31 Mai 2022
Roman Krznaric (Sydney, 1971) é membro fundador do corpo docente da The School of Life em Londres e consultor em matéria de empatia de organizações como a Oxfam e as Nações Unidas. Krznaric é um filósofo público que escreve sobre o poder das ideias para mudar a sociedade. Seu último livro é: Como ser um bom ancestral. A arte de pensar o futuro num mundo imediatista (Zahar, 2021). Depois de passar a infância em sua cidade natal e em Hong Kong, Krznaric estudou nas universidades de Oxford, Londres e Essex, onde recebeu seu doutorado em Sociologia Política. É fundador do primeiro Museu da Empatia do mundo e também pesquisador da Long Now Foundation e membro do Clube de Roma.
A entrevista é de José Luis Fernández Casadevante 'Kois' e Nerea Morán, publicada por Ctxt, 30-05-2022. A tradução é do Cepat.
Seu livro começa com o paradoxo óbvio e perturbador de que estamos vivendo cada vez mais, enquanto pensamos cada vez mais no imediato. Nossa capacidade de nos projetar a longo prazo, de refletir sobre o futuro, foi erodida nas últimas décadas. Por que você acha que essa mudança é preocupante?
Penso que é óbvio para a maioria de nós que vivemos em uma tirania do agora, a dominação do tempo presente. O que vai dos nossos gestos, porque olhamos 130 vezes por dia para o telefone, até o capitalismo neoliberal como uma ideologia que defende o agora, como forma de maximizar os lucros ou o crescimento, sem avaliar os impactos de longo prazo nas pessoas e no planeta.
Os primeiros relógios soavam uma vez a cada hora. Em 1700, a maioria dos relógios já tinha ponteiro dos minutos e em 1800 já tinha ponteiro dos segundos. O relógio tornou-se a máquina chave da Revolução Industrial, fazendo com que as fábricas trabalhassem cada vez mais rápido e o futuro se aproximasse cada vez mais rápido de nós.
Portanto, o imediato é um problema antigo, que se agravou hoje. Nunca antes na história nossas ações tiveram consequências potencialmente tão prejudiciais para as gerações futuras. Isso se deve em parte aos impactos ecológicos, às mudanças climáticas ou à perda de biodiversidade, mas também aos riscos das novas tecnologias, da inteligência artificial ou das armas biológicas.
Penso que o principal problema com esse imediatismo é que nós colonizamos o futuro, que tratamos o futuro como uma propriedade colonial distante, onde podemos despejar livremente a degradação ecológica e o risco tecnológico como se ninguém estivesse aí. E o problema é que as gerações futuras não estão aqui para lidar com essa pilhagem de seu patrimônio, não podem sair às ruas. Nós devemos fazer isso por elas.
De tanto pensar no imediato, acabamos desenvolvendo a memória do imediato. Segundo a neurociência, o futuro e o passado estão localizados na mesma área do cérebro e estão intimamente relacionados. Como você pensa a relação entre memória e imaginação?
Essa é uma pergunta muito bonita e muito interessante. Meu livro chama-se Como ser um bom ancestral, e ser um bom ancestral envolve pensar no futuro ligando-o à memória, à forma como as gerações futuras nos recordarão e nos julgarão. Embora também implique que no presente precisamos recordar o passado. Os bons ancestrais consideram o que herdamos do passado e o que vamos deixar no futuro. Herdamos muitas coisas positivas, como as cidades em que vivemos ou as descobertas médicas das quais nos beneficiamos, mas também somos herdeiros de legados muito negativos, como a escravidão, o colonialismo ou o racismo, assim como as economias estruturalmente viciadas em combustíveis fósseis e no crescimento sem fim que devemos agora transformar.
O perigo existe se esquecemos o passado, pois assim não saberemos o que devemos ou não transmitir para as gerações futuras. O que conservamos do presente e do que queremos abrir mão? O que a neurociência afirma também é relevante, pois nos diz algo sobre a importância de olhar em ambas as direções. A boa notícia é que os seres humanos têm uma incrível capacidade de dançar através do tempo com sua imaginação. Em um momento você pode estar olhando para o seu telefone e no momento seguinte estar pensando nas músicas que serão tocadas no seu funeral, ou ainda no sorriso da sua avó quando você era criança, e isso é algo que o resto dos animais não fazem. Pensar no tempo é uma habilidade fundamental para a sobrevivência no século XXI.
Em 2015, a Suécia criou o Ministério do Futuro, uma instituição cujo objetivo era restabelecer a visão de longo prazo na gestão política, de modo que fosse possível identificar as tendências emergentes, as mudanças e os desafios futuros, assim como fortalecer a capacidade de estabelecer consensos sociais e compromissos políticos que superem as demandas do imediato. O Governo da Espanha criou um Escritório Prospectivo há alguns anos e em vários países foram desenvolvidas ferramentas como as Assembleias Climáticas. Essas iniciativas apontam para uma mudança incipiente de tendência?
Penso que há uma crise da democracia. Um sintoma é a ascensão da extrema direita, mas o segundo sinal é ter projetado uma democracia que não enxerga além do imediato. A maioria dos nossos políticos não consegue ver além da próxima eleição ou da manchete. O que fazemos sobre isso? Uma estratégia é criar um Ministério para o Futuro ou um Escritório para o Pensamento Prospectivo. No País de Gales já existe um comissário para as Gerações Futuras, um cargo público cujo trabalho é olhar 30 anos para frente, em diferentes aspectos, como emprego, educação ou meio ambiente. Esse é um modelo; o problema é acabar como Platão exigindo um filósofo sábio, que tome as decisões complexas.
Minha filha tem 13 anos e me pergunta: por que devo confiar em um ministro do futuro para que tome decisões por mim? Isso coloca uma segunda maneira de resolver esse problema, desenvolvendo iniciativas como as assembleias de cidadãos. Estratégias para envolver as pessoas diretamente na tomada de decisões políticas, onde elas são muito mais propensas a ter uma visão de longo prazo.
Estive envolvido como especialista na Assembleia Cidadã para o Clima no Reino Unido e estou convencido do esforço feito para desenvolver essa visão de longo prazo. Embora se possa avançar mais, como está fazendo o movimento Future Design no Japão, que desenvolve metodologias participativas baseadas no local para orientar a tomada de decisões. É uma iniciativa inspirada na ideia dos nativos americanos de levar em consideração as consequências das nossas decisões por sete gerações. Para isso, convidam uma amostra representativa de cidadãos, dividindo-a em dois grupos onde uma metade pensa a partir do presente e a outra como residentes do ano de 2060, e são estes que no final propõem planos muito mais radicais. Portanto, as Assembleias do Clima são uma boa ideia, mas se, além disso, pudermos incluir um pouco desse trabalho imaginativo de pensar coletivamente sobre o futuro, seria ainda melhor.
Uma questão difícil. Ao trabalhar essas questões com os movimentos sociais, tem-se a sensação de que para alguns deles pensar no futuro é perder um tempo valioso de agir no presente.
Sim, é um problema. As pessoas têm problemas que não podem ser adiados; pensemos naqueles que perderam o emprego durante a pandemia ou nos refugiados. Pode-se concluir disso que o pensamento de longo prazo é uma atividade para pessoas privilegiadas, mas não acho. Essa preocupação decorre das culturas indígenas que não são os setores mais ricos da sociedade, e, no entanto, estão envolvidas em muitas lutas sociais. Meu pai tem 89 anos e foi refugiado polonês na Austrália depois da Segunda Guerra Mundial. E ele sempre diz que muitos desses refugiados que chegam à Europa estão pensando num prazo muito longo, no futuro de seus filhos. Eles assumem riscos hoje para tentar melhorar a vida de suas famílias amanhã.
O que é realmente interessante é que há um movimento ativista crescente de preocupação com o futuro, são os Rebeldes do Tempo. Sextas-feiras pelo Futuro leva-o no seu nome. Há um número crescente de casos legais em que as organizações estão processando governos por não protegerem os direitos das gerações futuras. Faço parte de uma organização no Reino Unido que está propondo a criação de um comitê permanente para as gerações futuras. O presente e o futuro nem sempre estão em conflito um com o outro. Claro, você sabe, se você investe em transporte verde e elétrico, está fazendo algo para as gerações atuais e futuras, ou se está investindo em saúde ou educação para as pessoas mais pobres, é um investimento de longo prazo. Os movimentos devem lidar com os problemas do presente, ao mesmo tempo que incorporam uma preocupação com o futuro que queremos construir, ampliando nosso universo moral.
Diante da crise multidimensional em que vivemos (política, econômica, ambiental, bélica…) corremos o risco de cair em tentações autoritárias ou tecnocráticas para resolver os problemas que temos. Você defende o contrário. Por que as democracias funcionam muito melhor em termos de solidariedade intergeracional?
Eu era cientista político e lecionei em universidades há muito tempo. Sempre me interessei por essas questões políticas. Enquanto fazia a pesquisa para o livro, muitas pessoas me disseram: “Podemos resolver todos esses problemas com um bom ditador, um ditador benigno ou um déspota esclarecido. Veja Cingapura ou a China”. Para muitas pessoas existe essa dúvida sobre os melhores sistemas para fornecer políticas públicas de longo prazo. No entanto, após muita pesquisa quantitativa, fica muito claro que as democracias são muito mais eficazes nas áreas ambiental, econômica, social e de igualdade. Estudamos 122 países: dos 25 que possuíam políticas públicas de longo prazo com melhor classificação no Índice de Solidariedade Intergeracional, 21 eram democracias; e dos 25 inferiores, 21 eram governos autoritários.
Por que as democracias são mais eficazes em geral? Acho que é porque os governos autoritários são muito frágeis e não necessariamente respondem bem às demandas de suas populações. A prestação de contas permite que as democracias sejam mais responsivas aos problemas de longo prazo. Embora às vezes, uma ditadura possa estar interessada no planejamento ambiental ou outra questão de longo prazo.
Ao mesmo tempo, poderiam estar fazendo mais. A democracia representativa moderna foi inventada no século XIX para lidar com problemas de longo prazo, como a transição do imperialismo e da sociedade feudal. Também há evidências muito boas de que os sistemas políticos descentralizados apresentam melhor desempenho neste Índice de Solidariedade Intergeracional. Assim, quanto mais descentralizada for a estrutura de poder, melhor será a política a longo prazo. Por exemplo, ao responder aos problemas locais, as cidades costumam ter uma visão de longo prazo melhor do que os governos nacionais.
Ao pensar nas transições ecossociais, devemos, sem dúvida, entendê-las como um projeto intergeracional. Um processo em que nos envolvemos assumindo que não veremos o fim, como acontecia com a construção das catedrais na Idade Média. Essa visão atualmente só se encontra no campo da arte. Dada a tirania do imediatismo, que chaves você acha que ajudariam a acelerar essa mudança cultural?
A Espanha é um país interessante, historicamente falando, porque você tem esses exemplos do pensamento das catedrais, como a Sagrada Família, que começou a ser construída em 1882 e ainda não foi concluída, ou o aqueduto de Segóvia construído pelos romanos no século I e que foi usado durante quase 2.000 anos. Não penso que realmente precisemos de mais catedrais, mas precisamos aplicar um pensamento similar às alternativas ecológicas. E isso tem a ver com a cultura, em parte com a política e em parte com a economia.
De certa forma, falamos um pouco sobre o lado político com os comissários das gerações futuras ou as assembleias de cidadãos. No aspecto econômico, indicaria o caso da cidade de Amsterdã, que adotou a economia donut de Kate Raworth para o planejamento urbano e avançar na economia circular. Esses tipos de mudanças econômicas são essenciais para lidar com a tirania do agora e do imediatismo, caminhando para modelos econômicos pós-crescimento. Eles estão redesenhando nossas economias.
Embora também seja necessária uma mudança cultural, capaz de transformar as ideias que circulam na sociedade. E parte desse trabalho cultural vem da arte e da literatura. A artista escocesa Katie Patterson criou um projeto chamado Biblioteca do Futuro, onde todos os anos, durante 100 anos, um escritor famoso escreve um livro que não poderá ser lido antes de 2114, e será impresso usando uma das mil árvores plantadas com esta finalidade. Uma iniciativa incrível, precisamos de coisas assim. Ou mais romancistas como o escritor de ficção científica Kim Stanley Robinson, que recentemente escreveu um livro chamado O Ministério para o Futuro, sobre como a humanidade superou os desafios do Acordo de Paris.
Também precisamos de mudanças radicais em nossos sistemas educacionais, que o pensamento de longo prazo seja incluído em nossos currículos escolares. Por outro lado, não sou uma pessoa religiosa, mas reconheço que historicamente a religião desempenhou um papel muito importante na mudança da cultura. A Igreja Católica é um exemplo interessante. Por um lado, é incrivelmente conservadora, mas, por outro lado, se você olhar para a encíclica Laudato Si’, encontrará uma linguagem incrível sobre solidariedade intergeracional.
Embora, em última análise, eu acredite que a mudança cultural consiste em mudar as conversas da sociedade. Isso não significa que tenham que dominar a discussão, mas é preciso dar-lhes voz. Penso que estamos no início, moldando a ideia de dar direitos às gerações futuras. Uma das ideias mais radicais da história dos direitos humanos desde a Revolução Francesa.
Seguindo o fio de suas reflexões, também não seria errado afirmar que estamos desfrutando de uma maior expectativa de vida e ao mesmo tempo sofremos uma menor esperança na vida, na medida em que podemos fazer com que o futuro seja melhor que o presente. Pensar e agir como bons ancestrais pode nos ajudar a recuperar um impulso utópico necessário?
Tenho sentimentos mistos sobre as utopias. A criação de imagens, de futuro, tem sido um motivador fundamental da mudança social ao longo da história. Thomas More, o marxismo, as religiões... tiveram uma ideia do céu ou do paraíso. A ambição é importante para nos tornarmos bons ancestrais, porque precisamos ter uma visão do mundo que queremos, a antiga ideia grega de um Telos ou meta para a humanidade. Meu objetivo seria atender às necessidades de todas as pessoas e das gerações futuras dentro dos limites planetários. Uma utopia é reconhecer que nossas economias são um subsistema da biosfera, o oposto do que a maioria dos economistas ensina a seus estudantes.
Por outro lado, acredito nas visões distópicas como motivadoras de mudanças, como quando Greta Thunberg disse que nossa casa está pegando fogo. Eu quero que você entre em pânico. A crise pode ser útil para fazer com que quem está no poder mude de ideia. Estamos em trajetórias que nos levam a um mundo em chamas. Fecho os olhos e imagino como será a vida dos meus filhos e é aterrorizante.
Penso que seja importante equilibrar essas visões distópicas com as mais utópicas. Elas precisam trabalhar juntos como a faca e o garfo.
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“Nós colonizamos o futuro.” Entrevista com Roman Krznaric - Instituto Humanitas Unisinos - IHU