“O Estado tem que ser eficiente, só que isso é insuficiente num regime democrático”. Entrevista especial com Cândido Grzybowski

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14 Fevereiro 2012

Ao analisar a concessão do governo de três aeroportos brasileiros para a iniciativa privada, o sociólogo aponta que o papel do Estado pode, talvez, ser exercido de melhor forma fazendo a regulação de bens comuns.

Confira a entrevista.

“A mudança no PT está em perceber que o Estado não tem possibilidades ilimitadas e sua função é equalizar”. A reflexão é do sociólogo Cândido Grzybowski, em entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line. Ele opina sobre a realização do leilão de concessão dos aeroportos de Campinas, Guarulhos e Brasília e afirma: “tudo o que mexe com o bem coletivo, comum, não pode ser privatizado. Nossa Constituição é muito clara. E essa é uma bandeira de qualquer sociedade. Só que a gestão privada nem sempre dá certo. Porque ela não é regida pelo interesse público, mas pelo interesse da acumulação privada. Se a margem de lucro é grande, é claro que irão fazer o serviço bem feito, o que não é, necessariamente, uma garantia. O Estado tem que ficar ‘em cima’ para que funcione bem. Manteve-se a Infraero com 49% no caso dos aeroportos exatamente para ser um contrapeso nessa concessão. O Estado estará presente, não cedeu totalmente, ou seja, eles não podem fazer tudo o que querem. Essa parceria até deu a maioria para os grupos privados, mas não o poder absoluto”. Grzybowski aborda também o tema da estão técnica e da eficiência do Estado, que tem sido marcas fortes do governo Dilma: “o risco da eficiência é tirar do centro a discussão. O que qualifica uma democracia é a participação. Não significa que a melhor solução técnica venha com a participação, mas com certeza será a solução mais legítima. Essa é a diferença”.

Cândido Grzybowski (foto), sociólogo, é diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase. É membro do comitê de organização e da secretaria internacional do Fórum Social Mundial. É formado em Sociologia pela Fundação Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, doutor pela Universidade de Paris I (Pantheon-Sorbonne), e pós-doutor pela University College London, do Reino Unido.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - A privatização retornou à agenda do país? Qual é o significado político da privatização dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília? É uma decisão pontual ou pode se interpretada como uma mudança na estratégia do governo Dilma?

Cândido Grzybowski – Podemos perceber, sim, uma pequena mudança na estratégia de projeto que o Partido dos Trabalhadores - PT tinha, no sentido de ter uma presença maior do Estado. Só que o modelo de privatização adotado não é um modelo de concessão quase gratuita, como foi feito anteriormente. Na verdade, o governo arrecadou muito dinheiro com isso, que pode ser aplicado em outros aeroportos que não têm um sentido comercial e que ninguém quer explorar. Tem essa vantagem. As pessoas têm chamado isso de privatização, mas na verdade é uma concessão para a exploração durante um período; não é entrega de patrimônio, como foi no caso da siderurgia ou da Vale do Rio Doce, onde simplesmente se torrou, tinha-se em caixa só o dinheiro suficiente, e as empresas não entraram com quase nada. Essa é a diferença que vejo. Mas a mudança no PT está em perceber que o Estado não tem possibilidades ilimitadas e sua função é equalizar. Se esse modelo ajudar – porque não sabemos se vai funcionar - e se com aeroportos rentáveis for possível financiar aeroportos não rentáveis, mas fundamentais para fazer o serviço à população, então é um bom modelo. Mas se for simplesmente para fazer caixa e daí torrar em qualquer outra coisa, daí não é um bom modelo.

IHU On-Line - O PT terá inclusive uma cartilha sobre privatização direcionada a seus militantes, argumentando que é a favor de concessões. Qual a diferença entre privatização e concessão, no caso dos aeroportos?

Cândido Grzybowski – A Constituição determina que tudo o que envolve infraestrutura tem que ser tratado como bem comum. E pode ter o Estado como gestor de portos, aeroportos, estradas, porque são espaços comuns, da coletividade. Não tem como privatizar isso, não dá para conceder propriedade disso. A concessão é para explorar esses espaços, sempre com contrapartida. Por exemplo, a água é outro caso de bem público, que pode ser gerido de forma estatal ou de forma privada. O problema é que a iniciativa privada se interessa só onde dá lucro. E sobra para o Estado onde não dá lucro, não permitindo fazer a tarifa social. É essa a diferença entre ser controlado direto pelo Estado e não ser. Quando se faz a concessão, se admite a possibilidade de ganhar lucro sobre um bem comum. No caso dos aeroportos, a contrapartida exige investimentos pesados, que não sabemos se a iniciativa privada vai dar conta de fazer. Tudo o que mexe com o bem coletivo, comum, não pode ser privatizado. Nossa Constituição é muito clara. E essa é uma bandeira de qualquer sociedade. Só que a gestão privada nem sempre dá certo. Porque ela não é regida pelo interesse público, mas pelo interesse da acumulação privada. Se a margem de lucro é grande, é claro que irão fazer o serviço bem feito, o que não é, necessariamente, uma garantia. O Estado tem que ficar “em cima” para que funcione bem. Manteve-se a Infraero com 49% no caso dos aeroportos exatamente para ser um contrapeso nessa concessão. O Estado estará presente, não cedeu totalmente, ou seja, eles não podem fazer tudo o que querem. Essa parceria até deu a maioria para os grupos privados, mas não o poder absoluto.

IHU On-Line – Mas não seria uma contradição do governo do PT tomar essa medida, tendo em vista todo o histórico de militância do Partido em relação às privatizações?

Cândido Grzybowski – Contradição é, principalmente em relação ao que eles diziam. Eles foram contra concessões de estradas, por exemplo, e já fizeram essas concessões também. No entanto, o modelo que estão adotando é mais interessante do que o do governo anterior. Na questão das estradas que foram concedidas para grupos privados, a tarifa é um terço ou um quarto daquelas que os tucanos fizeram. Essa é a diferença. A remuneração do setor é um pouco mais regulada, no sentido de obter um possível lucro. A concessão absoluta, assim como se fez em algumas áreas, é uma loucura. Privatização mesmo é patrimônio passado adiante. Um exemplo de privatização é o das siderúrgicas, inclusive foi usada moeda podre na época, aqueles papéis de governo que não valiam nada. Teve gente que não tinha dinheiro e ficou rico, como o Eike Batista, por exemplo, que tinha informação privilegiada e participou das privatizações. Nesse tipo de situação eles estão sendo mais zelosos hoje. Mas que há uma contradição entre o que pregavam quando eram oposição, com o que fazem agora, isso há.

IHU On-Line - A junção do leilão da privatização dos aeroportos coincide com o discurso de Dilma pela eficiência do Estado. A “gestão técnica” pode estar se sobrepondo ao projeto político?

Cândido Grzybowski – O projeto político também pode ser tecnocrático. A meta de ser eficiente pode afetar a participação e não invade os setores da política. É como achar que o Estado sabe o que fazer e não precisa consultar, negociar ou envolver os usuários. Por exemplo, nós somos usuários dos aeroportos e ninguém falou sobre isso. O tema não foi para o Congresso. Foi uma decisão técnica, dentro do governo, e se fez a privatização. Nem os sindicatos foram ouvidos. O risco da eficiência é tirar do centro a discussão. O que qualifica uma democracia é a participação. Não significa que a melhor solução técnica venha com a participação, mas com certeza será a solução mais legítima. Essa é a diferença.

IHU On-Line - O discurso da “gestão técnica”, “Estado eficiente”, “choque de gestão” não é um discurso caro à direita e ao liberalismo?

Cândido Grzybowski – Isso acontece na direita e na esquerda. A direita usa para ser autoritária e a esquerda para dizer que estão enfrentando problemas que a direita nunca enfrentou, como a justiça social, por exemplo. O regime chinês justifica o capitalismo de estado em nome da eficiência. No entanto, o tema da eficiência tem o seguinte problema: o Estado tem que ser eficiente, só que isso é insuficiente num regime democrático. Ele tem que conseguir o máximo de eficiência, respeitando a democracia, que é luta social, é correlação de forças, é disputa, chegando a um acordo possível, e não necessariamente a um acordo que alguém autoritariamente poderia dizer que seria melhor assim. Mas o melhor é o possível nas relações. Constrói-se uma sociedade mais justa desta forma.

IHU On-Line - A privatização dos aeroportos com a forte entrada dos fundos de pensão e recursos do BNDES repete o modelo do período FHC ou há alguma novidade?

Cândido Grzybowski – Nisso não mudaram nada. A diferença que existe é que não se trata de diminuir o Estado. O discurso que havia antes era do “Estado inchado”, de que era preciso diminuir o Estado. Isso passou e não quer dizer que melhorou muito. O que preocupa aqui é a forma e todo o cuidado de regulação do Estado nessa concessão dos aeroportos. Essa é uma grande diferença: a preocupação em que o atendimento ao público seja o mais eficiente. Até podemos questionar se realmente vai ser. A preocupação não é pulverizar o Estado. O que está se defendendo é que o papel do Estado pode, talvez, ser exercido de melhor forma fazendo a regulação.

IHU On-Line - O movimento sindical acusa o governo de ter entregue o “filé mignon” dos aeroportos para a iniciativa privada. A Infraero é mesmo incapaz de gerir os aeroportos brasileiros?

Cândido Grzybowski – De fato, o governo entregou o filé mignon. Mas a Infraero, por definição, tem que dar conta do osso mais duro ao filé mignon. E pode fazer isso com orçamento público, porque não é gerida pela ideia do lucro. Ela pode estar não fazendo o que é necessário em certos aeroportos, onde há demanda maior, porque precisa zelar para que também o aeroporto lá no interior do Piauí ou lá em Passo Fundo funcione também. O que o modelo prevê é fazer o aeroporto funcionar melhor e, de repente, até gerar lucros, bem como gerar receita para a Infraero fazer melhor aquilo que é missão dela. Ela é Estado, não é empresa privada. E, como Estado, deve zelar pelo bem público de todos.

IHU On-Line - O senhor participou do Fórum Social Temático em Porto Alegre. Qual é o balanço que faz do evento?

Cândido Grzybowski – Quando pensamos em fazer um fórum temático, a ideia era aprofundar questões em vista da Conferência Rio+20. Do jeito que ficou, acabou parecido a outros, não ficou tão temático assim. Fizeram-se atividades como em qualquer fórum, mas como se fosse um fórum local. Eu poderia citar vários problemas. Um deles é que era para ser um evento temático e foi uma contradição, pois teve muito pouca gente. Mas foi oportuno, vai impactar na Rio+20, porque despertou interesses em redes mundiais. No entanto, podia ter sido melhor. Eu defendia que todas as atividades auto-organizadas girassem em torno dos mesmos temas, no sentido de aprofundá-los. Na verdade, não foi isso o que ocorreu. O segundo problema é que já aprendemos que se não há um território único do Fórum, a sensação é de que não tem Fórum. Esse ano foram organizadas atividades em quatro cidades, Porto Alegre mais três (São Leopoldo, Canoas e Novo Hamburgo). E dentro de Porto Alegre as atividades foram espalhadas. A sensação era de estar em eventos interessantes, mas sem nos encontrar, como o Fórum tem apontado. Essa questão do território é logística e política. Se é para repetir a experiência de fazer um fórum temático a cada dois anos, pode-se fazer um dia ou dois antes na região, mas depois nos encontramos todos em Porto Alegre, num lugar só, para dar essa liga de se encontrar, de ser de fato uma usina de ideias, utilizando a imagem da Usina do Gasômetro, que já está incorporada ao Fórum.

IHU On-Line - Como estão os preparativos para a Cúpula paralela da Rio+20? Quais são os temas que o movimento social abordará frente à agenda dos países?

Cândido Grzybowski – Uma das intenções do Fórum temático era fazer emergir mais claros esses temas. Até agora temos uma clara posição ante essa nova frente de expansão do grande capital, em particular do capital financeiro. No campo da crítica, o nome “economia verde” quer se apropriar do que sobra de biodiversidade, de natureza. Já no campo de alternativas, há várias ideias, mas se avançou pouco. Haverá muitas atividades interessantes, mas não bem articuladas. O que está seguro que vai acontecer é a demonstração de boas práticas. As alternativas já existem, em construção, como resistência. Por exemplo, a rede slow food, que é baseada na agroecologia, é uma grande rede no Brasil, mas é subordinada e não consegue se impor como política pública. O agronegócio é quem domina. O slow food valoriza a produção local de alimentos, a cozinha local, de qualidade, o orgânico, o justo. E mostrar que isso existe mundo afora é interessante. Também podemos mostrar o bom governo, pois falamos de governança, evidenciando a experiência de governo participativo. Além disso, se pode ir demonstrando a economia solidária. O problema é que não se cria uma agenda pública. Ainda não temos uma ideia dos temas que vão emergir como foco do debate. Vamos tentar voltar a colocar os transgênicos na berlinda, bem como o agronegócio baseado nos pesticidas, que está matando o planeta. Pensa-se só no que comemos. Mas há também o impacto na acidificação dos oceanos e, portanto, na desregulação do equilíbrio planetário em toda a cadeia alimentar.

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