13 Junho 2022
São como os pais e mães da teologia dos últimos vinte anos. E como as crianças, que pedem a mão dos adultos para olhar o horizonte, assim, para pensar no futuro, Marinella Perroni e Brunetto Salvarani propuseram a uma série de colegas para subir nos ombros de gigantes. Olhar para aqueles teólogos - de Hans Küng a Kari Elisabeth Børresen, de Jacques Dupuis a Rosemary Goldie, para citar apenas alguns dos 26 narrados - que, muitas vezes pagando um preço muito alto para permanecerem fiéis à sua inteligência e consciência, definiram percursos de reflexão inovadores. Eles fizeram isso no livro Guardare alla teologia del futuro. Dalle spalle dei nostri giganti (Olhar para a Teologia do Futuro. Dos ombros dos nossos gigantes, em tradução livre, Claudiana 2022, pp. 304, € 24). "Existe uma responsabilidade com relação à falta de memória que nosso livro quer manter viva", diz Salvarani. "Fizemos isso porque esperamos que alguém continue e vá em frente", acrescenta Perroni.
A entrevista é de Vittoria Prisciandaro, publicada por Jesus, junho-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Vocês falam sobre as últimas décadas da teologia, do pós-concílio. Como a visão da Igreja Católica mudou com o Vaticano II?
Perroni: A que foi concebida pelo Vaticano II foi uma Igreja in fieri, que impulsionava porque "caminhando se abre o caminho", uma teologia que permitiu vislumbrar sementes e brotos que precisavam ser cuidados e feitos crescer.
Não foi assim. E hoje é difícil recuperá-los, porque o mundo mudou nesse meio tempo e mudou a estrutura perceptiva e cognitiva dos católicos. Há batalhas que, por exemplo, a Igreja italiana pretende lutar, mas que à maioria dos italianos não importam, estão fora do radar. E outras que não encontram atenção na CEI, mas são centrais para ver o que o futuro nos pede. Hoje eu diria que uma palavra chave é desorientação, tanto por parte da hierarquia como dos fiéis.
Salvarani: Estes 60 anos que nos separam do Concílio Vaticano II são, na realidade, muitos mais. A "aceleração" de que fala Francisco na Laudato si’ diz respeito a todos. Deixe-me dar um exemplo: em 28 de outubro de 1965, os Padres conciliares votaram a declaração Nostra aetate, que é uma abertura de crédito sobre o futuro, uma virada na atitude em relação às outras religiões, uma novidade que explode à luz de um novo olhar sobre Israel. Mas no espaço de poucos anos o pluralismo religioso irrompe no cenário social europeu, e o paradigma inclusivo cristocêntrico que então era afirmado já parece superado, no sentido que deveria ser ainda mais revisto o papel das religiões como vias de salvação. Os Padres conciliares tinham em mente deixar para trás o paradigma tridentino, mas talvez ainda o estejamos seguindo. Nem a visão da paróquia, nem da Igreja local, nem daquela nacional parecem estar à altura de uma situação tão transformada.
O Papa Francisco está fornecendo sinais claros a esse respeito, por exemplo, envolvendo nos consistórios países em que os cristãos são minoria ou escolhendo abrir o Jubileu da Misericórdia na África Central. Hoje estamos em uma fase de transição ou que nos pede para reinventar o cristianismo, porque aquele em que crescemos não tem mais razão de existir, não funciona mais, basta pensar na nossa incapacidade de transmitir a mensagem cristã às gerações jovens. É necessário perguntar-nos o que significa hoje anunciar a salvação cristã.
Perroni: O problema é que exportamos o tridentinismo para as jovens Igrejas que agora o estão repropondo para nós. O Vaticano II queria superar não apenas o Tridentino, mas a Igreja Constantiniana, ou seja, a Igreja que havia sido construída ao longo de toda a Idade Média herdando a forma imperial. A Ucrânia hoje está nos lembrando que no mundo existem nações, mas elas supõem a coexistência de minorias, algumas das quais sufocadas. O grave problema é que toda globalização agora não pode mais ser explicitada em termos imperialistas, deve acertar as contas com a fragmentação. O entrelaçamento entre global e local é característico da atualidade. Como a Igreja Católica pode ser global e local? Este é um problema que Francisco vislumbrou quando pensava na autonomia pastoral das Conferências Episcopais, mas que explodiu em sua mão. Porque no momento em que alemães ou amazônicos a reivindicaram, ele foi o primeiro a puxar o freio de mão.
Quais são os caminhos que olham para o futuro que a teologia identificou nos últimos anos?
Perroni: Certamente o horizonte ecumênico, aliás, eu diria "transreligioso". É preciso repensar-se dentro de uma pluralidade de abordagens, que para uma parte dos acadêmicos não são metodológicas, mas ideológicas, ligadas a diferentes territórios e situações históricas e culturais. E depois a atenção à criação, à paz. Na década de 1970, as teologias dos genitivos começaram e foram fortemente atacadas. Mas hoje sinto que posso dizer que a teologia é declinada como teologia dos genitivos ou está acabada. No entanto, nas faculdades teológicas não existem tais abordagens.
Na Itália, a teologia está abrindo caminho, com ensinamentos que têm nomes diferentes, mesmo nas faculdades leigas. O que isto significa? Quais podem ser as perspectivas?
Perroni: Pagamos um preço muito alto por termos separado a cultura teológica do resto da ágora pública. A teologia que se faz na faculdade leiga é um caminho, um germe que pode dar frutos, mas estamos muito atrasados. Na Itália nunca houve um discurso cultural amplo.
Salvarani: A teologia que se estuda hoje nas faculdades teológicas é em grande parte obsoleta, ainda muito centrada em Roma. Em vez disso, hoje a palavra-chave é "contextual": fazer a teologia nas periferias, nas fronteiras, nos lugares onde a novidade pode surgir. O erro cometido nos últimos anos foi o de separar a teologia para os leigos e aquela para os presbíteros. E isso não produz o que precisamos: uma teologia pública, que está no debate, na cidade, no esforço de entender as mudanças. Vamos pensar em quantas coisas aconteceram on-line durante a pandemia, e quão pouco surgiu na reflexão teológica.
Hoje, quando mais do que nunca precisamos da reflexão ecumênica, anunciamos sua crise. O ecumenismo sempre foi o parente pobre das disciplinas teológicas, mas é de vital importância porque dizer Jesus em Igrejas fragmentadas, inclusive em guerra umas com as outras, é um contratestemunho colossal que não serve a ninguém. Estamos em uma conjuntura que precisaria de um salto de qualidade. É uma necessidade de que fala a Veritatis gaudium. Mas quanto desse processo hipotético de imaginação, fantasia, transparência se traduz em didática nas faculdades e nos institutos? Claro, é um caminho que custa parrésìa e empenho...
Neste momento, parece-me que falta uma teologia da paz, talvez mais necessária do que nunca. Que características deveria ter?
Perroni: A teologia da paz faz sentido se aceita a dimensão da sua própria historicidade. Porque se existe um lugar onde há uma teologia da guerra, é a Bíblia e a tradição judaica e cristã. É necessário, portanto, como academia, que a teologia se repense, se sinta na história, com a consciência de que tem sua responsabilidade pelas atrocidades da história. O problema, na Itália, é que não se faz história da teologia, se faz conceituação, doutrina. É precisamente a paz que nos impõe de fazer história da teologia. A grande aquisição pós-conciliar foi precisamente esta: a teologia nunca pode ser separada da história.
Há também outro tema que emerge de nosso livro. Os teólogos com quem conversamos tinham um ponto em comum, cresceram em um mundo teológico no qual se podia discutir. A discussão era a chave. A certa altura o magistério transformou a discussão em processos, tirou o ensinamento dos teólogos mais promissores. E perdemos o espírito da teologia como pesquisa. A comunidade científica é um lugar de discussão. Ainda hoje o aporte da revista Concilium é enorme, mas infelizmente não se torna tema de discussão nas faculdades de teologia.
Além disso, devemos refletir sobre a responsabilidade que o pensamento teológico tem em relação à vida da comunidade. É a teologia pública, teologia na ágora das ciências, não o cultivo de um reserva de caça onde os futuros padres são doutrinados. É o que emerge dos ensaios de Tanzarella sobre Dupuis, de Mancuso sobre Küng, teólogos que são exemplares do esforço, do sofrimento de ser teólogo na Igreja e no espaço público. Também no que diz respeito à teologia da paz, deve-se iniciar uma discussão e nem tudo deve ser simplesmente atribuído aos bons sentimentos. E eu me pergunto se a Igreja Católica não deveria fazer sua própria teologia da paz internamente, recuperando aqueles que ela condenou em vida.
Salvarani: Em relação à teologia da paz, na Itália, vivemos um período em que se abriram portas que poderiam ter sido portões: a obediência não é mais uma virtude, a carta de Dom Lorenzo Milani aos capelães militares são potencialmente marcos em escala global. E, mais ainda, as conferências do Padre Ernesto Balducci, Se queres paz, prepara a paz, da revista Testimonianze. O trabalho testemunhal e de teologia narrativa de Tonino Belo, Adriana Zarri, Primo Mazzolari, Luigi Bettazzi... são uma série de figuras que deixaram sinais importantes, mas também foram exiladas e execradas, enquanto de suas intuições poderia ter nascido uma teologia da paz de considerável importância, a partir da desconstrução da teologia da guerra que sai das Escrituras.
O Papa Francisco percebe isso. E existe uma geografia de algumas de suas viagens italianas que vai nessa direção, Barbiana, Nomadelfia, Bozzolo. É uma memória preciosa que corre o risco de ser abandonada. E em nível mundial Hans Küng, Jacques Dupuis, Tissa Balasuriya, Bernhard Häring, a teologia da libertação: temos uma teologia ferida, porque foi progressivamente atingida em seus protagonistas e nos projetos estratégicos. E os resultados podem ser vistos, infelizmente.
