Andrea Riccardi é o fundador (em 1968) da Comunidade de Santo Egídio, indicado várias vezes para o Prêmio Nobel da Paz pelo seu empenho ao serviço do diálogo entre os povos.
A entrevista é de Fabrizio Coccia, publica por Corriere della Sera, 11-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Professor, as palavras do Papa sobre a “coragem da bandeira branca” referindo-se a Kiev causaram celeuma...
Sim, também os católicos ucranianos reagiram negativamente, mas o Papa não falou em rendição, falou da coragem de negociar, o que é uma coisa muito diferente. E são palavras que Francisco repete há tempo: sobre a futilidade dessa guerra e sobre o fato de o preço desse conflito, em termos de mortes, refugiados, destruição, ser todo pago pela Ucrânia. Portanto, é preciso negociar. Porque estamos agora numa encruzilhada: a derrota da Ucrânia ou o seu progressivo sangramento numa guerra ainda maior. E tendo falado sobre isso com vários interlocutores, posso dizer que infelizmente essa possibilidade está agora na agenda.
Portanto, a posição de Francisco não é pró-Rússia.
De jeito nenhum, a sensibilidade do Papa pela Ucrânia é grande, falou muitas vezes de povo martirizado. Houve uma simplificação polêmica em torno de seu discurso, também alimentada pelo furor do confronto, mas identificá-lo como discurso putinista definitivamente não.
Você conhece bem o Papa.
O Papa Francisco não é um político e não se expressa com uma linguagem política, mas nos lembra uma coisa importante: que hoje a paz desapareceu completamente do horizonte. A primazia da paz. É difícil dizer qual é o caminho para chegar lá, mas certamente até se sentar em volta de uma mesa nem se pode imaginar. Portanto, na verdade, o Papa eleva o nível.
O que quer dizer?
O seu grande objetivo é trazer finalmente a paz ao povo ucraniano e, aliás, é preciso dizer que com o seu discurso da bandeira branca quebrou um pouco a linguagem desgastada e conformista dos últimos tempos em relação à guerra russo-ucraniana. Porque a triste verdade é precisamente esta: depois de dois anos, extinguiu-se a imaginação pela paz e também o motor para novos passos. O que o Papa quer? Certamente não abandonar os ucranianos à sua sorte, mas ajudá-los a resistir e escapar das garras dessa guerra.
Santo Egídio na Ucrânia está fazendo muito.
Na Ucrânia temos quatro centros para refugiados e em 2 anos recolhemos e distribuímos ajudas no valor de 30 milhões de euros. Mas também acolhemos refugiados na Itália, agora estamos nos dedicando muito aos pacientes em diálise. Porém, tenho uma grande preocupação...
Qual, professor?
Gostaria muito que o cenário afegão não se repetisse na Ucrânia: vamos aguentar, vamos aguentar e depois adeus. O Afeganistão é uma tragédia do Ocidente.
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“Do Papa o convite a dar passos pela paz. Ele se preocupa com os ucranianos”. Entrevista com Andrea Riccardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU