30 Março 2022
Um dos mais respeitados líderes indígenas disse que ele está esperando o Papa Francisco publicamente se desculpar pelos abusos cometidos contra as crianças indígenas no último século em escolas de administração católica na América do Norte.
Mas ele rapidamente acrescenta que ele quer que o papa dê essas desculpas sobre o território indígena.
O chefe Phill Fontaine, um membro de 77 anos da tribo Ojibwe (ou Chippewa), foi um dos primeiros líderes indígenas no Canadá a despertar a conscientização nacional sobre os abusos que ocorreram nas então chamadas escolas residenciais.
E ele falou do abuso que ele próprio sofreu, ocorrido na escola residencial em Manitoba, era que administrada pelos Oblatos de Maria Imaculada.
Fontaine serviu três mandatos consecutivos (1996-2000 e 2003-2009) como Chefe Nacional da Assembleia das First Nations (AFN) e no ano final do terceiro mandato ele levou uma delegação ao Vaticano onde ele cobrou desculpas de Bento XVI pelos abusos que ocorreram nas escolas católicas.
Fontaine é parte da delegação dos povos indígenas que estão atualmente em Roma por uma semana, para reuniões históricas com o atual papa e outras autoridades vaticanas, e concedeu esta entrevista nas vésperas da viagem.
A entrevista é de Alexis Gacon, publicada por La Croix, 29-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quais são as suas expectativas quanto à visita?
Nossa visita é principalmente para preparar a visita do papa às nossas terras.
A questão principal de nossa visita é a possibilidade de que ele se desculpe pelos atos cometidos pela Igreja nas escolas residenciais.
Será também sobre o acesso total aos arquivos religiosos porque a Igreja não tornou público o que aconteceu lá.
Também discutiremos o futuro da relação entre a Igreja e nós, povos indígenas.
Se surgir a oportunidade de falar diretamente com ele, perguntarei ao papa o que o Vaticano está disposto a fazer em termos de reconciliação.
Para isso, devemos estar em busca da verdade. Sem ela, não pode haver desculpas, perdão, reconciliação.
Por que você acha que a Igreja Católica ainda não se desculpou?
Estou intrigado com essa relutância, mas não ficaria surpreso se tivesse algo a ver com a responsabilidade legal que pode seguir e as consequências financeiras que a acompanham.
Uma investigação da CBC Radio mostrou que o dinheiro que a Igreja Católica prometeu pagar aos sobreviventes de escolas residenciais em um acordo anterior foi gasto em grande parte em taxas legais. Será que eventualmente vai pagar?
Existem vários pagamentos pendentes para sobreviventes de escolas residenciais e a Igreja terá que esclarecer sua posição.
Seus representantes alegaram que não conseguiram arrecadar 25 milhões de dólares, enquanto ao mesmo tempo a Igreja está reformando a Catedral de São Miguel em Toronto com grandes despesas [cerca de 128 milhões de dólares].
Além disso, a Conferência Canadense dos Bispos Católicos prometeu arrecadar 30 milhões nos próximos cinco anos para os sobreviventes. Os tribunais dizem que devem encontrar os meios para fazê-lo.
Embora os precedentes possam criar dúvidas, acho que eles acabarão cumprindo suas obrigações.
Você foi um dos primeiros a falar publicamente sobre suas experiências em escolas residenciais, bem como a pedir um inquérito. Isso construiu seu ativismo?
O que vivi lá, na Fort Alexander Residential School, nunca poderei apagar da minha memória. São memórias gravadas dolorosamente. Está longe, mas ainda está comigo. Eu vi coisas, vivenciei coisas, e muitos amigos sofreram.
Não quero mais mexer nessas memórias.
Claro, a ação política me ajudou a sair daquele estado. As consequências desses abusos são o desafio mais importante para nossas comunidades gerenciarem.
Todos os 20 alunos da sua turma foram supostamente agredidos na sua escola. Como todo esse drama poderia ter acontecido em silêncio?
As escolas residenciais eram instituições bastante autônomas. Sempre houve uma distância significativa entre a comunidade e as autoridades que administravam a escola.
As pessoas foram à igreja, seus filhos foram para a escola residencial e as famílias continuaram com suas vidas em segundo plano. Quando as pessoas começaram a falar sobre isso, muitos pais ficaram chocados.
Outros só queriam enterrar a questão e viver como antes. Mas houve uma onda gradual de demandas por investigações e compensação financeira. A última questão, que não era primordial na mente da maioria das pessoas, acabou se tornando uma questão crítica.
Agora as coisas estão se acelerando. Você sente que as comunidades religiosas envolvidas estão atualmente indo na mesma direção?
Os tempos estão mudando porque mais canadenses estão conscientes do que aconteceu. E o que realmente despertou esse interesse foi a descoberta das sepulturas anônimas na escola residencial de Kamloops em maio de 2021.
O público aceitou que precisamos falar sobre isso e nos comprometer com as medidas de reconciliação que precisam ser tomadas. Isso é bom para o país.
Você já encontrou o Papa Bento XVI com uma delegação indígena anterior. Como este encontro com Francisco será diferente?
Dificilmente é comparável. Em 2009, não tínhamos grandes expectativas. Só queríamos conversar com ele sobre o que aconteceu nas escolas residenciais, mas pedir desculpas era um objetivo menos claro.
Agora, com a descoberta dos túmulos e o compromisso das autoridades canadenses com a reconciliação, tudo parece convergir.
E acho que Bento XVI e Francisco são dois homens muito diferentes.
Que imagem você tem do Papa Francisco?
Ele é um reformador. Ele não tem medo de atacar muitos elementos conservadores na Igreja. E ele manda mensagens positivas para os crentes, católicos ou não. Ele parece benevolente.
Se não houver pedido de desculpas após sua visita a Roma e a visita papal ao Canadá, será um fracasso?
O cerne da nossa visita é preparar para sua vinda (ao Canadá), para ele falar diretamente com os povos indígenas, em termos claros.
Quero que o pedido de desculpas seja feito em nossas terras.
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Canadá. Liderança de tribo indígena quer que o Papa Francisco peça desculpas em solo canadense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU