tivemos na história um político que acaba de ser consagrado pelas urnas e consegue destruir este capital político em tão pouco tempo.

“Os movimentos sociais dos anos 1980 e 1990 se tornaram leões desdentados”

 

IHU On-Line - Desde a época do governo Lula, avalia-se que os governos petistas instrumentalizaram, aparelharam e cooptaram os movimentos sociais. Quais os reflexos disso no cenário atual e como a crise política atual também atinge novamente os movimentos sociais?

Rudá Ricci - Os movimentos sociais dos anos 1980 e 1990 se tornaram leões desdentados. Rugem, mas não têm a força de antes. Isto porque foram tomados pelo canto da sereia. Como nos governos socialdemocratas europeus, se sentaram nas poltronas do poder, forjaram estruturas neocorporativas, arenas de negociações da agenda estatal, indicaram ministros e secretários estaduais do trabalho, geriram fortunas dos fundos de pensão sem consulta às bases e participaram perigosamente dos conselhos de estatais recebendo jetons individuais. Distanciaram-se das suas bases. Num país com forte desigualdade social, estes movimentos sociais e organizações populares assumem a função de canalização das insatisfações e acabam por forjar pautas de demandas sociais que podem se transformar em agendas governamentais. Na medida em que se afastaram das ruas, a tensão continuou, a frustração com as injustiças sociais e as dificuldades de sobrevivência permaneceram, mas sem canais de expressão como antes.

Em 2013, a frustração veio à tona. Daí em diante, deu lugar ao ressentimento. A direita tentou canalizar para uma forte reprovação ao governo e ao PT e, daí, para o golpe e derrubada do governo. A questão é que as oposições não se distinguem tanto da situação. Em suma: ou os movimentos sociais rompem com o governismo e deixam de ser correias de transmissão ou se deslegitimarão no próximo período. Aliás, algo que já começou a ocorrer com vários sindicatos de funcionalismo público.

IHU On-Line - O governo Dilma poderá se sustentar se perder definitivamente o apoio dos movimentos sociais?

Rudá Ricci - Como um zumbi meio vivo, meio morto. Será presa fácil de todas as chantagens e bravatas diárias. Chegará sem fôlego algum em 2018, possivelmente desfigurado. A tal reforma ministerial parece apontar para o esvaziamento dos ministérios mais focados na questão social e deverá penalizar petistas. Enfim, não saberemos mais quem governa ou quais suas intenções.

IHU On-Line - Há espaço para um novo “acordão” para garantir a continuidade do governo Dilma? O que seria um acordo viável?

Rudá Ricci - A situação do governo é de tal natureza que está sendo disputado como um animal ferido em selva africana. Não tem muitas possibilidades de se impor. Assim, terá que escolher a quem acenderá velas e pedirá ajuda. Se continuar sua guinada à direita, perderá todo apoio – que já é diminuto – das forças políticas que estiveram nas suas duas campanhas eleitorais. E se atirará nos braços de quem não a admira. Se for no caminho contrário, além de mais uma guinada surpreendente em suas escolhas, será alvo de ataques diários da oposição, dos empresários e da direita. Se sangrar, cederá para aquele que desferir o golpe mais forte e se revelar a pior ameaça.

“A quem interessaria derrubar uma presa tão frágil que pode fazer seus desejos inconfessáveis se tornarem realidade sem qualquer ônus para si?”

IHU On-Line - Quais são os cenários possíveis do desenrolar dessa crise? Se Dilma não resistir até o final do mandato, que situações vislumbra em termos de novas articulações políticas e de quem poderá assumir o poder?

Rudá Ricci - Se permanecer no governo – o que me parece o mais provável neste momento – sangrará e perderá toda sua personalidade. Se cair, o novo governo herdará o pacote econômico suicida. Resta saber se, na hipótese de queda do governo Dilma, movimentos sociais e forças de esquerda se aproximarão para reagir. Se isto ocorrer, o país pode ingressar definitivamente num processo de venezuelização, com esgarçamento político e social, com queda brutal de investimento, dado o ambiente de instabilidade e insegurança e crise institucional. Daí não imaginar que alguém sensato, que não seja um arrivista ou aventureiro de plantão, perceba alguma vantagem em derrubar um governo débil, desmoralizado, que cede a todos para sobreviver, sem nenhuma possibilidade de reação. A quem interessaria derrubar uma presa tão frágil que pode fazer seus desejos inconfessáveis se tornarem realidade sem qualquer ônus para si?

Por Patricia Fachin

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Crise política brasileira e os riscos da venezuelização. Entrevista especial com Rudá Ricci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU