A Igreja e a religião ainda fazem sentido na sociedade de hoje? Artigo de Hartmut Rosa

Foto: Vytautas Markūnas | Cathopic

23 Outubro 2023

Quatro conferências importantes marcaram a assembleia da KEK (Conferência das Igrejas Europeias), em Tallinn, na Estônia, de 15 a 20 de junho passado. Uma teve um caráter mais político (Svitliana Tikhanovskaya), outra, sociológico (do sociólogo alemão Hartmut Rosa), e as duas falas do arcebispo anglicano Rowan Williams e do patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I

O sítio Settimana News, 30-06-2023, publicou a conferência do Prof. Hartmut Rosa, proferida em 16-06-2023 no KultuuriKatel, de Tallinn. Rosa é professor de sociologia teórica e geral na Universidade de Jena e diretor do Max-Weber-Kolleg da Universidade de Erfurt, na Alemanha.

A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Senhoras e senhores,

Em primeiro lugar, gostaria de lhes agradecer muito o convite para vir aqui a Tallinn e à Conferência das Igrejas Europeias. Entrar em diálogo com pessoas das mais diversas cores é algo que me é muito caro, pois a minha experiência mostra que esse diálogo pode ser muito fecundo e – além disso – é absolutamente necessário. É necessário não só para a Europa e para o mundo em que vivemos juntos, mas também para o desenvolvimento das minhas próprias teorias, que vive do diálogo, e tenho notado muitas vezes que, em diferentes contextos eclesiais, muito do que descubro minuciosamente como sociólogo já foi pensado e vivido. Por isso, estou ainda mais satisfeito por ter a oportunidade de discutir e de dialogar com vocês.

Permitam-me que diga desde já que sou um fervoroso pró-europeu, isto é, estou convencido de que o caminho para o futuro para nós passa diretamente por uma Europa comum e forte, simplesmente e acima de tudo porque uma recaída nos egoísmos dos Estados-nação, como vimos e estamos vendo, em primeiro lugar, conduzem apenas a disputas, conflitos, dificuldades e até mesmo à guerra, e porque, em segundo lugar, os Estados-nação europeus, incluindo a França, a Inglaterra e a Alemanha, estão sendo deixados à sua própria sorte e são pequenos, fracos e insignificantes demais no mundo global para terem qualquer influência positiva. 

Mas, juntos, a Europa (ainda) é suficientemente grande e forte para exercer uma influência positiva no mundo global, e esse deve ser o nosso objetivo. Mas isso significa de forma bastante clara e resoluta que eu não vejo a Europa como um instrumento para combater os outros: como uma arma contra a China, o Oriente Médio, a Rússia ou os Estados Unidos. Os grandes problemas da humanidade – as epidemias, as mudanças climáticas, a extinção de espécies, as enormes desigualdades sociais, assim como a crescente solidão social e a perda de sentido e, sobretudo, o perigo representado pelas armas nucleares e outras armas de destruição em massa – não podem ser resolvidos apenas por algum “bloco” no mundo. Pereceremos e morreremos se, em longo prazo, dividirmos o mundo em blocos e depois vivermos em competição, confronto e inimizade recíprocos

Devemos parar de pensar constantemente no “nosso mundo” (a Europa) em oposição ao outro mundo ou aos outros mundos. Devemos antes usar a Europa para tornar o mundo como um todo – tudo debaixo dos céus, como diz Zhao Tingyang – um lugar melhor. 

Aliás, isso também significa que, mesmo que muitos aqui não gostem de ouvir isto, uma arquitetura de segurança europeia sustentável deve incluir a Rússia em longo prazo, porque, caso contrário, institucionalizaremos o conflito, a inimizade e as ameaças – e, em última análise, a guerra. Além disso, isso significa que, em longo prazo, a arquitetura de segurança europeia só pode fazer parte de uma ordem de segurança global, para a qual devemos trabalhar – em um diálogo aberto com os não europeus, ou seja, os chineses, os indianos, os povos do Oriente Médio, da África e da América Latina

Eles são muitos, muito mais do que nós, e já sofreram durante um longo tempo com a arrogância europeia e com a presunção dos europeus que acham que sabem mais – na verdade, que acham que são melhores que os outros e, portanto, devem impor os nossos valores e a nossa ordem. 

Não sonho com uma Europa imperial e sabe-tudo, mas sim com uma Europa aberta, dialógica e ressonante, que, pela sua própria natureza, não vise a governar, controlar e impor, mas sim a “ouvir e responder”. Ouvir e responder com boa vontade, resultando na transformação do “eu” várias vezes, na transformação do “eu” sem definir desde o início o objetivo dessa transformação: esse é o cerne da ressonância, o cerne de uma relação ressonante com o mundo que está no cerne da minha própria sociologia e filosofia. Assim, sonho com uma Europa ressonante, com a Europa como um espaço ressonante. 

Naquilo que se segue, gostaria de lhes explicar o que isso significa, centrando-me na questão de como essa Europa está constituída hoje estrutural e institucionalmente e que papel a religião e as Igrejas podem, ou mesmo devem, desempenhar na transformação para uma Europa ressonante e democrática. A minha tese é que a religião absolutamente não deve ser um obstáculo à democracia ressonante, mas, se for compreendida e vivida corretamente, pode realmente ser um recurso importante, e até mesmo crucial, para a formação e o treinamento de práticas e atitudes ressonantes.

Ressonâncias e paralisação vertiginosa

As ressonâncias estão cheias de pré-condições – não apenas em relação à música, mas também na sociedade. E são especialmente assim em uma sociedade que eu tento descrever com o conceito de “paralisação vertiginosa” [breakneck standstill]. De acordo com o meu diagnóstico, a Europa em 2023 está essencialmente em uma paralisação vertiginosa. 

Essa expressão engloba duas coisas: por um lado, que a sociedade moderna de tipo ocidental e capitalista está em uma corrida – por razões estruturais, deve realmente correr, mas por outro lado permanece parada ou congelada. Ela – e isso significa a Europa – perdeu seu senso de movimento. Isso é uma miscelânea, que, de certa forma, é uma visão central do que estou tentando explorar como sociólogo.

Quando uma sociedade é forçada a crescer, a acelerar, a avançar permanentemente, mas perde o sentido de seguir em frente, então está em uma crise. E a questão interessante que surge é: será que tal sociedade realmente precisa de uma instituição como a Igreja? 

Gostaria de refletir com vocês sobre isso, pois é uma questão que surge tanto no contexto eclesial quanto em uma perspectiva sociológica: precisamos de algo assim aqui? Ou é apenas um anacronismo? Será que a Igreja, em última análise, é uma reminiscência de outra forma de sociedade e de outra forma de se relacionar com o mundo?

Se quisermos argumentar dessa forma, encontraremos rapidamente boas razões para dizer: sim, as Igrejas e as religiões já não se encaixam na nossa era de uma religiosidade remendada pelo “eu”, em que cada um de alguma forma constrói sua própria visão de mundo, em que nós temos pelo menos o pluralismo religioso, em que muitas vozes diferentes oferecem interpretações muito diferentes. Meus alunos costumam dizer isso – eles dizem que existem diferentes tipos de superstições, e a religião é uma delas. 

Essa certamente é uma forma de interpretar o presente. No mínimo, pode-se dizer que há uma variedade de ofertas religiosas e que o Estado não deveria atribuir nenhuma importância especial às instituições religiosas organizadas, uma vez que isso violaria a exigência de neutralidade: por que temos um domingo quando o domingo só é santo para os cristãos, enquanto a sexta-feira é santa para os muçulmanos, o sábado é santo para as pessoas de fé judaica, e outros dias são santos para os adeptos de outras religiões? Não seria melhor que todos tirassem uma folga quando quisessem? 

É aí onde tudo começa, e a mesma pergunta, é claro, pode ser feita sobre o Natal – embora essa festividade seja celebrada em dias diferentes, mesmo na Europa tradicional – e sobre as escolas: por que as aulas de religião católica e protestante são uma disciplina escolar na Alemanha, mas não as aulas de religião hippie ou Hygge, ou sobre a Igreja oriental? 

Essas questões surgem e estão de fato sendo feitas e discutidas. Pode-se até argumentar que as Igrejas são potencialmente um fator disruptivo na sociedade, uma vez que a insistência em um domingo sem trabalho é simplesmente uma desvantagem para a concorrência econômica global. E se também existem preocupações constantes de que as células-tronco não possam ser utilizadas para a pesquisa, então essa também é uma desvantagem para a concorrência global. 

Se é assim segundo essa visão, então podemos suspirar e dizer: a Igreja é um anacronismo que não cabe nem no reservatório ideológico nem na autointerpretação de uma sociedade moderna, um anacronismo que é apenas um problema. É assim que se poderia abordar a questão que eu levantei no início. E, para ser honesto, às vezes tenho a impressão de que os próprios representantes da Igreja partilham de alguma forma essa opinião.

O papel das Igrejas

Às vezes fico um pouco chocado quando converso com pessoas que estão envolvidas na Igreja e talvez até ocupam cargos de responsabilidade, mas depois dizem: “Sim, é assim que as coisas são – ninguém realmente quer mais nos ouvir, e também temos a sensação de que talvez não tenhamos nada a dizer nas crises atuais”. Poderíamos então perguntar descaradamente: “E o debate sobre a Covid, que ainda está em curso? Vacinação obrigatória – sim ou não? Fechamento das escolas – sim ou não?”. 

Será que a Igreja tem uma voz forte, tem uma função, uma autoridade religiosa que ainda pode ter algo a dizer à sociedade que a sociedade não deveria dizer ou não ousa dizer? E acima de tudo: as Igrejas têm o direito de dizer algo aqui?

Há outro indicador de crise para o qual alguém do contexto eclesial chamou a minha atenção, aliás, na celebração de uma faculdade teológica. Essa pessoa me contou que até 30 ou 40 anos atrás, quando lhe perguntavam sobre sua profissão, ela tinha orgulho de dizer que trabalhava no contexto eclesial. Hoje é algo do qual ela se envergonha ou tenta evitar dizê-lo imediatamente, afirmando que trabalha para uma instituição do Estado de bem-estar social. Eu achei isso muito interessante, porque, se chegamos a esse ponto, podemos ver que há um problema para as Igrejas, pelo menos no contexto da Europa ocidental e central – um problema bastante grande.

E o que eu realmente desejo fazer agora é convencê-los – não como uma pessoa de alguma forma religiosa, mas como sociólogo – de que, sim, a Igreja pode desempenhar um papel importante, até mesmo muito importante, nesta sociedade. Simplesmente porque acredito que ela tem algo a oferecer à sociedade. Com isso eu não quero dizer: porque as Igrejas têm verdades fundamentais e podem e devem dizer às pessoas o que elas devem fazer ou não fazer. Não porque os valores e a moral da Igreja sejam os corretos e devam ser impostos aos outros. Mas sim porque a sociedade moderna – e, portanto, a sociedade europeia – está em uma paralisação ofegante e vertiginosa, o que tem um preço bastante elevado, uma vez que notamos que essa sociedade procura desesperadamente uma forma alternativa de se relacionar com o mundo, de estar no mundo. 

E onde essa sociedade pode procurar outras formas de se relacionar com a vida, até mesmo com o universo, o cosmos, a natureza? Onde podemos encontrar esse reservatório alternativo?

A seguir, gostaria de explicar que nós, como sociedade, como Europa, estamos em uma crise grave e certamente precisamos de instituições, tradições, práticas, construtos, convicções e ritos religiosos para, talvez, encontrarmos a nossa saída. Desejo deixar clara a ideia fundamental de que essa sociedade carece maciçamente de um coração que escuta – em termos políticos e também em todos os outros aspectos. E é por isso que precisamos de ideias, práticas e de coisas do gênero que nos deixem claro o que isso pode realmente significar – ter um coração que escuta. 

Podemos encontrar elementos de uma resposta em contextos religiosos. No entanto, não nego que as próprias Igrejas muitas vezes não têm um coração que escuta, mas frequentemente um coração surdo, duro e de aço: se as autoridades eclesiais desejam simplesmente proclamar e impor verdades, então falta-lhes um coração que escuta em todos os aspectos.

Sociedade, coletivo singular

Para desenvolver a minha tese, devo começar com um diagnóstico mais preciso da sociedade. Sim, já o apresentei muitas vezes, mas gostaria de apresentá-lo novamente em sua essência e talvez também aguçá-lo.

Alguns dizem que não existe algo como a sociedade em si, mas que existem eventos, processos e instituições políticas, assim como eventos, processos e instituições econômicos, religiosos, jurídicos e esportivos, e que todos existem lado a lado.

No entanto, acredito que a sociedade pode ser usada como um coletivo singular, que existe de fato algo como um todo, uma totalidade da sociedade em que as várias instituições e pessoas trabalham em conjunto e moldam umas às outras. Eu descrevo a forma básica dessa sociedade com o termo “estabilização dinâmica” [dynamic stabilization]. É assim que eu defino uma sociedade moderna. 

Uma sociedade é moderna se simplesmente conseguir se estabilizar dinamicamente, isto é, se for sistemática e estruturalmente dependente do crescimento permanente a fim de se reproduzir e manter o status quo institucional.

Não estou dizendo que o fato de a nossa sociedade europeia estar acelerando seja algo historicamente especial. Aqui sempre tenho problemas com historiadores que me apontam que as sociedades anteriores também eram aceleradas, que houve períodos superacelerados na história e que o crescimento também pode ser observado em outros contextos. Sim, é claro, se olharmos para o crescimento populacional ou para o desenvolvimento da civilização, sempre vemos algo como uma curva de aceleração, de modo que se pode dizer que a sociedade moderna apenas se enquadra em um período histórico de longo prazo.

Mas o que há de especial na minha definição não é o fato de a sociedade estar crescendo, por exemplo em termos de população ou de produção econômica, ou de estar acelerando em muitos aspectos, mas sim de que isso deve ocorrer para manter o status quo. De fato, é muito fácil compreender isso se olharmos para Max Weber, que disse que a maioria das sociedades que conhecemos – antes da sociedade moderna – simplesmente atendiam às suas necessidades. Elas tinham uma noção muito apurada do que era necessário para sobreviver. Precisamos de tanto pão ou desta quantidade de grãos para passar o inverno; tanto combustível para aquecimento, uma boa casa, algumas roupas, talvez dois pares de calças, e então terei o que preciso. E é isso que eu continuo produzindo: se as calças estiverem gastas, eu as remendo, e se não conseguir remendar ou costurar, então faço outras idênticas novamente. É claro que não precisamos apenas de casa, comida e roupa, mas também daquilo que precisamos agora, dependendo do contexto histórico-cultural, para o próprio culto religioso, para os ritos, para o templo, por exemplo, ou para as presbíteras e os presbíteros. Isso significa que havia um senso do que era necessário e, é claro, isso muda historicamente. 

Por que muda? Em parte pelas condições ambientais, às vezes há um inimigo à porta, às vezes o clima muda, às vezes falta alguma matéria-prima de que eu preciso. Tudo isso, então, impulsiona a inovação e, é claro, há também o fato de as pessoas serem curiosas, de quererem experimentar coisas novas e, de repente, de descobrirem algo empolgante; e, se for bom, é frequentemente implementado como uma inovação cultural, embora nem sempre.

Assim, se pensarmos historicamente sobre as sociedades, é claro que elas não são estáticas, mas são sempre acompanhadas de inovação e de mudança, e muitas vezes isso tem a ver com aceleração e crescimento. Acredito que Ian Morris e outros estudiosos têm razão quando dizem que é útil observar os balanços energéticos: as pessoas precisam de energia para adquirir energia. A comida é a forma mais importante de energia e, é claro, o aquecimento – pelo menos nas nossas latitudes; e então a questão seria: como obtenho energia suficiente para passar o inverno? Ou simplesmente para viver? 

Crescimento permanente?

Os historiadores descobriram que, ao longo de milhares de anos, as pessoas – ou os seres vivos em geral – tiveram frequentemente de usar exatamente a quantidade de energia necessária para alcançar seu objetivo, por exemplo, para poderem viver. E é por isso que, quando as pessoas fazem uma descoberta, por exemplo por curiosidade, as evidências mostram que ela terá ramificações para o futuro se for possível obter a mesma quantidade de energia com menos esforço. Por exemplo, se cozinharmos, fritarmos ou assarmos alimentos – ou, um passo antes disso, inventarmos o fogo – poderemos obter a mesma quantidade de energia para o nosso metabolismo com muito menos insumos energéticos.

E se nós, humanos, percebermos isso, é claro que faremos dessa forma. Desse modo, você realmente pode recontar muito bem a partir da história como foi possível obter mais resultados com a mesma quantidade de insumos de energia; Morris fala de captura de energia. Claro, isso também funciona como um princípio para a inovação – obter exatamente a energia de que preciso com menos esforço.

É por isso que não afirmo que as sociedades anteriores eram estáticas. Mas esta sociedade – a nossa – tem o problema de ter de gastar cada vez mais energia a fim de preservar o que existe. Eu diria que, na verdade, isso é – e foi assim que Max Weber o definiu – irracional do ponto de vista estrutural e sistêmico. 

Podemos ver isso melhor na economia: temos de – quer sejamos uma empresa ou um Estado federal, uma cidade ou um país, a União Europeia ou o que quer que seja – crescer permanentemente. Isso significa que é necessário alcançar o crescimento econômico, aumentar a produtividade e lutar pela constante inovação de produtos e processos. Estamos vendo isso neste momento – no novo governo de coalizão, os três partidos concordam: “Precisamos de crescimento!”, “O motor do crescimento tem de funcionar!”, “Queremos sair da crise!”, diz o chanceler alemão Olaf Scholz. E junto com ele todos os chefes de governo europeus dizem a mesma coisa, incluindo a Rússia, a China, a Índia, a Arábia Saudita e os Estados Unidos também. 

E eu pergunto diretamente: onde exatamente você quer crescer, pelo menos na Alemanha? Eu realmente gostaria de discutir isso com esses senhores. Onde você quer crescer? Devemos comprar mais carros? Não quero questionar o fato de que a Mercedes, a BMW e a Volkswagen vivem da compra de mais carros. Claro, dizem que foi um bom ano quando venderam mais carros. Ou veículos maiores com mais potência e mais tonelagem, ou algo assim, valor – deve-se produzir valor, por assim dizer, mas ele é produzido principalmente por meio de mais carros e mais caminhões. Podemos ter fantasias verdes durante um longo tempo, mas a indústria automobilística continua sendo um dos principais setores de crescimento na Alemanha.

Robert Habeck, ministro alemão dos Assuntos Econômicos, poderia então dizer: “Não, não quero crescimento na indústria automobilística”, por isso a questão é: talvez na indústria aeronáutica?! Nós também estamos crescendo lá, na verdade temos o crescimento mais forte lá, a curva das aeronaves subiu quase verticalmente – pelo menos antes da Covid, mas agora e no contexto da crise climática? Não, não cresce, é uma ideia estúpida.

Ok, então, se não for na mobilidade, talvez cresçamos no setor da construção civil? Neste momento, a indústria da construção está em plena expansão, falamos até de inflação na construção, mas depois olhamos para a impermeabilização dos solos – e esse é um problema enorme. Cada vez mais terrenos estão sendo construídos e, portanto, selados. Por isso, dizer que em longo prazo queremos crescimento no setor da construção civil também não é uma boa ideia.

Então, cresçamos em outro lugar. Em computadores e smartphones? Que estão sendo substituídos cada vez mais rápido? Agora jogamos fora bilhões de dispositivos a cada dois anos. Isso é muito ruim para as terras raras, para o coltan, o lítio e outros recursos. Portanto, qualquer pessoa com um pouco de inteligência dirá: “Não, também não queremos realmente crescer nessa área”.

Depois, cresceremos na indústria alimentícia – essa seria a próxima sugestão. A maioria das coisas, a maioria dos alimentos que jogamos fora não é particularmente prejudicial ao ambiente. O problema está em outro lugar: aquelas pessoas que poderiam comprar os alimentos se a indústria alimentar dissesse que quer crescer já estão acima do peso. É assim! As sociedades que podem pagar por mais alimentos sofrem de obesidade. Você pode dizer isso tão categoricamente quanto de forma abrangente. E você sabe o que a indústria alimentícia está fazendo por causa disso? Ela garante o crescimento adicionando certas enzimas ou aditivos aos alimentos que desligam o sinal de saciedade entre o estômago e o cérebro, para que continuemos comendo mesmo que já estejamos saciados.

Portanto, o problema é que temos simplesmente de continuar crescendo em todas as indústrias, porque, caso contrário, os empregos não poderão ser preservados, embora, objetivamente falando, já não faça mais sentido crescer. Não importa para qual indústria você olha: por exemplo, a indústria do vestuário – nós já jogamos tudo fora de qualquer maneira, mesmo que nossas roupas ainda sejam boas e usáveis. Todas as culturas antes de nós nos considerariam loucos apenas por esse motivo. Nós as jogamos fora só porque não estão mais na moda, então também não queremos crescer aí. 

A indústria farmacêutica também está em constante crescimento, também em termos de vacinas, como vimos durante a pandemia – isso também é bom. Portanto, não quero dizer que a sociedade nunca deveria crescer. Mas o que estou dizendo é que ela não deveria ter que crescer o tempo todo só para preservar o que tem. Acho realmente um absurdo falar sempre de crescimento de forma abstrata. Aquelas pessoas que são solicitadas a dizer concretamente onde se deve crescer geralmente não têm uma boa resposta.

Provavelmente elas dirão: em tecnologias verdes, mas isso apenas evita dar uma resposta substantiva e também nunca é suficiente para alcançar as taxas de crescimento necessárias.

Do crescimento à rapidez

O que é ainda mais absurdo é que não queremos todo esse crescimento simplesmente porque somos gananciosos. Precisamos dele porque, sem crescimento, não podemos mais manter toda a estrutura social existente. Se decidirmos agora que não queremos crescer mais, não teremos apenas muitos desempregados e empresas fechadas da noite para o dia. As receitas fiscais do país também cairão, mas ao mesmo tempo as despesas aumentarão, porque temos de voltar a crescer, mas sobretudo porque temos de pagar aqueles que estão desempregados. Deixaríamos então de poder pagar as pensões e aposentadorias, não seríamos capazes de manter o sistema de saúde, todo o setor dos cuidados de saúde ficaria ainda mais dramaticamente subfinanciado, e as instituições culturais deixariam de poder ser financiadas.

Assim, todo o sistema vive do fato de que devemos crescer a cada ano. E, onde não precisamos crescer, ficamos mais rápidos. Tomemos o exemplo do Japão: o país quase não teve crescimento durante muitos anos, mas depois a pressão a acelerar e a se tornar mais eficiente tornou-se ainda maior. Isso é lógico, pois, se todos puderem produzir mais carros, não importa tanto se um deles é o líder do mercado ou o segundo maior, porque a torta em si está cada vez maior. Mas se a torta inteira não ficar maior, você tem de ser o mais barato do mercado – e o mais rápido. É por isso que a pressão a melhorar torna-se ainda maior.

Assim, como consequência, vemos que vivemos em um sistema no qual devemos nos tornar mais rápidos a cada ano. Temos de acelerar, temos de ser inovadores, temos de ser os primeiros a ter um novo produto, os primeiros a ter melhores métodos de produção. Temos de produzir mais, por assim dizer, para podermos preservar o que temos. 

Isso também significa que devemos investir mais energia física a cada ano – seja ela proveniente do vento, do sol, do carvão, da energia nuclear ou de outras fontes. Precisamos cada vez mais de energia para manter o jogo do crescimento, ou seja, para preservar o que temos.

Sociedade irracional

Neste ponto, pode-se ver claramente mais uma vez a irracionalidade dessa sociedade, o tipo europeu de sociedade. Não creio que tenha havido nenhuma forma de vida anterior que vivesse de tal modo a precisar de mais energia a cada ano apenas para preservar o que existia. Lembremos Ian Morris e os índices de energia. 

Disse anteriormente que, historicamente, a mudança ocorria sempre quando era possível obter um rendimento mais elevado com a mesma quantidade de energia ou o mesmo rendimento com menos energia. Mas uma sociedade que diz sistematicamente que devemos viver de tal forma que temos de investir, converter e “capturar” cada vez mais energia a fim de mantermos o que temos é perversa. E não é apenas a energia física que tem de ser usada, mas também a energia política. Os políticos devem nos motivar, desafiar e encorajar constantemente. Os idosos devem ser mobilizados mais uma vez, os jovens devem ser encorajados mais cedo, os estudos não devem mais durar 12 semestres ou 10 até o primeiro grau, mas apenas seis até se obter o diploma de bacharel. Eles veem isso em todos os níveis. E não os culpo de forma alguma: provavelmente eu faria o mesmo se fosse político.

Portanto, é preciso investir energia política, energia física e, mais ainda – energia psicológica – porque acelerar, inovar e crescer não é o que os sistemas ou as máquinas fazem, mas sim o que nós fazemos! Sim, nós, humanos, teremos de correr mais rápido do que este ano no ano que vem. E a tese que eu associo a isso é que essa lógica das instituições sociais cria sistematicamente uma relação de agressão com o mundo. Acredito que todos sentimos isso em nossos corpos – e especialmente durante a pandemia. Nossa relação com o mundo é agressiva. Por quê? Porque a lista de tarefas está explodindo. Todos os anos devemos conquistar um pouco mais. Tanto em pequena quanto em grande escala, isso nos coloca em uma relação agressiva com o mundo. 

Em grande escala, é claro, vemos isso sobretudo na crise ecológica. As indústrias estão agindo de forma cada vez mais imprudente, perfurando cada vez mais fundo em busca de petróleo, escavando terras raras e coltan e tudo o mais que possa ser extraído da terra, e poluindo-nos com isso, por assim dizer. Isso sistematicamente cria uma relação de agressão com o ambiente. 

Também se percebe a crescente agressividade na política. Se vivemos precariamente, sempre ouvimos: “Sim, temos que melhorar, temos que melhorar”, e se tudo isso afeta o indivíduo. Então, o Outro, que tem constantemente uma opinião diferente, que quer constantemente algo diferente, que ama diferente, acredita diferente e faz não sei o que mais diferente é então simplesmente um obstáculo. Deveria calar a boca.

Cultura política em mudança

Um interessante estudo realizado pelo meu colega Michael Bruter, da London School of Economics, afirma que o problema nas democracias é que a cultura política está mudando. A pessoa com um ponto de vista político diferente já não é vista simplesmente como um parceiro de diálogo com quem se tem de lidar, mas como um inimigo odioso que deve ser silenciado. 

E vemos isso nos Estados Unidos, por exemplo, na forma como republicanos e democratas se confrontam. Por exemplo, “Lock her up” [prendam-na] foi o grito republicano contra Hillary Clinton. E, na Inglaterra, pode-se ver isso entre os “Brexiteers” e os “Remainers”. Alguns foram firmemente a favor do Brexit; outros, absolutamente contra.

Mas podemos ver esta lógica de inimizade e desprezo mútuos em toda a Europa neste momento, por exemplo, no conflito entre os antivacina e os pró-vacina, entre os antiaborto e os pró-vida, entre os ativistas e os negacionistas das mudanças climáticas etc. Já não temos mais um debate sobre como queremos viver, como organizamos o nosso respectivo modo de vida, mas sim que os outros se calem; consideramos os outros como inimigos que queremos silenciar! 

E isso acontece em ambos os lados: ou nós os declaramos fascistas ou outra coisa, por exemplo, traidores do país. Em todo o caso, pode-se ver que essa relação agressiva com o mundo, que vem da compulsão permanente de crescer, que nunca acaba porque nunca pode ser pacificada, também se traduz na política e se traduz no estilo de vida individual.

Acredito também que isso se reflete naquilo que chamamos de burnout ou no que entendemos como crise de burnout. Isso tornou-se realmente dramático e, de acordo com os números disponíveis até agora, intensificou-se ainda mais durante a crise do coronavírus. Toda a mídia está informando de forma constante e consistente sobre pessoas que sofrem de esgotamento. Não estou citando a mídia aqui para provar a extensão clínica da doença mental, mas para enfatizar o significado social do medo dela. 

Frequentemente, quando falo em um grande auditório, faço uma pergunta que também seria bastante interessante aqui: quem de vocês às vezes diz para si mesmo, ou pelo menos pensou no ano passado: “Tenho que desacelerar um pouco no ano que vem”, ou “Tenho que me livrar de alguma coisa, caso contrário também posso ficar esgotado”, ou “Estou em risco de esgotamento”? 

Via de regra, quase todas as mãos se levantam. É o caso dos estudantes, dos profissionais e até dos aposentados. O sentimento de que “as coisas não vão correr bem por muito mais tempo” tornou-se o sentimento culturalmente dominante na Europa. E isso é completamente independente do fato de o aumento das licenças por doença devido a esgotamento também ser sustentado pelos diagnósticos. Sabemos que esses números requerem a nossa atenção.

Mas eu acredito que o próprio discurso deixa claro que há uma crise. Na verdade, estamos lidando com problemas de energia em ambos os casos: estamos sobreaquecendo a atmosfera, gerando calor, aumentando o investimento energético, usando cada vez mais energia para manter aquilo que temos. Isso cria um problema de energia no clima e um problema de energia para a psique: ambos se esgotam.

Grandes promessas não cumpridas

Neste ponto, gostaria de introduzir mais um ponto, a saber, exatamente o que eu quero dizer com o termo “paralisação vertiginosa”. Penso que a razão pela qual a situação se agravou tanto culturalmente – como apontei no início – é que perdemos o sentido de seguir em frente. Não quero negar que esse programa de crescimento moderno também tem sido extremamente atraente há muito tempo. Na verdade, não podemos estar suficientemente gratos a ele, porque ele trouxe uma prosperidade econômica incrível à Europa. Essa lógica da estabilização dinâmica também produziu descobertas científicas. 

Eu diria aos meus críticos da esquerda que, se ignorarem isso, então suas críticas serão inúteis, porque acredito que o livre mercado e o capitalismo foram motores essenciais para a criação de todas as oportunidades e os recursos que temos hoje. Estavam associados a certas ideias, promessas de natureza cultural, de natureza quase religiosa: todos acham que todos os outros são idiotas devido ao aumento do poder produtivo – como diria Marx, e neste ponto ele estava simplesmente certo, e Marcuse mais tarde compreendeu-o, aliás, junto com toda a teoria crítica – que uma pacificação da existência tornou-se possível em princípio. Segundo a promessa, teríamos tanto sucesso no trabalho com a natureza e na superação de deficiências que não teríamos mais que lutar pela vida cotidiana, nem ter medo de não ter um lugar no mundo, de nos tornarmos ilegítimos, por assim dizer, ou supérfluos; não teríamos mais que lutar pela nossa existência econômica e superaríamos a escassez.

Logicamente, essa foi uma grande promessa! Além disso, aliás, a ignorância desapareceria devido ao progresso científico: “Saberemos viver bem”. E por “viver bem” me regiro a algo como “dar à luz bem”, ou “amar bem”, ou “dormir bem” e “comer bem”. Se vocês se lembram, essa também foi a promessa do Iluminismo europeu. E ainda além disso a promessa: “Por meio do poder da aceleração, venceremos a escassez de tempo, teremos tempo em abundância!”.

Entretanto, é óbvio que nenhuma dessas promessas está sequer perto de ser cumprida. Estritamente falando, ninguém mais acredita – nem mesmo os defensores do crescimento no governo alemão ou no Parlamento Europeu – que as coisas vão melhorar. A concorrência global tornar-se-á muito mais acentuada em tempos de crise climática, e o problema também será agravado pelos países que nos alcançarão.

Temos de nos adaptar ao fato de que tudo ficará muito mais difícil em termos de concorrência e de recursos cada vez mais escassos. É isso que tem sido defendido há muito tempo, principalmente nos círculos interessados em economia. O interessante é que todo o desenvolvimento aumenta a incerteza, quero dizer, por exemplo, que nunca antes a incerteza sobre o que comer e o que não comer foi tão grande. Ou também o absurdo sobre a questão de quem não tolera tal tipo de comida. É realmente um absurdo: hoje sabemos muito sobre a conexão entre a comida e o corpo, mas não sabemos mais o que comer. 

Por exemplo, eu costumava pensar que comer muita gordura fazia mal para seu peso, mas recentemente li que muita gordura faz bem – até para perder peso. E o açúcar não libera açúcar nenhum, nem diabetes! Não importa qual tese você escolha – na verdade, as pessoas não sabem mais o que deveriam comer. Você também sabe disso muito bem disso se estiver lidando com crianças: alguns dizem: “Bem, não posso comer isto”, e outros: “Não posso comer isto”, e outros ainda: “Não posso comer isto com isto”, “devia comer de manhã”, “não devia tomar o café da manhã”, “não devia comer nada durante 12 horas”. Em suma: não sabemos mais!

O abismo que nos persegue

Você também pode mostrar isso com outro exemplo, em uma área na qual, como homem, seria melhor exercitar a humildade. Mas continuo achando interessante, especialmente no que diz respeito à gravidez. Vemos que o medo de ter filhos aumenta quanto mais sabemos sobre isso. Isso também está ligado ao sentimento de impotência, porque é o equipamento, o ultrassom por exemplo, que me diz o que devo fazer e como estão as coisas comigo e com a criança. Meus próprios sentimentos não desempenham mais um papel. Hoje sabemos menos sobre como as crianças realmente nascem do que sabíamos há séculos ou até mesmo há milênios.

Essa ignorância está aumentando em todas as áreas, aliás também com o resultado de que as pessoas estão insatisfeitas consigo mesmas. Há um estudo interessante que diz que antes da queda do comunismo – e até certo ponto até hoje – as pessoas na Alemanha Oriental sentiam-se realmente muito mais confortáveis consigo mesmas do que na Alemanha Ocidental. A sensação de não ser suficiente, de não estar satisfeito consigo mesmo, de ter que ser na realidade completamente diferente, aumenta constantemente. Não temos mais o sentido de encontrar uma vida boa por meio desse aumento, de encontrar uma relação bem-sucedida com o mundo. Agora, nós vemos que isso não cumpre a promessa. Apesar disso, a Europa quer incansavelmente continuar crescendo. Mesmo os partidos da oposição não têm nada de diferente a oferecer.

A Europa moderna, o sistema social moderno, foi tão bem-sucedido e também tão promissor porque e enquanto as pessoas sentiam que estavam trabalhando para um futuro melhor. Pode-se ver isso nos dados de todas as sociedades ocidentais ou das primeiras sociedades industrializadas: lá, pais e mães sempre trabalharam com a convicção – não apenas nas classes médias, mas também nas classes trabalhadoras ou nas classes média e baixa – de que, se trabalhassem duro, se fizessem um esforço, se fizessem sacrifícios, então seus filhos um dia teriam uma vida melhor. Essa era uma convicção e uma força motivacional muito fortes que, aliás, também criaram ressonância ou solidariedade intergeracional. Trabalhamos duro e também sacrificamos muito, e assim nossos filhos entrarão nesse reino de liberdade, por assim dizer, “estarão melhor”. 

Agora, por outro lado, podemos ver de forma generalizada – e o Vale do Silício está liderando o caminho – que tanto os pais quanto os filhos dizem: “Temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que a próxima geração não se saia muito pior do que nós”. As taxas de suicídio e de depressão são particularmente elevadas no Vale do Silício, porque as crianças estão convencidas: “Nunca seremos capazes de manter esse padrão”. 

Enquanto isso, a pesquisa social empírica, do Japão aos Estados Unidos e mais ainda na Europa ou na Austrália, mostra que pais e mães, na verdade a maioria dos adultos, acham que temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que as crianças não fiquem em uma situação pior. Esse é um ponto crucial para mim: não temos mais a sensação de que caminhamos rumo a um futuro promissor, mas sim de que fugimos de um abismo que nos persegue. É a isso que eu me refiro com o termo “paralisação vertiginosa”: temos de correr mais rápido todos os anos para não cairmos no abismo que se aproxima cada vez mais rápido de nós – sobretudo devido à crise climática.

“Dá-me um coração que escuta” 

Vamos agora finalmente chegar àquilo que eu quero contrariar e a razão pela qual acredito que as Igrejas são necessárias: a democracia não funciona no modo agressivo; acho que se pode dizer isso em geral. O slogan do Rei Salomão na Bíblia – “Dá-me um coração que escuta” – adquire assim também uma dimensão política. 

