09 Fevereiro 2023
O teólogo tcheco e sociólogo das religiões Tomáš Halík foi convidado a abrir a Assembleia sinodal europeia na última segunda-feira, 6 de fevereiro, em Praga, com uma "introdução espiritual".
A entrevista com o padre Tomáš Halík foi feita por Céline Hoyeau e Malo Tresca em La Croix, 06-02-23. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como a Igreja pode ser mais relevante na Europa, nas sociedades secularizadas? Deve adaptar-se à evolução da sociedade ou, pelo contrário, agir como contracultura?
A missão principal da Igreja é a evangelização que consiste numa inculturação, um esforço para insuflar o espírito do Evangelho no modo de pensar e viver das pessoas de hoje.
Caso contrário, a evangelização é apenas uma doutrinação superficial. A Igreja não pode e não deve fazer parte da contracultura, ou estar na resistência, exceto no que diz respeito a regimes repressivos como o nazismo, o fascismo e o comunismo.
As tentativas de fazer do catolicismo – especialmente entre meados do século XIX e meados do século XX – uma contracultura, contra a sociedade, contra as modernas cultura, ciência e filosofia, levaram a uma autocastração intelectual. Causaram o afastamento de grande parte da classe trabalhadora, dos intelectuais e dos jovens. O medo e a aversão à cultura moderna levaram a uma exculturação e contribuíram significativamente para a secularização das sociedades ocidentais.
Os esforços do Vaticano II para dialogar com a modernidade e o humanismo secular chegaram tarde demais – em um momento em que a modernidade já estava no fim. A sociedade pós-moderna apresenta às Igrejas oportunidades e desafios muito diferentes daqueles da modernidade. Para se tornar uma voz crível e inteligível em uma época de pluralidade radical, a Igreja deve passar por uma profunda reforma – e espero que o processo sinodal permita que ela se inicie.
Tais transformações não correm o risco de dissolver a mensagem cristã – como o papa parece temer diante das posições mais extremas do caminho sinodal alemão?
A via alemã parece dar grande importância à mudança das estruturas institucionais.
Levanta com audácia questões que não podem ser tabus, e falo dos problemas cuja solução não pode ser adiada indefinidamente. No entanto, insisto no fato de que as reformas institucionais - como os problemas ligados às condições para o exercício do ministério sacerdotal - devem preceder e acompanhar um aprofundamento da teologia e da espiritualidade.
O processo de secularização se acelerou na Europa devido à crise dos abusos. No que essa crise pode ser um "sinal dos tempos" para a Igreja?
Os abusos sexuais desempenham um papel semelhante ao dos escândalos ligados ao comércio de indulgências, pouco antes da Reforma. A princípio, os dois fenômenos pareciam marginais. Mas ambos revelaram problemas sistêmicos muito mais profundos. No caso das indulgências, questionava-se a relação entre a Igreja e o dinheiro, entre a Igreja e o poder, entre o clero e os leigos. No caso dos abusos sexuais, psicológicos e espirituais, trata-se da doença do sistema que o Papa Francisco definiu como “clericalismo” definiu como “clericalismo”. O papa convida à transformação do rígido sistema do poder clerical, numa Igreja que seja uma rede dinâmica de cooperação recíproca, um caminho comum (syn hodos). Esse caminho conduz necessariamente a transcender as atuais fronteiras institucionais e mentais da Igreja; deve conduzir a um ecumenismo mais profundo e mais amplo - a um apelo dirigido a todos a empreender o caminho da "fraternidade universal" - que é o nosso objetivo escatológico.
O processo sinodal mostrará se a Igreja terá a coragem da “autotranscendência”. A identidade do cristianismo não é algo estático e imutável: reside na participação no drama da Páscoa. Muitas coisas na Igreja devem morrer para que aconteça a ressurreição – e não se trata de uma “reanimação”, de um retrocesso, mas de uma transformação radical.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"A Igreja deve passar por uma reforma profunda". Entrevista com Tomáš Halík - Instituto Humanitas Unisinos - IHU