Copa do Mundo: está em curso um processo de “higienização” no Rio. Entrevista especial com Hertz Leal

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02 Mai 2012

O legado da Copa “será a militarização da cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional”, diz o membro do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista.


O dossiê exclusivo feito pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro “ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de desenvolvimento, o projeto de cidade que está presente nesta forma de conduzir as políticas públicas”, declara Hertz Leal à IHU On-Line. Segundo ele, a distribuição dos investimentos da Copa do Mundo “segue a lógica da especulação imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o prefeito foi subprefeito”.

Leal reitera que os preparativos para a Copa do Mundo e as Olímpiadas desrespeitam os direitos humanos e a legislação prevista na Constituição, na Lei Orgânica e no Estatuto das Cidades. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, ele relata as irregularidades que estão ocorrendo no Rio de Janeiro por conta das desapropriações de terras, transferências de terras públicas para setores privados, e as arbitrariedades cometidas pelo poder público. De acordo com ele, as pessoas que tiveram suas terras desapropriadas foram deslocadas para conjuntos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida que distam de 30 km e 60 km do local onde moravam. “O correto seria construir os conjuntos habitacionais antes das remoções e no local onde ocorrem as intervenções urbanas, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas mesmas escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a convivência com a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos, providenciam a solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos e aos doentes”.

Leal enfatiza que, apesar da existência de terras públicas em abundância no estado do Rio de Janeiro, o governo não constrói moradias sociais e oferece “aluguel social ou Minha Casa Minha Vida na zona oeste”, a qual, segundo afirma, “é dominada por milícias”. “Tivemos notícias de conjuntos habitacionais invadidos por estes grupos, além de notícias de que em muitos destes conjuntos são as milícias que organizam os condomínios. Nas eleições, estas milícias ajudam eleger os vereadores que corroboram esta política de higienização da cidade para os negócios olímpicos e os negócios da Copa da Fifa”.

O processo de higienização da cidade, conforme ele relata, ocorre também na região sul, no centro e no entorno do Maracanã. Por causa do “maior rigor nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e aumento dos aluguéis”, torna-se “insustentável a moradia para os trabalhadores que ganham até três salários mínimos”.

Hertz Leal estudou no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, mas não concluiu o curso e foi ser quiosqueiro na praia de Ipanema. Segundo ele, a prefeitura retirou sua permissão para dar a concessão a uma empresa que detém todos os quiosques da orla marítima do Leme ao Pontal. “Fui expulso por não aceitar os contratos abusivos da concessionária Orla Rio, então retornei à atividade política com a cooperativa Orla Legal e participo do Movimento Unido dos Camelôs – MUCA e do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas desde o início em meados de 2010”. Atualmente Leal trabalha como funcionário público federal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as novidades apresentadas no dossiê organizado pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro?

Hertz Leal –
A novidade é o aprofundamento das análises, pois o nosso Comitê vem da experiência do Comitê Social do Pan. Eu participava do Conselho Popular, uma entidade que se reúne na Pastoral de Favelas e conta também com a Rede de Comunidades Contra a Violência, e principalmente com as pessoas que estão sendo atingidas pelas remoções no Rio de Janeiro. No início de 2010, as remoções ocorriam em razão das chuvas do dia 6 de abril, quando várias pessoas ficaram desabrigadas. Mas, já no final de 2010, começaram a ocorrer as remoções por causa da construção da via Transoeste. A prefeitura começou a derrubar as casas das pessoas à noite, com tudo dentro: chegava a equipe do Choque de Ordem e mandava as pessoas saírem, não reconheciam direito algum, diziam que era área pública, que as residências eram ilegais e derrubavam tudo. Quando havia resistência, a Guarda Municipal arrancava as pessoas de suas casas, das suas lojas. Da Barra da Tijuca para o Recreio, eles aterrorizaram.

Existia uma Defensoria atuante, o Núcleo de Terras e Habitação – NUTH. Foram feitas várias denúncias. Foi encaminhada uma medida cautelar para a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA. O Comitê Popular da Copa ajudou a organizar a Missão da Plataforma Dhesca em maio de 2011, quando fomos visitar estas comunidades que estavam sendo arrancadas para construção da Transoeste e Transcarioca, além das remoções no Porto Maravilha (centro) e no Tabajaras (zona sul). O Dossiê parte desse relatório, mas temos diversas contribuições tais como a análise das leis de exceção, a modificação do Maracanã, a falta de transparência na apresentação dos dados, projetos e estudos de impactos ambientais e de vizinhança. O dossiê ultrapassa a denúncia e demonstra o projeto de desenvolvimento, o projeto de cidade, que está presente nesta forma de conduzir as políticas públicas.

IHU On-Line – Em que sentido os preparativos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas estão violando os direitos humanos? Pode nos relatar alguns casos?

Hertz Leal –
Os preparativos para Copa do Mundo e Olimpíadas estão violando os direitos humanos na medida em que não respeitam o direito à moradia, o direito à cidade, pois temos uma legislação muito bem definida desde a Constituição, a Lei Orgânica, o Estatuto das Cidades, tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ou seja, temos leis que determinam, em caso de desapropriação por interesse público, uma indenização justa e prévia. Mas deve-se considerar a moradia como um direito independente de propriedade; deve-se buscar o entendimento e o reassentamento no mesmo local. Depois desses escândalos e sucessivas denúncias, eles continuam oferecendo aluguel social num valor que não dá condições para alugar uma casa na mesma região. A maioria das casas oferecidas dos conjuntos Minha Casa Minha Vida distam de 30 a 60 km do local original, quando o correto seria construir os conjuntos habitacionais antes das remoções e no local onde ocorrem as intervenções urbanas, “chaves por chaves”, para garantir a continuidade dos estudos das crianças nas mesmas escolas, o tratamento dos idosos nos mesmos postos de saúde, a convivência com a rede de parentesco e de amigos que, em muitos casos, providenciam a solidariedade e os cuidados necessários às crianças, aos idosos e aos doentes. Esses casos de desapropriação são parte das violações. Devemos ressaltar ainda as perseguições aos camelôs, a precarização do trabalho nas construções dos estádios e outras infraestruturas, o recolhimento compulsório das pessoas em situação de rua para abrigos distantes e sem uma adequada estrutura de atendimento.

Estamos preocupados com as leis de exceção que estão sendo criadas no intuito de conceder direitos de propriedade a marcas e símbolos que são utilizados naturalmente pelos comerciantes informais, ou seja, por aqueles que confeccionam lembranças da cidade e dos jogos e que não poderão ser utilizados. Pelo contrário, serão criminalizados caso alguém queira vender alguma lembrança da Copa do Mundo ou Olimpíadas. Também haverá limitação na liberdade de manifestação e comunicação.

IHU On-Line – O dossiê denuncia a transferência de terras públicas para o setor privado através de parcerias público-privadas. Como isso está acontecendo?

Hertz Leal –
Quanto à transferência de terras públicas, que deveriam ser preferencialmente utilizadas para construção de moradias de interesse social, o caso mais emblemático é o do Porto Maravilha, uma região com terrenos e prédios da administração portuária e da RFFSA. Mais de 70% da região é constituída de terras públicas que estão sendo repassadas para um consórcio de empreiteiras. Foi criado o Certificado de Potencial de Construção – CEPACS, que permite construir acima do gabarito, e a Caixa Econômica terminou comprando estes certificados com os recursos do FGTS. Trata-se de um valor mobiliário que poderá ser vendido no futuro para que o construtor possa obter licença para construir acima do gabarito. Mas a prefeitura não demarcou áreas de interesse social, nem exigiu a construção de moradias de interesse social. Pelo contrário, ainda está aterrorizando moradores do Morro da Providência para construir teleférico e plano inclinado. Para isso terá de destruir mais de 800 moradias. Apesar de terras públicas em abundância, não constroem as moradias, oferecem aluguel social ou Minha Casa Minha vida na zona oeste. A região da zona oeste é dominada por milícias e tivemos notícias de conjuntos habitacionais invadidos por estes grupos, além de notícias de que em muitos destes conjuntos são as milícias que organizam os condomínios. Nas eleições, estas milícias ajudam eleger os vereadores que corroboram esta política de higienização da cidade para os negócios olímpicos e os negócios da Copa da Fifa.

IHU On-Line – O dossiê também menciona que os recursos da Copa do Mundo estão sendo distribuídos desigualmente entre os 20 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro. Como acontece a distribuição dos recursos? Existe algum critério? Em que regiões do Rio de Janeiro se concentram os maiores investimentos da Copa do Mundo?

Hertz Leal –
A distribuição dos investimentos segue a lógica da especulação imobiliária, ou seja, concentra-se na Barra da Tijuca, onde o prefeito foi subprefeito, e, como se trata da região do litoral, tem a preferência da classe média, onde são construídos os condomínios de luxo. O mapa da Unidade de Polícia Pacificadora – UPPs também contempla as regiões de investimentos para os megaeventos: a região sul, o centro e a região do Maracanã, embora os investimentos sociais (UPP social) ainda continuem nas promessas. Observamos principalmente a expulsão branca por conta do maior rigor nas cobranças dos serviços de energia elétrica, TV a cabo, água e aumento dos aluguéis. Quer dizer, tornaram insustentável a moradia para os trabalhadores que ganham até três salários mínimos. Também continuam as políticas de expulsão ora alegando risco ou limites de preservação ambiental. Eles também perseguem os depósitos dos ambulantes e os pequenos comércios.

IHU On-Line – Quais as implicações de megaeventos como a Copa do Mundo e das Olimpíadas? Eles trazem mais benefícios ou prejuízos para a cidade?

Hertz Leal –
A Copa do Mundo e Olimpíadas são eventos que estão possuídos de uma lógica capitalista em que o objetivo maior é fazer lucros com publicidade na transmissão para a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional – COI, que se associam com interesses da especulação imobiliária, capitais financeiros, com as corporações midiáticas e políticos que compartilham desses lucros para aumentarem os ganhos, pois realmente não percebemos melhoria nas atividades esportivas nas escolas nem melhoria na educação, tampouco na saúde. Percebemos que o legado será a militarização da cidade para proteger os lucros, com leis de exceção para dar segurança à Fifa e ao COI. Querem até que a União se responsabilize por eventuais prejuízos. Depois sobrarão dívidas para os cidadãos pagarem e provavelmente vão receitar austeridade e mais supressão de direitos para continuar garantindo as vantagens para os banqueiros, corporações e especuladores.

Vamos levar nossa experiência para a Cúpula dos Povos e discutir os caminhos do desenvolvimento que estão propostos nestes megaeventos, nesses megaprojetos e vamos buscar soluções e propostas para uma sociedade mais justa e com participação de todos.

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