17 Outubro 2023
A nova fase dramática do conflito entre Israel e Palestina também surpreendeu o Vaticano, historicamente muito atento ao que acontece na Terra Santa. Depois de alguns dias de surpresa e confusão, o Papa e a diplomacia vaticana intervieram colocando alguns pontos firmes.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 12-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
No final da audiência geral de quarta-feira, Francisco fez um apelo para que todos os reféns sejam libertados, depois afirmou claramente que aqueles que são agredidos têm o direito de defender-se, condenou o terrorismo e o extremismo e manifestou a sua preocupação com o cerco a que Gaza está sujeita, onde também existem muitas vítimas inocentes.
As palavras do pontífice haviam sido acompanhadas no dia anterior por duas intervenções de autoridade; em primeiro lugar o secretário de estado, card. Pietro Parolin, falando durante um importante evento organizado pela Pontifícia Universidade Gregoriana sobre os novos documentos que emergiram dos arquivos vaticanos em relação justamente à questão da relação entre Pio XII e a perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, havia apelado à diplomacia, superado esse momento de emotividade, para disponibilizar todas as iniciativas possíveis para evitar uma escalada da guerra.
“Certamente terá que haver o empenho de todos”, disse o cardeal, “para tentar limitar primeiramente este conflito que eclodiu de uma forma completamente surpreendente." Depois será necessário “implementar todas as ferramentas da diplomacia, uma vez superado esse primeiro momento onde é muito difícil raciocinar sobre a situação, estando todos tomados pela emotividade do que está acontecendo."
Na mesma linha, em entrevista concedida às mídias do Vaticano, havia se manifestado o patriarca latino de Jerusalém que recentemente se tornou cardeal, Pierbattista Pizzaballa.
De fato, o patriarca havia pedido à comunidade internacional que interviesse com negociações reservadas, dado que as negociações públicas nesse cenário nunca funcionam, para chegar a um cessar-fogo mais urgente do que nunca para a retomada de qualquer iniciativa diplomática.
Anteriormente, porém, uma tomada de posição dos patriarcas cristãos da Terra Santa havia sido fortemente criticada pela embaixada de Israel junto à Santa Sé pela ambiguidade linguística utilizada e porque, de fato, permanecendo no genérico das afirmações, não distinguia entre agredido e agressor.
É provável, contudo, que aquele primeiro pronunciamento das igrejas cristãs na Terra Santa tenha sido também influenciado pela passividade e indiferença com que o governo liderado por Benjamin Netanyhau, do qual fazem parte alguns partidos de extrema direita ligados ao fundamentalismo religioso (expresso, entre outros, pelo Ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir), testemunhou diversas ofensas e provocações contra peregrinos e instituições cristãs nos últimos meses.
Por último, no dia 1º. de outubro, alguns judeus ultraortodoxos cuspiram num grupo de peregrinos cristãos que percorriam as ruas de Jerusalém em procissão carregando uma grande cruz. Segundo o jornal Jerusalem Post, embora esse último episódio tenha sido condenado pelas autoridades políticas e religiosas israelenses, “não foi um evento isolado. Nos últimos meses os extremistas judeus têm tomado como alvo os sítios cristãos, os turistas e o clero com alarmante impunidade, encontrando apenas um sussurro de objeção. Esses incidentes incluem atos de vandalismo nos sítios históricos cristãos, confrontos com peregrinos cristãos e comportamento desrespeitoso para com o clero e os fiéis cristãos”.
Essa situação, afirmava ainda o jornal israelense, “não pode persistir. Embora tais atos sejam levados a cabo por uma pequena franja extremista, ofuscam a reputação de todos os israelenses." O Jerusalem Post acusou, além disso, a liderança religiosa do estado judeu incapaz de transmitir os princípios de respeito e fraternidade.
Num contexto, portanto, tornado dramático pela agressão do Hamas e já carregado de tensões, no Vaticano, como em muitas chancelarias do mundo, ficariam pelo menos um pouco tranquilizados com a entrada na coligação governamental de Benny Gantz, líder do partido centrista União Nacional, hoje na oposição, e pela saída de líderes de extrema direita do executivo, segundo a hipótese de governo de unidade nacional sobre a qual se está trabalhado em Israel. Mas vamos em ordem.
Francisco, no final da audiência geral de quarta-feira, afirmou: “Rezo por aquelas famílias que viram um dia de festa ser transformado num dia de luto e peço que os reféns sejam imediatamente libertados. É direito de quem é atacado se defender, mas estou muito preocupado com o cerco total em que os palestinos vivem em Gaza, onde também existem muitas vítimas inocentes." Depois acrescentou: “O terrorismo e os extremismos não ajudam a encontrar uma solução para o conflito entre israelenses e palestinos, mas alimentam o ódio, a violência, a vingança e apenas fazem sofrer uns e outros. O Médio Oriente não precisa de guerra, mas de paz, uma paz construída sobre a justiça, sobre o diálogo e a coragem da fraternidade”. Significativas, em sentido político, são as palavras do Patriarca Pizzaballa, primeiro cardeal de Jerusalém: “A comunidade internacional deve recomeçar a olhar para o Médio Oriente e para a questão entre Israel e Palestina com mais atenção do que tem demonstrado até agora. E tem que trabalhar muito para acalmar a situação, para levar as partes à razoabilidade através de mediações não necessariamente públicas, porque aquelas públicas nunca funcionarão." “Precisamos”, acrescentou, “condenar todas as formas de violência, isolar os violentos e trabalhar incansavelmente para um cessar-fogo. Porque enquanto as armas falarem não será possível ouvir as outras vozes."
Depois acrescentou: “A escalada do confronto estava à vista de todos. Mas ninguém havia previsto uma explosão de tamanha violência, dimensões e brutalidade. Assim, isso coloca na agenda uma questão que tinha sido deixada de lado: a questão palestina, que talvez alguns pensassem arquivada. Enquanto a questão palestina, a liberdade, a dignidade e o futuro dos palestinos não forem levados em consideração nas formas hoje necessárias, as perspectivas de paz entre Israel e a Palestina serão cada vez mais difíceis."
Palavras só aparentemente óbvias, o tema posto, de fato, é o de uma retomada ativa das negociações para chegar a um acordo definitivo, sem o qual se poderá assistir apenas a longos períodos de trégua entre um conflito e outro; o risco vislumbrado, em suma, é que o que está em curso seja apenas mais um capítulo sangrento de uma história sem fim.
Claro, é preciso dizer que, neste momento, não se vê um interlocutor à altura da situação do lado palestino, a começar pela frágil liderança de Abu Mazen. Por outro lado, se considera que o Hamas nunca foi realmente levado em consideração por ninguém sob esse perfil, e depois dos últimos acontecimentos o seu isolamento internacional é praticamente total.
O próprio Pizzaballa, em conversa com a emissora da CEI, TV2000, comentou assim o massacre que ocorreu no Kibutz Kfar Aza realizado pelos homens do Hamas: “São barbáries injustificáveis, inaceitáveis, a serem rejeitadas moralmente. Expressamos solidariedade às famílias que perderam pessoas, condenando de maneira inequívoca algo assim que não tem compreensão em um contexto cristão e sobretudo humano”.
“É terrorismo islâmico? Há algo no mundo islâmico”, acrescentou o card. Pizzaballa, “que alimenta um pensamento desse tipo. Vimos isso na Síria e no Iraque. Pensávamos que não veríamos isso aqui, mas em vez disso aconteceu. Há certamente uma dimensão de ódio profundo por parte do Hamas em relação a Israel e a tudo o que é judaico. Mas isso não é justificável. A dor dos palestinos não pode justificar algo assim."
“A saída”, disse o Patriarca latino de Jerusalém, “é parar as armas e tentar encontrar, ao longo do tempo, uma solução para esses 5 milhões de pessoas que não podem viver suspensas sem perspectivas de futuro como povo e como nação".
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Apelos pelos reféns e Gaza. O difícil equilíbrio do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU