23 Fevereiro 2022
"Sem uma expectativa de transformação possível, os ambientalistas jogam o fardo do fracasso das estruturas sociais em suas próprias costas", escreve Ana Lizete Farias.
Ana Lizete Farias é psicanalista, Dra. em Meio Ambiente e Desenvolvimento, M.Sc. em Geologia Ambiental, ambos pela UFPR. É autora do livro “A Psicanálise e o Meio Ambiente: caminhos para uma educação ambiental” (Curitiba: Ed. Medusa, 2021).
“Sonhar é ato revolucionário. Revolucionário porque subverte o campo do não querer saber, do não se responsabilizar pelo dito.” (DUNKER et all, 2021)
Há uma tristeza, quiçá uma espécie de melancolia que atinge a grande maioria daqueles que se dedicam às causas ambientais. Percebe-se isso não somente nas notícias sobre meio ambiente, mas nos perfis das redes sociais, nas rodas de conversa presenciais ou online.
Nem bem lidamos com a desestruturação das políticas sociais e ambientais, a partir do governo que começou em 2018, sobrevieram os altos índices de desmatamento da Amazônia, os incêndios do Pantanal, aumento dos índices de trabalho escravo, barragens rompidas, e o que dizer acerca das secas, enchentes e outros pseudo “acidentes naturais” Brasil afora.
A dimensão de sofrimento psíquico, como também consequência desse caos, não há dúvidas, recai, especialmente, sobre a comunidade ambiental. Além de suportar o aviltamento das questões socioambientais por parte do poder público, visto de maneira incisiva em inúmeros projetos de lei que atacam a vida e na contínua precarização (destruição) dos órgãos ambientais.
Portanto, sem uma expectativa de transformação possível, os ambientalistas jogam o fardo do fracasso das estruturas sociais em suas próprias costas. Dessa maneira, o sofrimento explode, impactando o psiquismo de todos que atuam nessa linha de frente.
Nessa situação extrema, em que a dor e a impotência irrompem, não somente os ideais de luta ficam arrasados, mas também o que se pensa de si mesmo, pois é preciso lembrar que, na percepção da realidade social, há também uma relação direta com os afetos singulares de cada um.
Sob a condição de um impacto traumático, o que resta é a impotência diante daquele que barra o acesso a uma condição de desejante, seja pela via do autoritarismo, menosprezo, intransigência.
E assim , tornam-se calados, melancólicos, à mercê de uma existência crua, em que todo desejo se esvai, numa espécie de melancolia social.
Portanto, é preciso restaurar o lugar de dignidade e respeito do que está acontecendo. Não são apenas tragédias contingenciais, mas sim parte do arranjo forjado por um sistema que tem como ideal civilizatório a exploração sem limites, associado a um discurso de ódio contra aquele que é diferente.
É preciso chorar sim, fazer luto por esse Brasil que destrói recursos ambientais importantes, que desconstrói políticas que foram duramente conquistadas, que destitui seus povos originários e a sua própria história.
Chorar ante o desamparo, ante a atualidade de Freud, já em 1930, no Mal-Estar da Cultura, que não podia compreender por que as instituições, por nós mesmos criadas, não trazem bem-estar e proteção para todos.
E depois de chorar e, sobretudo, cuidar dessas feridas, talvez se possa voltar a sonhar.
Sonhar sobre novos arranjos acerca do modo como se percebe o caos atual, permitindo fluir a imaginação para possíveis ações, no sentido descrito por Gurski e Perroni (2021):
"não há totalitarismo que possa impedir o sujeito de sonhar e de forjar, no sonho, uma alternativa à ausência de polissemia na vida e nos acontecimentos (Gurski e Perrone, 2021, p.110)".
Sonhar como um modo de resistência, como uma maneira de (re)construir novos caminhos, como uma estratégia ética e política.
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A tristeza dos ambientalistas e a urgência do sonhar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU