01 Junho 2023
Russell P. Johnson é vice-diretor do programa de graduação em estudos religiosos da Divinity School da Universidade de Chicago. Sua pesquisa se concentra no antagonismo, não-violência e filosofia da comunicação. Nesta carta, alerta os jovens sobre os perigos e as desvantagens da Inteligência Artificial.
A carta é publicada por Chicago Divinity School, 31-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caros estudantes,
Vocês certamente já estarão familiarizados com o ChatGPT e outros programas de inteligência artificial capazes de compor textos. Talvez vocês o tenham usado para seus trabalhos da faculdade: um estudo mostra que, até janeiro deste ano, 30% dos estudantes universitários o fizeram.
O rápido desenvolvimento dos conteúdos gerados pela IA levou a uma espécie de crise no ensino superior. O fim da elaboração de textos universitários já foi previsto, embora alguns argumentem que as informações sobre sua morte tenham sido exageradas.
Em fevereiro, um de seus colegas sugeriu com otimismo que o início da IA poderia significar o fim das sugestões de textos banais. Justamente como os leões tornam o rebanho de antílopes mais rápido comendo os membros mais lentos, assim o GPT pode obrigar os professores a desenvolver melhores sugestões de trabalhos sem fáceis respostas automatizadas.
Mas os desenvolvimentos nas últimas semanas sugerem que mesmo as sugestões criativas não podem escapar das garras famintas da IA. Isso levou muitos professores dispostos a se adaptar a acolher os nossos novos senhores robôs projetando tarefas que requerem o uso ponderado da tecnologia.
Agora, gostaria de lhes lembrar, meus caros alunos, da seriedade do que acontecerá se vocês forem pegos usando essa tecnologia em seus trabalhos acadêmicos.
O uso dessa tecnologia para criar ensaios é uma forma de plágio e, efetivamente, a própria tecnologia é plagiante. Como escreve a estudiosa bíblica Anathea Portier-Young: “É uma violação das normas e das expectativas de integridade acadêmica que exigem que seu trabalho seja seu. Ferramentas como o ChatGPT coletam as ideias e o trabalho dos outros sem dar-lhes crédito”.
Devo avisá-los de que a competição armada entre programas de IA e programas de detecção de IA ainda não foi definitivamente vencida, e qualquer um que for pego usando o ChatGPT para seus trabalhos enfrentará processos disciplinares universitários.
Em vez disso, encorajo vocês a pensar no que lhes acontecerá se usarem inteligência artificial e não forem descobertos. O que vocês perderão se subverterem o processo de escrita? Aprender a escrever artigos argumentados é simplesmente um trabalho árduo a ser automatizado sempre e o mais rápido possível ou é um exercício espiritual?
Quando eu encarrego vocês de escrever um texto de quatro páginas sobre o Zhuangzi, por exemplo, não é porque me iluda que vocês irão precisar desse conhecimento na sua futura vida profissional. Escrever um artigo de quatro páginas sobre o Zhuangzi não irá prepará-los para competir no cenário econômico altamente competitivo dos Estados Unidos do século XXI. Gastar tempo com a filosofia taoísta irá, no máximo, torná-los menos empregáveis, já que os CEOs tendem a não se entusiasmar com o “não fazer”.
Não, a razão pela qual eu insisto que vocês escrevam sobre temas como esse é que eles lhe propiciam uma capacidade preciosa de descobrir intuições e comunicá-las aos outros. Ler os textos com atenção, encontrar um problema, desenvolver uma interpretação plausível e persuadir os leitores de tal interpretação: essas são as etapas que devem ser realizadas para escrever um bom texto.
Passar por essas etapas repetidas vezes nos torna pensadores mais claros e melhores comunicadores. Resolver as confusões que os leitores poderiam ter durante a leitura do Zhuangzi dá-nos a possibilidade de imaginar como as outras pessoas veem o mundo e mostra-lhes uma representação mais precisa da situação.
O teólogo Jonathan Malesic explica isso muito bem: “Igualmente importante, aprender a escrever treina a sua imaginação a assumir o papel da pessoa que lerá suas palavras. Escrever, portanto, é um ato ético. Coloca você em relação com alguém que você poderia não conhecer, com alguém que poderia, de fato, ainda nem existir. Quando você aprende a escrever, aprende a exercer a sua responsabilidade para com aquela pessoa, a satisfazer as suas necessidades num contexto que não você não pode conhecer plenamente”.
Aprender a escrever de forma persuasiva implica aprender a ver o mundo através dos olhos de outra pessoa, identificar os limites de sua perspectiva e guia-la para uma nova usando razões e provas.
Certamente se pode desenvolver essas capacidades fora da faculdade, mas os cursos universitários fornecem um ambiente supervisionado e de baixo risco para praticar as artes retóricas da invenção, da organização e do estilo. Na melhor das hipóteses, esse treinamento à redação prepara vocês para empregar simultaneamente empatia, imaginação e inteligência no ato de se comunicar com alguém que não está de acordo com vocês.
Essa prática pode ter significado religioso. De acordo com o autor budista Charles Johnson, a prática do upaya kausalya de parte do Buda, comporta "a adequação da sabedoria ao nível em que seus ouvintes podem recebê-la". Não basta saber o dharma, também é preciso saber partilhá-lo com aqueles que não o aceitaram. Muitas religiões envolvem a responsabilidade de mostrar aos outros verdades que, no momento, poderiam não reconhecer.
Como escreve Ludwig Wittgenstein: "Para convencer alguém da verdade, não basta afirmá-la, mas é preciso encontrar o caminho do erro para a verdade".
Sei que pode parecer que vocês estão simplesmente aprendendo uma forma de escrever ensaios e aplicá-la repetidamente. Mas essa forma espelha a estrutura do pensamento, e um bom ensaio é completamente dialógico: antecipando objeções, respondendo a interpretações erradas e fornecendo apenas o necessário para levar alguém da confusão para a clareza.
Paradoxalmente, escrevemos ensaios no isolamento para que possamos chegar à verdade por meio de conversas. Portanto, mesmo que vocês estejam escrevendo seus trabalhos sozinhos na biblioteca às 2h14 da madrugada, vocês estão melhorando no pensar junto com os outros, uma habilidade rara e necessária numa época de desinformação e polarização.
Além disso, prestem muita atenção ao mundo quando souberem que terão que escrever algo. Conta-se que o dramaturgo chinês Li Yu tenha afirmado que se deve manter a caneta na manga durante o dia, para que, quando chegar a hora de escrever, tudo se apresente.
Se eu sei que daqui há um mês terei que escrever um artigo sobre coragem, começo a ver coragem brotando de todos os lugares: em artigos do noticiário, nas matérias de eventos esportivos e nos anúncios de criptomoedas. Escrever trabalhos acadêmicos sintoniza sua atenção para captar aspectos da experiência que poderiam ter ignorado e, como Iris Murdoch defende, a própria escrita é um ato de desenvolvimento da capacidade de atenção.
Santo Agostinho, João Calvino, Wittgenstein, E.M. Forster, Joan Didion e Stephen King não têm muito em comum (alunos, podem confiar em mim quanto a isso). Mas todos afirmam ter aprendido o que pensam por meio do ato de escrever.
Para a maioria de nós, escrever é um processo pelo qual nossas ideias se tornam claras, não um processo pelo qual pegamos o que está claro nas nossas mentes e o traduzimos em prosa. A escrita cozinha nossas ideias apenas pela metade. Torna a mente mais transparente para si mesma. Não se pode separar claramente a escrita para a autoexpressão (a sua poesia, por exemplo) do tipo de escrita que fazemos para os outros (o seu texto de quatro páginas). Se vocês usarem o ChatGPT para escrever seus trabalhos, vocês se privam das vantagens de se confrontar com aquilo em que realmente acreditam.
Fazer com que um programa de IA escreva um texto para você é como ligar uma escada rolante, deixá-la funcionar por 26,2 milhas sem dar um passo e depois afirmar ter corrido uma maratona. Estão reforçando dentro de vocês a ideia de que um diploma é mais importante que uma educação, que tirar uma nota é mais importante que aprender.
Quer sejam descobertos ou não, eu os convido a examinar suas prioridades e considerar o que estarão perdendo se passarem por cima da tarefa frustrante, mas gratificante, de escrever.
Eu também quero que vocês pensem em mim. Vocês são responsáveis perante o seu leitor efetivo, não apenas seus leitores imaginários. Se vocês enviam um documento escrito por computador, terei que gastar trinta minutos para avaliar um documento escrito por computador.
Dedicarei meia hora do meu tempo – o nosso recurso mais insubstituível – apontando gentilmente os defeitos de raciocínio e de estilo, relendo os “seus” argumentos para ter certeza de que entendi os “seus” pontos de vista e oferecendo críticas construtivas que sejam tanto honestas como encorajadoras. Esse é o tempo que eu poderia ter dedicado ao voluntariado em uma instituição de caridade local, olhando o nascer do sol sobre o Lago Michigan ou dizendo à minha esposa que a amo.
Estou passando parte do que Mary Oliver chama de minha "única vida selvagem e preciosa", dando a vocês um feedback sobre os trabalhos que me enviam. Faço isso porque me preocupo com vocês e porque acredito que, mesmo que eu seja o único que os irá ler, sua escrita é importante.
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ChatGPT: carta aos meus alunos. Carta de Russel P. Johnson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU