14 Outubro 2021
"Nós, seres humanos, – trabalhadores e camponeses - temos condições de construir a nossa história com as próprias mãos, mas não de forma independente como quisermos. 'Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhe as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram' (MARX, 2011, p. 25). Na sociedade capitalista o indivíduo é o foco como se fosse uma célula isolada e autossuficiente; é levado a agir dentro do seu tempo de vida, até a morte. Diferentemente, em perspectiva emancipatória da classe que age em grupo, coletivamente, a história é feita por nós, mas continua sendo feita após nossa morte. Assim, na luta pela terra e por moradia, os Sem Terra e os Sem Teto não terminam em si mesmos, pois se tornam raios de luzes para os que nos seguirão após nossa morte. Nesse tom, canta Victor Jara sobre a morte do padre Camilo Torres, tombado no fronte de luta dos revolucionários colombianos, dia 15 de fevereiro de 1966: 'Onde caiu Camilo nasceu uma cruz, porém não de madeira, mas de luz'", escreve Frei Gilvander Moreira.
Frei Gilvander é padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG.
Durante a marcha histórica do capitalismo, “a força externa que impunha a atividade ao indivíduo se internalizou; agora no contexto da igualdade “natural” dos indivíduos, cada um aparece como um sujeito atomizado buscando seu próprio interesse enquanto, de fato, realiza o interesse do capital social total” (IASI, 2006, p. 217). Mas como tudo o que é sólido se desmancha no ar, com a evolução desenfreada das forças produtivas, o que faz aumentar a exploração dos trabalhadores, dos camponeses, da terra, das águas e de toda a biodiversidade, as ideias da classe dominante por si mesmas não conseguem mais justificar a crescente opressão: exploração e expropriação, crescentes em progressão geométrica. Cria-se uma crise ideológica e muitos trabalhadores adquirem uma consciência diferente ao perceber que o interesse da classe dominante não é interesse universal, mas ilusões e hipocrisias deliberadas que sopram vento no moinho do capital. “Quanto mais a forma normal das relações sociais e, com ela, as condições da classe dominante acusam a sua contradição com as forças produtivas, quanto mais cresce, em decorrência, o fosso cavado no seio da própria classe dominante, fosso que separa esta classe da classe dominada, mais naturalmente se torna nestas circunstâncias, que a consciência que originalmente correspondia a esta forma de relações sociais se torna inautêntica: dito por outras palavras, essa consciência deixa de ser correspondente, e as representações anteriores que são tradicionais desse sistema de relações [...] degradam-se progressivamente em meras fórmulas idealizantes, em ilusão consciente, em hipocrisia deliberada” (MARX; ENGELS, 2007, p. 283).
Uma segunda forma possível de consciência como processo não linear em movimento trata-se da consciência em si que pode ocorrer quando as pessoas agem coletivamente e vislumbram, para além da possibilidade de se revoltar isoladamente, uma possibilidade de alterar as relações de espoliação do capital. Nesse ponto, as trabalhadoras e os trabalhadores agindo em grupo tecem relações que explicitam os elos e a identidade do grupo e seus interesses próprios, que contrastam com os interesses de quem lhes são opostos. Nessa fase, “o proletariado ao se assumir como classe, afirma a existência do próprio capital. Cobra desse uma parte maior da riqueza produzida por ele mesmo, alegra-se quando consegue uma parte um pouco maior do que recebia antes” (IASI, 2011, p. 31). É a fase corporativa, aquela que pauta a luta por reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho “para mim, para nós”: os trabalhadores de uma empresa específica. Não questionam o sistema do capital, apenas reivindicam uma fatia um pouco maior das migalhas que recebem ao vender sua força de trabalho ao patrão. “Quem reivindica ainda reivindica de alguém. Ainda é o outro que pode resolver por nós nossos problemas” (IASI, 2011, p. 31). Trabalhadoras e trabalhadores que assim lutam ainda estão dentro das relações do capital e muito longe de emancipação humana, que é fazer a história com as próprias mãos, superando todo e qualquer tipo de exploração, seja humana, seja ecológica. Apenas se reconhecendo como classe proletária os trabalhadores negam o capitalismo afirmando-o, questiona-o, mas aceitam-no como modo de vida social.
Nós, seres humanos, – trabalhadores e camponeses - temos condições de construir a nossa história com as próprias mãos, mas não de forma independente como quisermos. “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhe as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram” (MARX, 2011, p. 25). Na sociedade capitalista o indivíduo é o foco como se fosse uma célula isolada e autossuficiente; é levado a agir dentro do seu tempo de vida, até a morte. Diferentemente, em perspectiva emancipatória da classe que age em grupo, coletivamente, a história é feita por nós, mas continua sendo feita após nossa morte. Assim, na luta pela terra e por moradia, os Sem Terra e os Sem Teto não terminam em si mesmos, pois se tornam raios de luzes para os que nos seguirão após nossa morte. Nesse tom, canta Victor Jara sobre a morte do padre Camilo Torres, tombado no fronte de luta dos revolucionários colombianos, dia 15 de fevereiro de 1966: “Onde caiu Camilo nasceu uma cruz, porém não de madeira, mas de luz”.[1]
O conceito marxiano de emancipação humana se coloca na contraposição de emancipação política e aparece na obra sobre a questão judaica como crítica a Bruno Bauer. Para Marx não basta perguntar quem seria emancipado, porque “não há mais emancipação pura e simples. Seu problema é precisamente esclarecer de que emancipação se trata” (MARX, 2010, p. 21). Marx alerta que não dá para se contentar apenas com emancipação política. Diz ele que “desde 1844, não se trata mais de refazer o caminho da Revolução Francesa, de marchar sobre seus rastros, mas de empreender uma revolução inédita, inaudita, sem precedente. Não se trata de obter somente a emancipação política, mas de atingir a emancipação humana” (MARX, 2010, p. 16). Até porque a tríade da Revolução Francesa, liberté, égalité e fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), mas com o fortalecimento do poder econômico da burguesia a fraternité desapareceu e foi substituída pela onipotente proprieté (Propriedade), que no capitalismo ganhou ares quase absoluto reduzindo a liberté e a égalité aos seus aspectos formais e abstratos.
[1] Disponível aqui - 50 anos do martírio de Padre Camilo Torres.
IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. 2ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
_______. As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento. São Paulo: Expressão Popular, 2006.
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.
______. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
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Quanto mais capitalismo, mais superexploração. E a luz da cruz? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU