A desindustrialização precoce: Brasil perdeu o bonde do desenvolvimento? Entrevista especial com André Nassif

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03 Setembro 2012

“Quando a China já não for uma demandante relativamente alta de commodities, se nada for feito para reverter a situação do Brasil, o país irá se deparar com um déficit em conta corrente que não irá ser sustentável no longo prazo e será dependente do financiamento de capital externo”, alerta o economista.

Confira a entrevista.


A mudança macroeconômica que está ocorrendo no governo Dilma poderá “reverter o quadro de desindustrialização de modo geral”, mas possivelmente o “Brasil já tenha perdido o ‘bonde’ no sentido de conseguir dominar setores de alta tecnologia”, lamenta o economista André Nassif, em entrevista concedida à IHU On-Line por telefone. Segundo ele, o grau de internacionalização da economia dificulta o investimento majoritariamente nacional, porque as multinacionais “dominam o setor metal-mecânico, químico, farmacêutico etc.”.

Um dos autores de estudo recente que constatou o processo de desindustrialização brasileiro, Nassif esclarece que a desindustrialização nacional é precoce e decorre da queda de produtividade nacional desde os anos 1990. Nesse período, aponta, “o déficit brasileiro em tecnologia aumentou significativamente em relação à tecnologia americana”. Além da baixa produtividade, a sobreposição das importações em relação às exportações contribui para o processo de desindustrialização.

Apesar de constar as dificuldades da empresa nacional em competir no cenário internacional, Nassif menciona que os investimentos do BNDES em grandes grupos internacionais não acentuam o processo de desindustrialização. E argumenta: “Se o BNDES, aparentemente, aposta em grandes grupos nacionais, é porque ele está exatamente querendo que esses grupos, enquanto empresas, se transformem em empresas globais e, com isso, possam competir em termos internacionais”. Para ele, a falta de controle na atração de investimento estrangeiro é um dos fatores que inviabiliza a industrialização. “Trocando em miúdos, o problema é que, quando se fala em atrair investimentos estrangeiro no Brasil, fala-se como se fosse ‘a casa da mãe Joana’, quer dizer, entram capitais no país e o BNDES financia as empresas, mas pouca coisa se faz em contrapartida para exigir algum tipo de benefício do transbordamento tecnológico em troca”.

André Nassif é professor de economia internacional da Universidade Federal Fluminense.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Quais são as razões de o Brasil ter se distanciado dos demais países desenvolvidos em relação à industrialização e estar se desindustrializando?

André Nassif
– A desindustrialização pode ser vista de dois ângulos: a desindustrialização natural e a desindustrialização precoce. A desindustrialização natural é um processo em que a indústria dos países, à medida que desenvolvem e alcançam estágios de países desenvolvidos, processo identificado pelo indicador da renda per capita elevada – como é o caso de países como EUA, Japão, Alemanha etc. –, perca participação em benefício do setor de serviços. A principal explicação para isso é a de que, quando a renda dos países é muito elevada, a elasticidade de renda para demanda por serviço costuma superar ligeiramente a elasticidade de renda por demanda de serviços industrializados.

Por outro lado, a desindustrialização precoce ocorre, como o termo sugere, antes que esses países alcancem um nível de renda compatível com o nível dos países desenvolvidos. Então, o processo de desenvolvimento econômico dos países é um processo mediante o qual, num primeiro estágio, o recurso produtivo tende a ser realocado do setor primário para o setor secundário, quer dizer, da agricultura para o setor industrial e, com isso, o setor manufatureiro, industrializado, tende a aumentar paulatinamente e ganhar maior peso dentro do PIB. Isso acontece até que esses países alcancem um nível de renda per capita bastante elevado, e aí a indústria perca produção em relação ao PIB, e ganhe maior proeminência no setor de serviços. O que ocorre nos países que têm desindustrialização precoce é que a perda de participação da indústria tende a ocorrer antes de esses países alcançarem um estágio de renda per capita elevado.

Desempenho da indústria

A literatura teórica sobre desindustrialização se proliferou a partir dos anos 1980 e 1990, e sugeriu uma série de indicadores para detectar se o país está ou não em desindustrialização precoce. Dentre eles, o mais obvio é a avaliar a participação de cada setor do PIB. Mas, a partir da nossa pesquisa, constatamos que na década de 1980 a indústria tinha uma participação no PIB um pouco acima de 30%. Ela caiu paulatinamente e em 2010 estava reduzida à 14,6%. Quer dizer, houve uma dramática perda da participação da indústria no PIB, em um país como o Brasil, que ainda não alcançou uma renda per capita elevada, embora a renda tenha se elevado nos últimos anos.

O debate teórico sobre desindustrialização não se dá por satisfeito no detectar se o país está ou não em desindustrialização precoce observando apenas a participação da indústria no PIB. É preciso observar também outros indicadores tais como a participação do emprego em cada setor; a maneira como está se comportando a empresa ao longo de um período relativamente longo; e o tipo de composição das exportações etc.

Ao analisar o desempenho da indústria, consideramos o comportamento da produtividade do trabalho desse setor, comparada ao comportamento da produtividade industrial de um país que consideramos estar na média da fronteira tecnológica. Os economistas, quando fazem esse cálculo, usam como base os EUA, ou seja, consideram a manufatura como um todo. Mas os EUA não estão na fronteira tecnológica em todos os setores da indústria, embora estejam na média. No setor de máquinas e no segmento de metal-mecânico, por exemplo, talvez a Alemanha esteja na fronteira. Analisamos, então, a produtividade do trabalho diante da evolução, quer dizer, não estamos preocupados com o nível da produtividade do trabalho, ou seja, quanto que cada trabalhador adiciona por hora trabalhada hoje, mas sim com o nível da evolução ao longo do tempo, de 1970 a 2008, e subdividimos a indústria de transformação em três grupos. O primeiro grupo seria o mais tradicional, que abarcaria o segmento intensivo no trabalho, ou seja, setores como calçados, têxtil etc.; o segundo grupo é um manufaturado de recursos naturais, basicamente commodities industrializados, como alimentos de bebidas, siderurgia, petróleo etc.; e o restante seria o grupo que chamam de média, alta e altíssima tecnologia, que em nosso estudo chamamos de grupo intensivo em ciência, engenharia e conhecimento. Quer dizer, trata-se da indústria eletrônica, aeronáutica, automobilística, entre outras.

Razões da desindustrialização brasileira

O que aconteceu com a produtividade relativa do Brasil, da manufatura como um todo, em relação aos americanos? Ela se manteve estável nos anos 1970, ou seja, praticamente semelhante à americana. Se essa situação tivesse perdurado dos anos 1970 até agora, talvez o Brasil já tivesse se transformado em um país desenvolvido. Mas a produtividade caiu nos anos 1980, teve ligeira recuperação nos anos 1990 e passou a cair continuamente a partir dos anos 1990. Quer dizer, o déficit brasileiro em tecnologia aumentou significativamente em relação à tecnologia americana.

O segundo indicador para averiguar se havia, ou não, desindustrialização seria ver o que cada grupo importa e exporta. Percebemos que há uma disparidade enorme principalmente no grupo de intensivos em engenharia, ciência e conhecimento. Quer dizer, as importações se sobrepõem intensivamente às exportações nesse grupo. Analisamos ainda a balança comercial setorial dos intensivos em trabalho, em recursos naturais, em engenharia, ciência e conhecimento. Um dos três grupos conserva superávit comercial longo, mas o grupo de intensivo em ciência, engenharia e conhecimento também é tradicionalmente deficitário. Até 2003 e 2004, esse déficit foi moderado, mas a partir de 2005 e 2006 esse déficit aumentou dramaticamente. E esse é um sinal de desindustrialização precoce.

Elasticidade-renda das exportações e importações

Por fim, também estimamos econometricamente a elasticidade-renda das exportações e das importações. A elasticidade-renda depende basicamente das exportações, das importações, do crescimento do PIB mundial etc. E as importações ainda dependem do crescimento do PIB doméstico. Então, a elasticidade-renda seria basicamente o impacto da demanda de cada produto em relação ao crescimento da renda. No caso das exportações, o que se quis saber era, a cada 1% do crescimento do PIB mundial, quanto crescem as exportações brasileiras. Se crescesse mais do que o crescimento do PIB, ela seria elástica; se crescesse menos, seria inelástica.

Analisamos o período de 1980 a 2010 e, para que a mostra fosse representativa, trabalhamos com o PIB trimestral do mundo, para o caso das exportações, e o PIB trimestral do Brasil, para o caso das importações. Separamos o período de 1980 a 2010 em dois subperíodos: de 1980 a 1998, e de 1999 a 2010. A queda estrutural para as importações foi o ano de 1999, e resolvemos averiguar por que, pois nesta época, praticamente, tinham se consolidado todas as principais reformas institucionais no Brasil, como a reforma comercial, a liberalização comercial, a liberalização da conta de capitais, a superação da alta inflação, e já havia também um regime de câmbio flutuante. Feita essa subdivisão, constatamos que a elasticidade-renda das importações dispara no período de 1980 a 1998 para o período 1999 a 2010, aumentando de aproximadamente 1,30 para cerca de 3,0. Esse é um sinal preocupante.

Existe uma literatura que sugere que países em desenvolvimento, para não terem seu crescimento abortado por restrição de balança de pagamentos de longo prazo, precisam que a elasticidade-renda das exportações pelo menos supere a elasticidade-renda das importações. Quer dizer, precisa-se de um equilíbrio. No caso brasileiro, isso parece não estar acontecendo, porque a elasticidade-renda das importações não só cresceu como também é muito maior do que a das exportações.

IHU On-Line – Por que o fato de o Brasil importar mais do que exportar indica restrições externas ao crescimento no longo prazo?

André Nassif
– A balança de pagamentos é dividida em conta corrente e conta de capitais. A conta corrente depende da balança comercial e das rendas. Se a elasticidade-renda das importações for muito maior do que a das exportações, isso significa que o que defende o país no curto e longo prazo é o preço das commodities. Mas daqui a 15 anos, quando a China já não for uma demandante relativamente alta de commodities, se nada for feito para reverter a situação do Brasil, o país irá se deparar com um déficit em conta corrente que não irá ser sustentável no longo prazo e será dependente do financiamento de capital externo. Então, a partir do momento em que ocorrer uma queda no preço das commodities, o Brasil irá se defrontar com restrição de balança de pagamentos para crescer, e o país irá precisar de financiamento externo para isso.

IHU On-Line – A entrada de capitais e o amplo investimento nas exportações de commodities contribuem para acentuar a desindustrialização?

André Nassif
– Também. Mas essa tese de que o Brasil é um país agroexportador é furada. Não dependemos somente de agricultura, porque o país é industrializado, tem uma indústria ampla e diversificada. O problema é que a maior parcela do que o Brasil exporta na indústria são bens de intensivos de recursos naturais, como produtos siderúrgicos, alimentos e bebidas. Esses bens têm menor elasticidade-renda de demanda do que produtos sofisticados.

Alguns podem ponderar dizendo que a balança comercial brasileira “está muito bem, obrigado”. Sim, mas há de considerar que o preço das commodities ainda favorece o Brasil, e talvez continue a favorecer nos próximos dez ou quinze anos, enquanto a China for uma grande demandante de commodities em termos relativos. Mas essa não será uma situação eterna, porque a China está mudando e transitando por um modelo de desenvolvimento que é dinamizado pelo mercado interno a partir da demanda de produtos genuinamente chineses, produzidos pelas estatais chinesas. A maior parte de produtos sofisticados que a China exporta hoje é de multinacionais que estão nas zonas especiais de exportação. Ocorre que uma parcela substancial da população chinesa que morava no campo está migrando para a cidade de médio e grande porte, e a China está desenvolvendo, com alto investimento em pesquisa e educação, os setores mais intensivos em tecnologia do país. Então, imagina esse amplo mercado demandando bens genuinamente chineses. Daqui a dez anos, os chineses passarão – como acontece com todos os países que se desenvolvem – a ser a maior demandante, em termos relativos, de produtos industrializados de maior sofisticação tecnológica. Isso significa que os termos de trocas entre China e Brasil poderão ser favoráveis nos próximos dez ou quinze anos. Mas como estamos falando de desenvolvimento, estamos pensando em termos de tendência de longo prazo. Então, será que o modelo que atualmente está favorecendo o Brasil no curto e médio prazo será capaz de favorecer e ser benéfico aos nossos filhos, netos e bisnetos?

A produtividade da economia depende basicamente de produtividade da manufatura. Mas, uma vez que o país alcança e sustenta o processo de crescimento que já está em estágio intermediário – desde que isso não seja frequentemente abortado por choques, como tem sido o caso do Brasil –, é o crescimento do produto industrial que vai ditar os ganhos de produtividade para a economia como um todo.

IHU On-Line – Que políticas macroeconômicas de curto prazo recolocariam o Brasil na rota dos países industrializados? É possível ter uma política macroeconômica diferenciada como forma de estratégia nacional para competir no mercado internacional?

André Nassif
– A indústria brasileira está sujeita à economia dinâmica de escala, ou seja, tem potencial para reverter esse processo de desindustrialização precoce, desde que haja uma compatibilização entre as políticas diretamente ligadas a transformar o setor industrial: são as ditas políticas industrial e tecnológica, com as demais instâncias da política econômica, em especial com a política macro. Então, o Brasil tem feito esforços notáveis no âmbito da política industrial e tecnológica. Porém, do ponto de vista macroeconômico, tem tido uma tendência, quase que recorrente, à apreciação do real. Entretanto, a literatura teórica e empírica ensina que países em desenvolvimento têm de ter um câmbio levemente depreciado, e não apreciado.

Aparentemente, esta mudança macroeconômica está ocorrendo no governo Dilma. Ou seja, se você observar a gestão macroeconômica especial da política monetária e cambial do Banco Central sobre a presidência de Alexandre Tombini em a relação à gestão de Henrique Meirelles, verá que há uma mudança de quase 360 graus. O Tombini, ao contrário do esperava o mercado quando o governo Dilma começou, olhou a meta de inflação, que era 4,5% e disse que dificilmente seria possível conseguir, em um ano, trazer a inflação para a meta. É como se ele tivesse dado um recado para o Banco Central, dizendo que teriam de trabalhar intrinsecamente.

Política macroeconômica

Ao contrário do que esperava o mercado, mesmo com as expectativas de inflação crescendo, Tombini reduziu a taxa de juros. Ora, naquela ocasião, o mercado criticou e vários economistas mais conservadores disseram que o Banco Central tinha abandonado o regime de metas, tinha dado um “cavalo de pau” na economia etc. Entretanto, paralelamente, o governo já vinha implementando medidas ad hoc para controle de capitais, justamente para tentar conter a avalanche de capitais de natureza especulativa, que estava entrando no Brasil, em especial por conta do grande diferencial dos juros brasileiro em relação aos juros internacionais. Ora, o que o Tombini fez a partir daí foi nada mais, nada menos do que mudar o que John Maynard Keynes [1] chamava de convenção, ou seja, tudo é uma questão de convenção. À medida que Tombini reduziu os juros, alguns acharam que o Brasil perderia a credibilidade do mercado em relação ao Banco Central, mas ocorreu exatamente o contrário. O mercado passou a acreditar no país, e passou a trabalhar com uma nova convenção. A partir daqui, o Brasil vai entrar numa trajetória de juros nominais e reais muito mais baixos do que a inflação brasileira espera. No ano que vem, talvez a inflação ainda esteja um pouco acima da meta, em torno de 5%, mas os juros já estão em 8%.

Ponto fora da curva


O Brasil é um ponto fora da curva. Então, é possível, sim, mudar o regime de política macroeconômica. O seja, é possível mudar o conjunto da combinação das estâncias de política monetária, fiscal, cambial, tributária etc., que passam a dar a tônica do que pode acontecer a partir de agora. O regime de política macroeconômica do Brasil de restauração de câmbio flutuante era um regime de política monetária muito conservador, que mirava quase que exclusivamente a meta de inflação em detrimento de outros objetivos, como o crescimento da economia de emprego, e que acabou relevando uma tendência persistente à apreciação. A prova cabal é que o câmbio brasileiro, que estava muito apreciado com o próprio agravamento da crise em função da deterioração de expectativa, é que levou o câmbio para R$ 2,00. Além disso, há de considerar que o Banco Central tem feito intervenções no mercado de câmbio. Então, toda vez que a taxa tende a apreciar, o Banco Central entra no mercado para “cortar” divisas, e evitar que a taxa caia abaixo de R$ 2,00, quando se sabe que mesmo nesse valor ela ainda está sobrevalorizada em termos reais.

IHU On-Line – O senhor tem uma visão otimista diante dessas mudanças políticas macroeconômicas. Mas será possível reverter o quadro de desindustrialização?

André Nassif
– É uma boa pergunta, porque é possível reverter o quadro de desindustrialização de modo geral, embora acho que o Brasil já tenha perdido o “bonde” no sentido de conseguir dominar setores de alta tecnologia, porque com todo o modelo que foi implantado no Brasil a partir dos anos 1990, teve-se uma ampliação do grau de internacionalização da economia de outros setores. Quer dizer, hoje é possível contar nos dedos os segmentos que ainda não têm uma participação proeminente de empresas multinacionais, até mesmo no setor agrícola. Então, são elas que dominam o setor metal-mecânico, químico, farmacêutico etc. Então, é possível reverter o quadro de desindustrialização, embora seja muito pouco provável que isso seja capitaneado por empresas nacionais.

IHU On-Line – Os economistas se dividem quando o tema são os investimentos do BNDES. Como analisa a notícia de que esse banco investe 60% dos seus recursos para alavancar grandes grupos transnacionais? Esses investimentos contribuem para acentuar a desindustrialização?

André Nassif
– Acentuar não, porque se o BNDES aparentemente aposta em grandes grupos nacionais, é devido a ele estar exatamente querendo que esses grupos, enquanto empresas, se transformem em empresas globais e, com isso, possam competir em termos internacionais. Muito pelo contrário, a ideia seria reforçar o processo de industrialização.

IHU On-Line – Mesmo se tratando de empresas multinacionais que acabam incorporando as empresas nacionais posteriormente?

André Nassif
– Eu tenho uma posição crítica em relação à atração do investimento estrangeiro direto no Brasil. Desde que se retomou a política industrial, a partir do primeiro governo Lula, sugeri que, quando a atração de investimento estrangeiro não fosse favorável, o governo deveria, de forma muito sutil, tentar coordenar esses investimentos para que setores prioritários se desenvolvessem. Ou seja, era preciso transferir tecnologia para empresas locais, criar mecanismos que fizessem com que parte do laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) dos grupos internacionais viesse para o Brasil.

Você poderia argumentar que o P&D fica sempre retido na matriz, mas isso acontecia no passado. No caso da Apple, por exemplo, a parte de engenharia do projeto está na matriz, mas a engenharia de produto está indo para os países emergentes, como a China, a Tailândia, Vietnã. No caso automobilístico brasileiro, alguns modelos de automóveis têm sido lançados no Brasil. Aí você poderia me perguntar: “Mas que benefícios isso gera para o país?” Isso pode ter uma série de benefícios indiretos, porque pode contribuir para o aprimoramento e a qualificação da mão de obra brasileira, que está trabalhando nesses laboratórios. Indiretamente, essa mão de obra poderá migrar mais adiante para outros segmentos de autopeças, por exemplo, que seja genuinamente nacional. Enfim, sempre tem um efeito que chamamos de transbordamento, quando se têm mecanismos que induzam o transbordamento da tecnologia de grupos multinacionais para grupos locais.

Só que pouca coisa tem sido feita por parte do governo brasileiro para maximizar esses danos e ampliar a indústria. Trocando em miúdos, o problema é que, quando se fala em atrair investimentos estrangeiros no Brasil, fala-se como se fosse “a casa da mãe Joana”, quer dizer, entram capitais no país e o BNDES financia as empresas, mas pouca coisa se faz em contrapartida para exigir algum tipo de benefício do transbordamento tecnológico em troca.

IHU On-Line – Hoje, qual o setor mais pertinente da indústria de transformação e que poderá ter competitividade internacional?

André Nassif
– Os setores mais óbvios são aqueles segmentos em que o Brasil já tem vantagem comparativa como, por exemplo, máquinas e equipamentos agrícolas. É possível tentar desenvolver tecnologia ainda mais sofisticada para esse segmento. Outros são os segmentos da indústria, ou seja, produção de máquinas e equipamentos atrelados ao setor de petróleo, já que o Brasil vai desenvolver o petróleo na camada do pré-sal. Tem uma série de nichos de segmento da indústria, produtor de máquinas e equipamentos para a extração de petróleo em alto mar, extração de petróleo em locais distantes, etc., que o Brasil poderia desenvolver e vir a exportar para outros países.

Mas deve-se considerar a ressalva de que dificilmente, se o Brasil ficar restrito apenas a esses segmentos, será capaz de colocar o país na trajetória de industrialização, e sustentar o crescimento da economia no longo prazo. É preciso fazer esforços justamente para reverter a elasticidade-renda de importações, que é muito maior do que a das exportações. Quer dizer, o conteúdo tecnológico que o Brasil importa é muito mais sofisticado do que o conteúdo que exportamos.

Há de se considerar também que ao redor da Embraer existe uma teia de pequenas e médias empresas que produzem alguns equipamentos ou componentes para aviões e que são genuinamente nacionais. Então, talvez seja possível aproveitar as oportunidades para desenvolver empresas não só no setor da aeronáutica ou no setor automotivo, mas também no setor químico, no setor farmacêutico e outros. É complicado, é altamente confuso, é difícil. Mas é possível. Embora no passado essas oportunidades tenham sido muito mais amplas do que no presente, e isso foi assim justamente porque o grau de internacionalização no segmento industrial no passado era bem menor do que no presente.

NOTA


John Maynard Keynes (Cambridge, 1883-1946): economista britânico cujos ideais serviram de influência para a macroeconomia moderna, tanto na teoria como na prática. Ele defendeu uma política econômica de Estado intervencionista através da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos – recessão, depressão e booms. Suas ideias serviram de base para a escola de pensamento conhecida como economia keynesiana.

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