Já está na Bíblia: Salomão pede a Deus, quando ainda é muito jovem e inesperadamente se torna rei, não por mais poder, nem por armas ou aliados, mas sim por um coração que escuta. Na verdade, essa é uma qualidade passiva e receptora. É exatamente isso que é necessário em uma democracia – e, a propósito, também nas Igrejas. 

Por muito tempo, a Igreja careceu muito mais disso do que de democracia, e muitas vezes ainda carece hoje. Mas fiquemos com a democracia, a instituição tão fundamental e característica da Europa. Ela também é uma grande promessa. Essa promessa é de que todos e cada um terão voz, incluindo aquelas pessoas que discordam dos políticos ou das Igrejas. A democracia só funciona quando cada um tem uma voz que pode ser ouvida. Mas ultimamente tenho chegado cada vez mais à conclusão de que os ouvidos também fazem parte dela. Não basta ter uma voz que seja ouvida; eu também preciso de ouvidos que ouçam as outras vozes. E eu iria mais longe e diria que, além dos ouvidos, é preciso também esse coração ouvinte que quer ouvir os outros e respondê-los. 

A outra pessoa simplesmente não deveria calar a boca porque é uma traidora do povo, ou uma idiota, ou algo assim. Isso é bastante difícil na sociedade atual. Todo mundo acha que todo mundo é um idiota. Isso é particularmente grave quando alguém está tão completamente comprometido com a democracia. A democracia é o credo central da nossa sociedade, mas requer vozes, ouvidos e corações que escutam. 

Muitas vezes deixei isso claro usando o exemplo dos refugiados. Há quem diga que deixamos entrar refugiados demais na Europa, que aqueles que abriram as fronteiras são traidores, e outros dizem que nós mesmos somos os criminosos, porque deixamos os refugiados se afogarem e morrerem congelados nas fronteiras, porque somos egoístas e autocentrados, e estamos preparados para passar por cima dos cadáveres e ignorar os direitos fundamentais. Ambos os lados tiveram e têm a sensação de que se trata, na verdade, de uma luta contra criminosos.

É por isso que eu acho que deveríamos continuar com Max Weber, que disse que a honestidade intelectual significa primeiro ouvir que talvez existam argumentos do outro lado que me dizem respeito, que têm algo a me dizer. Essa é a compreensão republicana da democracia, que os cidadãos se encontram como pessoas que têm algo a dizer umas às outras, e isso não significa apenas “tenho algo a dizer a você”, ou “uma vez lhe dei a minha opinião”, mas sim “você também tem algo a me dizer”, “quero que você me alcance”. O conceito republicano de democracia é que, por meio dessa conquista mútua, ocorre a transformação mútua. E isso permite-nos dialogar com o conceito de “natalidade” de Hannah Arendt: permite-nos começar de novo, fazer surgir algo novo.

É por isso que quero dizer: a democracia precisa de um coração que escuta, caso contrário ela não funciona. Esse coração que escuta não cai do céu, e, no entanto, essa atitude é particularmente difícil de adotar em uma sociedade da agressão.

Minha tese, portanto, é que as Igrejas em particular têm um domínio das narrativas, um reservatório cognitivo, ritos e práticas, espaços onde um coração que escuta pode ser praticado e talvez experimentado. Essa seria a tese básica que eu gostaria de apresentar desde já: devemos deixar-nos chamar. Há muito tempo digo isso como sociólogo e não estou repetindo isso agora porque estou na Conferência das Igrejas Europeias. Estamos em crise na capacidade de sermos chamados, e isso se reflete tanto na crise da fé quanto na crise da democracia. Eu afirmaria isso com Bruno Latour. O mais importante é que “eu pare”.

Essa é uma das minhas palavras favoritas – pare. O coração que escuta vai bem com ela. Por um lado, essa magnífica palavra “aufhören”, em alemão, significa parar, deter. Por outro lado, a palavra “parar” significa que, enquanto estou trabalhando na lista de tarefas, estou me esgotando na roda do hamster, em uma paralisação vertiginosa, ouvindo “de cima”, ouvindo “de fora”, algo me chama, e eu deixo que algo me alcance de uma forma diferente, uma voz diferente que diz algo diferente daquilo que está na minha lista de tarefas e daquilo que é de se esperar de qualquer maneira, e que consiste em um intercâmbio funcional, por assim dizer.

A sociedade, e de fato a democracia europeia, precisa da capacidade de ser chamada. Tentei captar essa capacidade com o conceito de “ressonância”, que não é apenas uma capacidade, é uma relação diferente com o mundo. Se meu diagnóstico estiver correto, então estamos enfrentando exatamente este problema: estamos sempre em modo agressivo, porque ainda temos de resolver isto, comprar aquilo, queremos ter isto, experimentar aquilo, e assim por diante. E a questão é: há algo diferente? A atitude moderna fundamental visa ao controle, ao domínio, ao poder. 

Foi isso que Adorno e Horkheimer trouxeram à nossa atenção na “Dialética do Esclarecimento”. Mas, assim que ouvimos a música, percebemos: aqui não se trata propriamente de controlar, de aumentar; não pela escuta. Talvez, ao tocarmos música, ainda possamos discutir sobre isso, mas, quando ouço, eu apenas ouço. Mas, de alguma forma, sou tentado a escrever rapidamente esta mensagem de texto e ver o que a mídia escreve, e na realidade parar de ouvir música. Mas, de repente, de repente eu paro! Paro, mas algo me alcança! A música muitas vezes tem o poder de nos transformar.

Às vezes, tenho a sensação de que você até sente isso no corpo, ou seja, quando a música agarra você, ou quando algo lhe chama e você reage a isso. O estado físico de agregação muda, por assim dizer. Você realmente percebe: surge algo como a respiração, uma relação respiratória com o mundo. E é exatamente nesse momento que algo me alcança, sim, algo me chama. Então, não sei o que resulta do fato de ser chamado, mas é assim que começa um momento de ressonância.

Elementos definidores da ressonância

Para mim, a ressonância tem quatro elementos ou momentos definidores: o primeiro é a afetação [affectation]; talvez se possa até dizer: o chamado: algo está me chamando, me fazendo parar, e então esse algo pode e deve ser simplesmente aquilo que eu pensei. Um momento transgressor entra em jogo aqui. A ressonância não é pura harmonia e puro acordo, caso contrário não seria ressonância. Se eu ouvir sempre a mesma coisa, só que com mais força, se eu apenas for reforçado naquilo que sempre pensei, senti ou fiz, então isso não pode ser descrito como uma relação de ressonância, porque ressonância significa ouvir uma coisa decisivamente diferente, e isso pode também ser bastante irritante. Pois outra voz está me alcançando de alguma forma. Todos nós sabemos que essa não é uma capacidade secreta que você precisa aprender, é algo que até as crianças pequenas fazem, e as pesquisas da infância e do desenvolvimento confirmam isso. É aquele primeiro momento em que a criança para e percebe que o que está fazendo interage com aquilo que ela está alcançando. Por exemplo, ela faz barulho e ouve sua mãe ou quem está cuidando dela e responde!

Surge aqui o segundo momento de ressonância, a saber, a autoeficácia [self-efficacy]. O que eu faço entra em uma espécie de conexão com esse outro. A conexão é um momento importante, e a forma de ressonância básica para mim é ouvir e responder; algo me alcança e me chama, e de repente percebo que há uma conexão, porque sou capaz de reagir ao que recebi. Talvez se possa saber disso a partir de situações na universidade; ou muitos de vocês sabem disso a partir do contexto escolar ou do trabalho com jovens; ou quando, em qualquer ocasião, falamos para uma sala cheia – ou pregamos para uma congregação: muitas vezes temos a sensação de estarmos falando para uma parede. Você vê rostos monótonos e indiferentes ou olhares cansados, ou pessoas penduradas em seus celulares, meio adormecidas. Ou as pessoas odeiam quando você diz algo errado, e então você muda ou não muda isso – de qualquer forma, você pode levar uma surra hoje em dia.

Mas então você também sente muito claramente quando surge a relação oposta: então, você vê repentina e literalmente como a ressonância surge quando um pensamento é expressado – a postura muda, a direção do olhar, o próprio olhar, os olhos se iluminam, algo entra em movimento. Se tentarmos medir isso – o Instituto Max Planck de Estética Empírica em Frankfurt faz algo assim – então podemos até torná-lo visível: onde eu paro de repente, onde eu permito que algo me alcance, até mesmo a minha frequência respiratória, meus batimentos cardíacos, a resistência da minha pele muda, e há uma mudança na liberação de hormônios. Respondemos ao chamado, fazemos algo com ele, e é justamente aí que nos sentimos vivos. Esse é o momento em que nos sentimos vivos. Bruno Latour, Corinne Pelluchon, Andreas Weber e muitos outros dizem o mesmo. O momento de estarmos vivo é justamente quando não só sou chamado, mas de repente percebo: posso fazer algo com a voz que chega até mim, com a música que encontro ali. Às vezes, porém, não conseguimos fazer exatamente isso. Então, mesmo com uma música tão bonita como a que acabamos de ouvir, podemos afirmar: essa é a minha música favorita, mas não me alcança de jeito nenhum (desta vez). Porque me falta essa resposta, a capacidade de ouvir naquele momento, essa abordagem, sim, a abertura e a apropriação.

Porém, quando conseguimos reagir de forma eficaz a um toque, ocorre o terceiro momento da ressonância: o momento da transformação. Pois, quando a ressonância ocorre, quando eu realmente escuto e me conecto com aquilo que me alcança, eu me transformo, fico com um humor diferente e penso diferente. Começo a olhar o mundo de maneira diferente ou a pensar de maneira diferente. Aliás, é assim: quando estou em depressão profunda ou com burnout, não sou mais capaz de ressoar. A ressonância não diz respeito a um significado cognitivamente compreensível, que não seria afetado pelo burnout. O burnout é quase o oposto da ressonância, o burnout é o estado em que não sou mais capaz de ressoar, em que nada pode me alcançar, e também não consigo alcançar nada nem ninguém. Aqui me falta a capacidade de ser chamado e também a autocapacidade, e então também me sinto congelado internamente, quase incapaz de me mover. Se, por outro lado, experimento a ressonância e posso me deixar chamar, então também experimento a transformação: não sou mais o mesmo, mas me transformo no momento da experiência. Como eu disse, esse é o momento da vitalidade.

Mas o ponto principal é que não posso forçar esse momento. Posso comprar ingressos caros para o melhor show e pensar: “Esta noite!”. No meu primeiro show do Pink Floyd, eu pensei: “Hoje vou experimentar a iluminação”. Mas de alguma forma não foi assim. Não sei por que, mas achei chato. Embora pareça quase uma blasfêmia dizer isso, porque o Pink Floyd é a minha banda favorita, e eles foram os heróis da minha juventude. Aliás, quando algo assim ocorre, sempre tentamos nos convencer de que foi incrivelmente bom, de que foi inacreditavelmente bom! Acho que quanto mais fortemente as pessoas irrompem em um entusiasmo ostensivo, menor é a probabilidade de realmente haver ressonância. Não dá para forçá-la, nem mesmo com os ingressos mais caros ou com a melhor ambientação. O jantar à luz de velas também é algo assim, ou o Natal: a expectativa é maior na véspera de Natal; estamos principalmente no modo de desespero para lidar com a vida cotidiana até às 17h, e então de repente e pontualmente queremos ressoar com a família, com a Sagrada Família e até com a Sagrada Mensagem e, para ser sincero, como sabem todos os que trabalham nos cargos correspondentes: a alienação e o potencial de conflito nunca foram maiores do que nesse preciso momento. Porque você não pode criar ressonância, e certamente não com o apertar de um botão. Geralmente é aí que o jantar à luz de velas falha: leva à discussão em vez da ressonância. 

O quarto momento da relação de ressonância, portanto, é sua indisponibilidade: não pode ser fabricado, comprado ou forçado.

Mas, quando acontece o contrário, quando a ressonância realmente ocorre, então a transformação também ocorre. O que é empolgante – e acho que subestimei isto até agora – é que ninguém pode prever o que resultará disso. Isto é muito importante: se a Igreja acredita que sabe sempre o que é certo e o que deve resultar disso, então já não é mais uma instituição de ressonância, mas sim uma assassina da ressonância. Naturalmente, quando debatermos depois, posso dizer o que sempre digo, que eu já sei exatamente o que vou dizer em resposta a um debate, porque já fiz isso centenas de vezes antes. E os outros participantes do debate, os representantes das outras Igrejas, talvez façam o mesmo, dizem o que já disseram dezenas de vezes, e depois apenas convivemos com o fato de esse debate permanecer sem ressonância. 

Mas também pode acontecer que de repente nos deixemos alcançar, que paremos e digamos: “Nunca olhei para isso dessa forma”. Então, emerge algo novo a partir disso, mas é completamente impossível prever, em primeiro lugar, se isso acontecerá e, em segundo lugar, em que ponto e, em terceiro lugar, o que emergirá a partir disso: a indisponibilidade da ressonância, portanto, inclui sua abertura ao resultado. A ressonância é uma ferramenta pobre se tudo o que importa é a otimização: sempre sei com antecedência exatamente qual deve ser o resultado quando se trata de otimização. 

Meu colega Hans Joas fala aqui da “criatividade do comportamento”, mas, na verdade, minha metáfora preferida para esse momento é o conceito de natalidade de Hannah Arendt, que já mencionei: é quando de repente surge o pensamento novo, no qual não pensei antes, nem você. Portanto, a ressonância, por assim dizer, é o lugar de um novo nascimento. Mas essa novidade não está disponível, não pode ser antevista nem prevista.

Um novo espaço-tempo a partir da religião

Então, do que precisamos nesta sociedade? Acho que esta sociedade precisa de uma lembrança exata dessa capacidade de ser chamada e da experiência da autoeficiência aberta correspondente. Por um lado, isso funciona de uma forma disposicional, ou seja, quando consigo sair do modo agressivo. Por um momento, eu não pergunto: “O que isso tem a ver comigo? O que eu ganho? O que ainda quero alcançar? O que posso controlar? O que eu controlo? O que não controlo?”. Talvez você possa dizer que precisa ficar nu, precisa se tornar tangível, e isso sempre significa tornar-se vulnerável. E isso é naturalmente muito arriscado em uma sociedade baseada na competição e na luta pelo crescimento. Em todo o caso, primeiro preciso de uma certa atitude, e a atitude não me garante que realmente haverá uma ressonância. Também preciso dos espaços sociais e materiais correspondentes para isso.

A minha posição é que a religião tem de fato esses espaços, ou pelo menos que, no seu âmago, visa a proporcionar tais espaços. Ela contém os elementos que podem nos lembrar que é possível uma relação mundial diferente daquela orientada para o aumento e para a disponibilidade. Começando pelo conceito de tempo, basta pensar em canções como “Meu tempo está em tuas mãos”, ou no ano eclesial. Era o que o meu pai sempre dizia: “É muito chato, não acontece nada, a mesma coisa todos os anos há 2.000 anos”. Eu responderia: “É exatamente esse o ponto! Nada de inovação, nada de aumento, nada de crescimento!”. Essa é uma concepção de tempo diferente da nossa concepção de tempo como recurso econômico que temos aqui. 

O conceito espacial também é diferente: quando você vai a uma igreja, não há nada lá que você possa disponibilizar, por assim dizer, que possa controlar ou dominar. O modo agressivo não encontra nenhum alvo. Bom, a menos, é claro, que você odeie a igreja e queira arrancar a cruz da parede; naturalmente isso também existe. Mas as pessoas que não vão lá com essa intenção acabam em um contexto espacial em que a atitude agressiva desaparece por um momento. Você literalmente sente isso por todo o seu corpo.

Parece-me que a questão crucial é que todo o pensamento religioso, toda a tradição, as melhores interpretações religiosas se baseiam na ideia e na realização de relações de ressonância. Só aprendi isso tarde, depois de ter escrito o livro sobre ressonância, mas tomemos o exemplo da pericorese, da Trindade: é uma relação ressonante entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo – e talvez também conosco como fiéis. Já escrevi antes sobre se a religião católica, em particular, como denominação, poderia ter qualidades de ressonância, e eu diria: sim! Muitas qualidades, na verdade, e eu quase acredito que ela tem mais, ou pelo menos diferentes, do que o protestantismo, e também mais físicas. 

Sempre tive inveja, quando criança, por exemplo, de fazer o sinal da cruz ou de molhar meus dedos na água benta, ou mesmo quando se trata de invocar todos os santos. A ideia em todos esses gestos e ritos é sempre que façamos algum tipo de conexão, uma conexão de ressonância com o mundo e com outro mundo. Algo me toca e desperta em mim um efeito transformacional; essa é a ideia compartilhada e vivenciada aí.

Aliás, o anseio por tais ressonâncias na sociedade é incrivelmente alto, mesmo muito além do contexto religioso. Na minha opinião – e também reforçado por uma dissertação muito boa que Hana Dolezalova escreveu sobre o assunto em Jena – quase todos os fenômenos que correm sob o rótulo de “Nova Era” ou de esoterismo podem ser interpretados como uma expressão de um anseio de ressonância e também de uma convicção de ressonância profundamente enraizados. As pessoas procuram ressonâncias nas pedras e nas ervas, nos riachos, nas montanhas e nas estrelas, quando querem recobrar ou recuperar a força delas. “Sim, existe de alguma forma uma relação entre esta pedra preciosa e mim”, ou entre os florais de Bach e mim, ou entre a água benta e mim. 

Por outro lado, tenho de me proteger do mau-olhado e dos misteriosos raios da terra. São todas ideias de ressonância. A razão pela qual a astrologia e os horóscopos ainda são tão difundidos e populares não é pelo fato de serem plausíveis do ponto de vista astronômico ou de oferecerem bons modelos explicativos. A maioria das pessoas que os consultam justificam-se com frases como: “Na verdade eu não acredito, mas mesmo assim…”. Mesmo assim o quê? Acho que eles são tão atraentes até mesmo para muitas pessoas da modernidade tardia, porque proporcionam uma sensação de relação entre a realidade última que abrange o mundo, o cosmos e o nosso ser mais íntimo, o nosso destino – uma relação de ressonância.

O poder da religião

Creio que é precisamente disso que a religião per se obtém seu grande poder, a saber, do fato de fazer uma espécie de promessa vertical de ressonância, que diz: o universo silencioso, frio, hostil ou indiferente não está na base da minha existência, mas sim uma relação de resposta. Para mim, o cerne do pensamento religioso nas religiões monoteístas está provavelmente muito além, certamente também no hinduísmo e no budismo. Mas fiquemos com o cristianismo. Para mim, a ideia básica é que a razão da minha existência não é o universo silencioso, um mecanismo frio, o mero acaso ou mesmo uma contraparte hostil, mas sim que existe uma relação de resposta. “Chamei-te pelo nome, tu és meu.” Se isso não for um apelo de ressonância...! Algo me chamou e se referiu a mim. Ou imaginemos o conceito: “Dei-te o sopro da vida”. Há um número infinito de tais imagens na Bíblia e, portanto, eu as interpreto como um único documento de clamores, chamados e apelos a serem ouvidos, a ressoarem, a ecoarem diante de um mundo fortemente silencioso.

E a Bíblia, a fé, a Igreja dá esta única resposta, esta única promessa: há alguém que pretendeu que você existisse, que chamou você, que também ouve você, mesmo que não esteja disponível aqui e agora. A ressonância em si mesma é constitutivamente indisponível, acabamos de ouvir isso, mesmo com a ressonância com pessoas no mesmo espaço; mas o crucial é a promessa – mas será que é uma promessa – de que estamos em uma relação de ressonância. 

As Igrejas podem facilmente romper essa promessa se elas mesmas se tornarem uma autoridade de aço que já não ouve, que já sabe e, portanto, também não ouve as pessoas, mas lhes dá ordens e possivelmente até abusa delas. Mas tem a oportunidade de abrir e manter os espaços potenciais e de ressonância. E aí se forma um eixo de ressonância tangível e fisicamente visível, por exemplo na postura de oração; o que está em jogo é sentido até mesmo fisicamente. 

Como sociólogo, eu me perguntei: “Quando uma pessoa reza, ela se dirige para fora ou para dentro?”. E a surpreendente conclusão foi: ambas as coisas ao mesmo tempo! Esse mesmo eixo surge a partir da base da minha existência. Aí, na base de sua existência, a pessoa em oração mantém uma relação com o outro abrangente, como diz Karl Jaspers. A essência da minha existência é uma relação de ressonância.

Esse não é apenas um pensamento teológico, é uma prática religiosa viva. Vejamos, por exemplo, a Ceia do Senhor. Três eixos de ressonância são ativados ao mesmo tempo, aquele entre as pessoas, das pessoas em relação às coisas e ao outro abrangente – cria-se uma communio, uma relação entre as pessoas e uma relação com o todo abrangente. 

Não estou perguntando se é razoável crer, se há provas da existência de Deus, se a Bíblia explica o mundo, ou mesmo se ela é a Palavra de Deus, ou algo assim. Não só não consigo responder a todas essas questões como sociólogo, como também não consigo formulá-las de uma forma significativa. Estou preocupado com a questão de que tipo de relação mundial surge da ou na prática religiosa. A minha palavra final, portanto, é: a religião tem o poder, tem um reservatório de ideias e um arsenal ritual cheio de cantos correspondentes, de gestos correspondentes, de espaços correspondentes, de tradições correspondentes e de práticas correspondentes que abrem um sentido daquilo que deve ser invocado, que deve ser transformado, a fim de permanecer ressonante.

Se a sociedade perder isso, se esquecer essa forma de possibilidade relacional, então terá definitivamente acabado. E, portanto, a resposta à questão de saber se a sociedade de hoje ainda precisa da Igreja ou da religião só pode ser: sim! Muito obrigado pela escuta!

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