21 Fevereiro 2023
No dia 20 de janeiro passado, a tenda do Pizzigoni, nossa igreja paroquial de Longuelo (BG), recebeu a teóloga francesa Valérie Le Chevalier, muito próxima por pensamento e formação à Companhia de Jesus que dirige, em Paris, o instituto universitário Centre Sèvres e, em particular, ao padre Christoph Theobald. Valérie é leiga, esposa e mãe, e concluiu em idade adulta seu percurso de estudos teológicos. Há alguns anos publicou um ensaio, editado na Itália em 2019 pelas edições Qiqajon de Bose, intitulado Credenti non praticanti (Crentes não praticantes). O livro, que questiona a atenção que a Igreja deveria dar a todas aquelas pessoas, que já são a maioria, embora não frequentem regularmente a missa, são, sentem, gostariam de se dizer, cristãos católicos. Apresentamos a ela algumas perguntas, questões urgentes também para nós, que procuramos uma forma de ser e fazer Igreja que acolha novas instâncias, reconhecendo a crise que está esvaziando as nossas igrejas. O encontro foi organizado em conjunto com outras paróquias, a comunidade de San Fermo e o departamento da pastoral social.
A reportagem é de Umberta Pezzoni, publicada por Settimana News, 16-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Senhora Valérie, a crise do cristianismo é o fim de um mundo ou é um momento em que temos que vislumbrar o surgimento de novos rebentos? E que papel desempenham a Igreja e os cristãos nesta situação?
Acredito que a crise sempre esteve presente no cristianismo. Não conheço épocas do cristianismo em que não tenha havido crise e em que o Magistério não tenha tentado regulamentar a vida dos fiéis leigos.
Por outro lado, na história do cristianismo, especialmente na França, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial houve uma crise importante dentro da Igreja: os bispos apelaram aos sociólogos para analisar o povo cristão.
Essa investigação considerou os fiéis como praticantes apenas em relação à sua participação na missa, sem levar em conta a oração, as obras de solidariedade, a piedade popular.
Nas décadas de 1950 e 1960, portanto, muitos cristãos franceses se descobriram como não praticantes, porque não iam à missa semanalmente. No entanto, a pertença à Igreja tem muitos níveis: há sacerdotes, religiosos e praticantes, mas também há quem se aproxima para pedir o batismo, o funeral, o matrimônio. São pessoas que conhecem o endereço da paróquia e, de vez em quando, batem à porta.
Eu, Valérie, nós cristãos, devemos zelar para não impedir o acesso aos sacramentos daqueles que, a nosso ver, têm uma fé não sólida ou não explícita.
Segundo a sua tese, as comunidades herdaram da tradição cristã uma forte atenção à figura do discípulo em detrimento de inúmeras figuras, por exemplo a multidão que seguia Jesus. Talvez a figura do discípulo possa representar o problema das nossas comunidades paroquiais?
Depois da multiplicação dos pães, Jesus manda a multidão para casa. Essas pessoas também são enviadas em missão e a sua história é contada nos Evangelhos: recordamos a samaritana junto ao poço de Sicar, o cego Bartimeu, a mulher cananeia que se aproxima de Jesus... Esses personagens secundários são muito importantes.
Nossas igrejas e nossas comunidades são lugares de passagem e devemos nos sentir livres para deixar voltar para casa as pessoas que passam. Jesus de Nazaré agia com gratuidade incondicional.
Nós, que somos discípulos e estamos enraizados na comunidade, devemos sentir-nos investidos de uma responsabilidade para com todos os que estão de passagem e que têm uma outra forma de estar na relação com Cristo. A nossa maneira de nos comportar com eles não deve impedir a sua aproximação: como diz o Papa Francisco, devemos ser funcionários da alfândega.
Em termos de experiência de fé, qual é o papel das práticas rituais? A centralidade da Eucaristia tornou-se um problema em relação ao valor de todo caminho de fé?
Em primeiro lugar, é preciso dizer que a última ceia de Jesus não foi uma multiplicação dos pães: Jesus convidou apenas doze pessoas e pediu que replicassem a ceia em memória dele, para muitos, para remissão dos pecados.
A covid nos fez experimentar que é possível sobreviver sem Missa e que a vida tem dimensões eucarísticas. Percebemos que a Eucaristia é um sacramento que pode prescindir da nossa presença, só precisa de uma pessoa para ser celebrada: o padre. Experimentamos que estar em comunidade é diferente de estar presentes na igreja no momento da Eucaristia.
Isso deve nos questionar: a Eucaristia é vital, mas há algo mais que acontece no sacramento que nos ultrapassa e nos torna não necessários.
Se as práticas religiosas já não são tão decisivas para os crentes, estaremos perante uma possível dissolução da ideia de religião?
Não, acho que a presença de lugares de referência, como a paróquia, seja indispensável. Talvez tomem formas e modelos diferentes, mas o catolicismo deve continuar a existir e a ser visível e acolhedor.
Devemos continuar a transmitir aos nossos filhos, aos nossos herdeiros, as nossas paixões pelas montanhas, pelo jazz, pelo bom vinho e, no pacote das transmissões, não devemos deixar de transmitir a nossa fé, de uma forma ou de outra.
Valérie, você é mulher, mãe, esposa, teóloga, crente, praticante: é uma pessoa adequada para falar sobre o papel da mulher na Igreja.
Acredito que o papel da mulher na Igreja seja ser uma espécie de parceira de Deus. O que digo não é imodesto: de fato, na história bíblica pode-se ler que Deus trabalha muito frequentemente com as mulheres.
Pessoalmente, não luto para que as mulheres se tornem padres ou diáconos, mas para que não seja mais necessário um sacramento para se tornar ministros da Igreja. Acho que a teologia dos ministérios precisa seriamente refletir sobre isso.
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Não apenas missa e paróquia. Entrevista com Valérie Le Chevalier - Instituto Humanitas Unisinos - IHU