02 Janeiro 2023
“Os conservadores tentaram limitar o Concílio a uma análise textual, mas assim deixam de entender o que o Concílio significou para os participantes e para aqueles que, como eu, viveram na Igreja pré e pós-Vaticano II. Foi uma revolução que abriu nossos olhos para o que a Igreja pode ser se ousarmos”, escreve o jesuíta estadunidense Thomas Reese, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 27-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Passados 60 anos desde a abertura do Concílio Vaticano II, são poucos os vivos que se lembram do evento, menos ainda os que participaram.
O Concílio, compreendendo todos os bispos católicos do mundo e convocado pelo Papa João XXIII, começou em 11 de outubro de 1962 e terminou em 8 de dezembro de 1965, com o sucessor Papa Paulo VI.
O último bispo americano a participar do Concílio, o arcebispo Raymond Hunthausen, morreu há quatro anos, aos 96 anos. O Papa Bento XVI, de 95 anos, atuou como perito quando era um jovem padre de 30 anos.
A distância do Concílio tem permitido diferentes interpretações do acontecimento.
A extrema-direita afirma que o Concílio foi um erro; destruiu a Igreja ao abandonar o dogma e colocar a missa no idioma vernáculo. Eles argumentam que a Igreja deveria exigir estrita observância de seu ensinamento moral (embora também ignorem as exigências do Ensino Social da Igreja).
A esquerda argumenta que o Concílio não foi longe o suficiente em seu propósito declarado: atualizar a Igreja para o mundo moderno. O Concílio foi um bom começo, dizem esses críticos, mas é preciso fazer mais – permitindo que as mulheres sejam ordenadas ao sacerdócio, por exemplo, e permitindo que todos os padres se casem. Eles também priorizam o Ensino Social da Igreja sobre o Ensino da Igreja sobre sexualidade.
Não há muitos católicos na extrema-direita. Aqueles que querem voltar à missa em latim são poucos, mas barulhentos. Pesquisas de opinião pública mostram que há apoio para a ordenação de mulheres e pessoas casadas, e menos apoio para a ética sexual da Igreja ou seu ensino social.
Entre as elites da Igreja, no entanto, os maiores debates nos últimos 55 anos foram sobre a interpretação dos documentos do Vaticano II. Os conservadores enfatizaram a continuidade do Concílio com o passado, enquanto os progressistas enfatizaram como o Concílio mudou a Igreja.
O que confundia qualquer um que acompanhava esses debates era a capacidade de qualquer um dos lados de encontrar passagens nos documentos do Concílio que apoiassem suas posições.
A origem dessa confusão remonta ao desejo do Papa Paulo VI de que os documentos conciliares fossem aprovados por consenso. A maioria dos votos não era suficiente; nem mesmo uma votação de dois terços serviria. Ele queria quase unanimidade.
Para chegar a um consenso, Paulo VI exigiu que o Concílio aplacasse sua minoria conservadora. Isso significava que questões controversas eram descritas com linguagem ambígua e aberta a diferentes interpretações. Às vezes, um parágrafo contradizia outro. E algumas questões, como controle de natalidade, foram simplesmente retiradas da mesa.
Os progressistas aceitaram esses compromissos porque achavam que o futuro lhes pertencia. Mas quando João Paulo II foi eleito, ele adotou uma linha conservadora em muitas dessas passagens ambíguas.
Acreditando que a Igreja pós-Vaticano II estava um caos, João Paulo II pressionou por estabilidade. Outras mudanças não aconteceriam sob sua supervisão. Ele trouxe Joseph Ratzinger, mais tarde Bento XVI, ao Vaticano para garantir que sua interpretação do Vaticano II fosse a única interpretação aceitável na Igreja. Teólogos e padres que não o aceitaram foram demitidos dos seminários e afastados das chancelarias. Os partidários, entretanto, tornaram-se bispos.
Os conservadores podem vencer o debate sobre o Vaticano II apenas ignorando a história. Eles abordam os documentos do Concílio como fundamentalistas bíblicos que leem as Escrituras sem entender o contexto histórico e cultural da passagem. Eles são como textualistas judiciais que simplesmente olham para as palavras da lei sem respeitar a intenção dos legisladores.
Para os conservadores, basta citar o texto conciliar e a interpretação dada por João Paulo II e Bento XVI. Ponto final, fim de discussão.
Para aqueles que desejam entender o Concílio, nada melhor do que o livro “O que aconteceu no Vaticano II”, do historiador jesuíta John W. O'Malley. Nesse livro, encontraremos uma boa pesquisa e um relato legível do Concílio.
No livro está o que o jesuíta James Martin, editor-geral da revista America, chama de “melhor parágrafo curto sobre como o Concílio Vaticano II mudou a Igreja”:
“Dos comandos aos convites, das leis aos ideais, da definição ao mistério, das ameaças à persuasão, da coerção à consciência, do monólogo ao diálogo, do governo ao serviço, do retraído ao integrado, do vertical ao horizontal, da exclusão à inclusão, da hostilidade à amizade, da rivalidade à parceria, da suspeita à confiança, do estático ao dinâmico, das aceitações passivas ao engajamento ativo, da condenação à apreciação, do prescritivo aos princípios, da modificação de comportamento à apropriação interior.”
Os conservadores tentaram limitar o Concílio a uma análise textual, mas assim deixam de entender o que o Concílio significou para os participantes e para aqueles que, como eu, viveram na Igreja pré e pós-Vaticano II. Foi uma revolução que abriu nossos olhos para o que a Igreja poderia ser se ousássemos.
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Os conservadores podem vencer o debate sobre o Vaticano II apenas ignorando a história - Instituto Humanitas Unisinos - IHU