Francisco como teólogo deu um empurrão para o futuro? E para o ecumenismo ele disse repetidamente "deixemos os teólogos de lado" e prossigamos com os encontros...
Salvarani: Francisco percebe uma urgência da história que exige um salto de qualidade em relação aos tradicionais modelos teológicos do ecumenismo. O problema é que a Igreja Católica, desde que a Unitatis redintegratio foi escrita, optou por favorecer os diálogos bilaterais, que não respondem às urgências da realidade, que exige um olhar global. O Papa segue o modelo latino-americano, que parte da práxis e do esquema ver, julgar, agir. E eu não subestimaria sua insistência na necessidade de caminhar juntos. Lund, em 2016, no 500º aniversário de Lutero, foi um divisor de águas: ali ele agradeceu ao grande reformador porque conseguiu salvaguardar o precioso tesouro das Escrituras. Eis então, esta é a sua maneira de fazer teologia. Muito ainda pode ser feito, estou pensando, por exemplo, na intercomunhão. Mas algo está se movendo, a partir do olhar com que nos reportamos às Igrejas, que não pode mais ser exclusivista.
Perroni: Francisco é o homem da teologia da práxis, do magistério dos gestos. Demasiadas vezes, porém, ele não reconhece a importância da pesquisa teológica enquanto é precisamente esta que alimenta a práxis e pode dar às suas escolhas uma perspectiva que vai muito além do imediato.
Salvarani: No entanto, no pequeno âmbito de uma faculdade como Nápoles, em San Luigi, onde trabalhamos a teologia do Mediterrâneo, algo está se movendo. Na conferência de 2019, Bergoglio abriu algumas brechas; existem pistas, quando fala de inquietação, incompletude, imaginação... trata-se então de ter teólogos e teólogas corajosos. É uma tentativa de tentar ter um olhar diferente. Há alguns elementos que não têm volta, como sua maneira de ser Papa. Na América Latina e em outros lugares, certamente entre mil esforços, já está acontecendo algo que vai além do eurocentrismo.
Costuma-se dizer que o diálogo inter-religioso em nível teológico não está maduro, é melhor parar na vida ou nas obras para o bem comum. É possível pensar em uma teologia inter-religiosa em que se fale de Deus, como pede o teólogo dominicano Adrien Candiard?
Salvarani: Acredito que seja necessário, mas a experiência de comer juntos e trabalhar juntos pela justiça e pela paz também diz respeito à visão de Deus. Fazer isso hoje na Ucrânia envolve você em sua visão de Deus, se você acredita no Deus dos exércitos, da identidade nacional ou no Deus que consola e abraça. Há muitos modelos de diálogo – de vida cotidiana, de obras em comum, de teologia e de mística – e não é que um seja menos importante que o outro.
Perroni: Sim, mas hoje precisamos ir além. Através do diálogo ecumênico descobrimos a Mistificação que havia atrelado a Igreja Católica antes do Concílio, mas se não houver a coragem de desmantelar algo dentro de nossas respectivas instituições, o diálogo existencial e intelectual circunscrito em um pequeno grupo não é suficiente para dar um futuro às nossas Igrejas.
O vosso livro é sobre os gigantes da teologia. Olhando para o hoje e em perspectiva do amanhã, tendo que escolher, quais autores vocês consideram particularmente próximos e proféticos?
Salvarani: No livro identificamos dois caminhos: o primeiro é de gênero, e as teólogas, as biblistas são muitas; o segundo é planetário: os cinco continentes estão presentes, numa dimensão forte e ainda inexplorada, destinada a ter uma enorme repercussão, ainda não sabemos em que direção. Mas o tema é dar espaço, para que venham da África ou da Ásia não apenas as estatísticas sobre os novos batizados, mas as vozes que estão se abrindo para uma reflexão inédita.
Perroni: Não há dúvida de que autores fora do circuito romano, como Juan Carlos Scannone, Tissa Balasurya, Raimon Pannikar empurram as Igrejas para o futuro. Existem autores proféticos, visionários, mas também teólogos europeus como Johann Baptist Metz ou Dotothee Sölle ou tantos outros que garantiram a resistência do tecido conjuntivo da teologia. E também optamos por incluir dois historiadores como Giuseppe Alberigo e Paolo Prodi. Tivemos que nos limitar a falar dos teólogos que morreram nos últimos 20 anos, mas sabemos bem que o enredo da renovação da pesquisa teológica começou muito antes. Não colocamos o nome de Carlo Molari, porque quando escrevemos o livro ele ainda estava vivo. Fizeram-no se aposentar aos 50 anos, mas, juntamente com Dom Lorenzo Milani, Padre Ernesto Balducci, Padre David Maria Turoldo, Giovanni Franzoni, Tonino Bello, também ele contribuiu para fazer ressoar a voz do Concílio inclusive na Itália, que outros, em vez disso, fizeram de tudo para silenciar.
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Fazer teologia amanhã nos ombros de gigantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU