Plínio de Arruda Sampaio: “exemplo de ética na política”. Entrevista especial com Dom Angélico Sândalo Bernardino e Ivan Valente

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17 Julho 2014

Amigos de Plínio de Arruda Sampaio lembram sua trajetória na política brasileira.

 Foto: gstatic.com

Plínio de Arruda Sampaio nasceu com a ideia clara de participação popular, de justiça social (...) e termina a vida como um socialista, revolucionário que queria uma mudança radical de superação do capitalismo.” O comentário é do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), atual presidente do PSOL e amigo próximo de Plínio de Arruda Sampaio, que faleceu no dia 8 de julho, em São Paulo. Plínio, além de ser um dos “principais proponentes da reforma agrária no país, (...) transitou, nesses 60 anos, por toda a história brasileira, que passou pelo regime militar, a fundação do PT e depois deu uma grande contribuição ao PSOL”, menciona.

Para lembrar o legado de Plínio na política brasileira, a IHU On-Line convidou Ivan Valente e Dom Angélico Bernardino para concederem a entrevista a seguir, por e-mail, na qual lembram a trajetória política dele. Intelectual e político ligado à Igreja católica e às comunidades eclesiásticas de base, Plínio foi um dos fundadores do PT e, após a eleição do presidente Lula, desligou-se do partido e filiou-se ao PSOL, pelo qual concorreu à Presidência da República em 2010.

Para Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito da diocese de Blumenau, Plínio foi um “político nato”, que iniciou sua militância na Juventude Universitária Católica – JUC, onde se constituiu como “leigo consciente e responsável, na transformação de estruturas opressoras da dignidade da pessoa humana”. Segundo ele, Plínio “compreendeu, como leigo fiel, discípulo de Jesus e militante profético da Igreja, que a opção político-partidária era forma superior de caridade, de solidariedade. Abraçou com lucidez a Doutrina Social da Igreja. Homem da verdade, corajoso, lúcido. Apóstolo da reforma agrária, optou, em sua ação evangelizadora, pelos empobrecidos, fazendo distinção entre estes e os pobres”.

Dom Angélico Sândalo Bernardino é graduado em Filosofia e Teologia pelo Seminário Maior Nossa Senhora da Conceição - RS e também cursou a faculdade de Jornalismo, em São Paulo. Foi nomeado bispo-auxiliar de São Paulo pelo Papa Paulo VI, em 1974, e recebeu a ordenação episcopal no dia litúrgico da Conversão do Apóstolo São Paulo, em 1975, pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. Na Arquidiocese de São Paulo teve atuação marcante em favor da população menos favorecida, sendo bispo responsável pela Pastoral Operária. Foi Vigário Episcopal das Regiões Episcopais em São Miguel Paulista, e das Regiões Episcopais de Belém e Brasilândia. Foi responsável pela Cáritas no regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e diretor do Jornal O São Paulo. Foi nomeado pelo Papa João Paulo II, em 2000, para ser o primeiro bispo da nova Diocese de Blumenau.

Ivan Valente é engenheiro, professor, deputado federal pelo estado de São Paulo e líder do PSOL.

Confira a entrevista.

 
 Foto: Assesoria de Imprensa 

IHU On-Line - Como o senhor conheceu Plínio de Arruda Sampaio e qual era sua relação com ele?

Dom Angélico Sândalo Bernardino - Nosso relacionamento vem de longa data. Ele trabalhou, quando jovem promotor público, em Sertãozinho, na região de Ribeirão Preto, onde eu era jornalista e, depois, padre. Em Sertãozinho, sua atuação foi de discípulo de Jesus com fome e sede de justiça. Certa ocasião enfrentou usineiros não respeitadores dos direitos trabalhistas. Sempre fui grande amigo, irmão, de Plínio.

IHU On-Line - Qual era, como e por que começou a relação de Plínio de Arruda Sampaio com a Igreja no Brasil? A família dele era católica?

Dom Angélico Sândalo Bernardino - A família de Plínio era católica, sobretudo da parte de sua mãe. O pai, mais tarde, se converteu e sempre estiveram ligados à comunidade São Domingos, dos Padres Dominicanos, em São Paulo.

IHU On-Line - Qual a relação de Plínio com os dominicanos e como sua relação com a Igreja moldou sua maneira de fazer política?

Dom Angélico Sândalo Bernardino - Os dominicanos, em São Paulo, sobretudo no tempo da ditadura militar, foram frontalmente contrários às arbitrariedades. Frei Josafá, Frei Beto, Frei Tito, Frei Gorgulho, entre outros, foram seguidores de Jesus, na defesa do direito à cidadania para todos, na defesa da liberdade, dos pobres e por isso sofreram perseguição. Esta postura iluminou, robusteceu, a postura de muitos(as) leigos(as), inclusive de Plínio. Na época, muitos bispos, verdadeiros apóstolos de Jesus, fiéis à Doutrina Social da Igreja, iluminaram também o caminho de muitos leigos em sua opção política, entre os quais Plínio se inclui.

IHU On-Line - Como e em que período se deu a atuação dele na Juventude Universitária Católica - JUC? Quais foram os pontos centrais de sua militância na JUC?

Dom Angélico Sândalo Bernardino - Desde jovem Plínio foi militante da Juventude Universitária Católica, onde forjou suas opções de leigo consciente e responsável, na transformação de estruturas opressoras da dignidade da pessoa humana. Na JUC, agarrou o método ver-ajulgar-agir, e na JUC no estado de São Paulo ocupou cargo de direção.

"Em 1975, ele retorna ao Brasil e, em São Paulo, entra em vivo contato com Dom Paulo Evaristo Arns e seus bispos auxiliares, que desenvolviam ampla, lúcida, profética ação evangelizadora em toda a metrópole"

IHU On-Line - Como o senhor descreve a trajetória política de Plínio de Arruda Sampaio?

Ivan Valente - Uma trajetória de 60 anos de vida pública, um político que honrou seus compromissos com o povo brasileiro. A participação que teve na resistência da ditadura militar, inclusive durante o governo Goulart, e um dos principais proponentes da reforma agrária no nosso país. Ele transitou nesses 60 anos por toda a história brasileira, que passou pelo regime militar, a fundação do PT e depois deu uma grande contribuição ao PSOL.

IHU On-Line - Como se deu a entrada dele na vida pública e política?

Ivan Valente - Plínio era advogado, promotor público, uma pessoa intimamente ligada à Igreja Católica, com as comunidades eclesiásticas de base, e por aí começou a sua participação, inclusive sendo secretário de governo, no estado de São Paulo, no governo Carvalho Pinto. Esses foram seus primeiros passos na política. Posteriormente, foi deputado federal, cassado pela ditadura militar, exilado político. Depois ajudou a fundar o PT, onde teve uma participação bastante ativa, foi deputado constituinte e candidato a governador em 1990 e saiu conosco do PT em 2005 para participar da construção do Partido Socialismo e Liberdade, onde pôde contribuir sendo candidato a governador em 2006 e candidato presidencial pelo PSOL em 2010.

IHU On-Line - De que outras maneiras ele atuava e participava da vida da Igreja?

Dom Angélico Sândalo Bernardino - Depois de seus encargos como promotor público em Sertãozinho, desenvolveu igual trabalho em Pindamonhangaba, ocasião em que foi convocado pelo governador Carvalho Pinto para fazer parte de seu governo. Eleito deputado federal com vasta votação, foi relator do projeto de Reforma Agrária do governo João Goulart. A pífia ditadura militar cassou-lhe os direitos políticos. Foi exilado no Chile e, posteriormente, foi para os Estados Unidos da América do Norte, época em que foi convidado pela FAO para o Projeto de Reforma Agrária na América Latina e Caribe. Em 1975, ele retorna ao Brasil e, em São Paulo, entra em vivo contato com Dom Paulo Evaristo Arns e seus bispos auxiliares, que desenvolviam ampla, lúcida, profética ação evangelizadora em toda a metrópole.

IHU On-Line - Quais são as contribuições dele como um dos lutadores pela Reforma Agrária antes de 1964?

Dom Angélico Sândalo Bernardino - Plínio era político nato. Compreendeu, como leigo fiel, discípulo de Jesus e militante profético da Igreja, que a opção político-partidária era forma superior de caridade, de solidariedade. Abraçou com lucidez a Doutrina Social da Igreja. Homem da verdade, corajoso, lúcido. Apóstolo da reforma agrária, optou, em sua ação evangelizadora, pelos empobrecidos, fazendo distinção entre estes e os pobres.

Empobrecidos o são por causa do sistema capitalista liberal, enquanto os pobres acontecem por circunstâncias adversas, como calamidades, desastres.

"Ele foi um dos fundadores do PT, teve um papel muito importante na formulação do programa partidário e na vida partidária do Partido dos Trabalhadores"

IHU On-Line - Como o senhor descreve Plínio de Arruda Sampaio enquanto político ligado à Igreja?

Dom Angélico Sândalo Bernardino - Sempre estive muito próximo de meu irmão Plínio. Mantivemos conversas, diálogos de horas. Plínio, com sua amada esposa Marieta, formou família maravilhosa com seus seis filhos, noras e netos. Olhos fixos em Jesus, sempre foi um sonhador: “O Reino de Deus, que é PAI, precisa crescer, onde toda humanidade possa usufruir de todos os bens que o Pai a todos destinou”. Plínio sempre esteve preocupado em formar lideranças, em nuclear pessoas. Pouco mais de um mês antes de ser internado no hospital, marcou encontro comigo para me apresentar novo e jovem militante na política.

Quando bispo em Blumenau, visitou-me para troca de ideias sobre várias questões referentes à Igreja e análise da conjuntura sócio-econômico-política. Estive com ele no hospital, oportunidade em que, ao lado de Marieta, dei-lhe o sacramento dos enfermos. Presidi à Santa Missa de corpo presente, onde numerosas pessoas de todas as condições sociais, partidos políticos, igrejas, marcaram presença, na Igreja dos Padres Dominicanos. Na oportunidade, testemunhei que Plínio, discípulo de Jesus, colocou em prática os ensinamentos do Mestre no Sermão das Bem-aventuranças e disse que ele, na maneira inteligente e risonha de criticar maus costumes, tendo partido por ocasião do “vexame” dos 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil, nos consolaria com a possibilidade do terceiro ou quarto lugar no campeonato da FIFA, mas teria nos advertido a respeito do antigo e vergonhoso vexame maior que pesa sobre nosso grande país: falta de reforma agrária, situação lamentável da segurança pública, falta de reforma política, de moradia e de saúde pública decente. Homem de esperança, Plínio, ao nos deixar, partindo para a feliz eternidade, nos alenta: Coragem! Vamos avante, de esperança em esperança; na esperança sempre!

IHU On-Line - Qual foi a participação de Plínio enquanto político em oposição ao Regime Militar? Ele foi um dos cem primeiros políticos cassados. Pode nos relatar um pouco sua trajetória ao longo do período militar?

Ivan Valente - Plínio foi um deputado cassado pelo regime militar e posteriormente se exilou no Chile. Adiante, esteve nos Estados Unidos também. Então é um político que teve de se manter fora do país nesse período todo, mas acompanhando sempre a realidade brasileira e contribuindo para estudar a respeito da reforma agrária no nosso país.

IHU On-Line - Como e por que Plínio se filiou ao PT? Quais foram suas contribuições no partido?

Ivan Valente - Ele foi um dos fundadores do PT junto com as lutas de todo Brasil, porque era uma proposta mais programática, mais radical e de superação da velha política institucional. Plínio abraçou essa ideia da fundação do PT junto conosco. Então ele foi um dos fundadores do PT, teve um papel muito importante na formulação do programa partidário e na vida partidária do Partido dos Trabalhadores.

Por ser o Plínio um quadro político experiente, ele contribuiu muito com o PT no campo democrático, programático e particularmente no campo da reforma agrária, onde é um estudioso reconhecido pela própria organização das Nações Unidas, como um expert nessa questão. Então ele teve uma contribuição bastante extensa.

"Ele contribuiu muito com o PT no campo democrático, programático e particularmente no campo da reforma agrária"

IHU On-Line - Como ele atuou na campanha das Diretas Já?

Ivan Valente - Na campanha das Diretas ele estava na fundação do PT. Todos os militantes, ativistas, participantes da fundação do PT se engajaram completamente nessa campanha das Diretas, que era uma luta democrática de massa contra a ditadura militar. Embora ele não tenha sido eleito em 82, foi o primeiro suplente do PT, com uma ampla participação na direção do partido e certamente contribuiu para colocar o partido na rua.

IHU On-Line - Qual foi a participação de Plínio enquanto deputado constituinte? Que pontos ele defendia diante da formulação da Constituição e quais foram suas propostas?

Ivan Valente - Plínio foi um dos 15 deputados constituintes do PT que mostraram uma grande qualidade, porque o partido formulou uma proposta integral de constituição e que todos os deputados, como Lula, Florestan Fernandes e tantos outros que se elegeram, como Olívio Dutra, defenderam o conjunto das propostas formuladas pelo partido dos trabalhadores, que era uma proposta alternativa, e tiveram um papel central no combate ao chamado centrão conservador da constituinte. Então ele não se destacou só por uma proposta, mas pela defesa de muitas propostas, possivelmente tendo participado da comissão de sistematização da constituinte.

IHU On-Line - O que motivou Plínio a se desligar do PT e passar a atuar no PSOL? Como foi esse processo de desligamento do partido em que tinha militado durante tantos anos? Nesse sentido, quais foram as principais divergências dele com o partido?

Ivan Valente - As principais divergências do Plínio com o PT são as mesmas nossas, que são a não implementação do programa originário democrático e popular formulado pelo PT, tendo um recuo em relação a esse projeto; as negociações para uma eleição a todo custo, negociada com o FMI e com as elites brasileiras para manter o mesmo modelo econômico; e, posteriormente, o PT, ao tentar permanecer no poder a todo custo, a ganhar as eleições a todo custo, acabou por se nivelar aos outros partidos, inclusive no financiamento de campanha, o que culminou com o processo do mensalão.

Então nós saímos juntos do PT para manter a coerência com o projeto originário, participativo e protagonista das massas trabalhadoras brasileiras.

IHU On-Line - Quais eram as teorias políticas que estavam na base da política exercida por Plínio?

Ivan Valente - O Plínio de Arruda Sampaio nasceu com a ideia clara de participação popular, de justiça social, mas ainda como cristão - ele foi uma pessoa muito respeitada na Igreja e frequentador da Igreja progressista da teologia da libertação -, tornou-se marxista mais tarde. Ele mesmo colocou isso, que o marxismo é incorporado às suas ideias no processo. E acho que ele termina a vida dele como um socialista, revolucionário que queria uma mudança radical de superação do capitalismo.

IHU On-Line - Qual é o legado de Plínio para a política brasileira?

Ivan Valente - O legado dele é um legado muito importante para própria juventude brasileira, de exemplo de ética na política, de exemplo de conduta partidária programática de dedicação ativista, militante e de um estudioso que deixou um lastro de participação como uma referência socialista para a sociedade.

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