Demografia e Decrescimento. Entrevista especial com José Eustáquio Diniz Alves

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15 Março 2010

O decrescimento sustentável é uma ideia cada vez mais presente nos debates sobre soluções para resolver o problema do clima e, principalmente, do meio ambiente no mundo. Alguns conhecem a teoria do decrescimento sustentável com antiprodutivismo, outros como decrescimento sustentado, mas a ideia é a mesma: reduzir o impacto do homem sobre o meio ambiente, garantindo a possibilidade da permanência na Terra pelo máximo de tempo possível. O professor de Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais José Eustáquio Diniz Alves acredita que esta é uma proposta polêmica, “mas muito útil para mostrar que o nível de produção e consumo atual do mundo é insustentável e precisa ser reduzido”.

Em entrevista à IHU On-Line, por e-mail, José Eustáquio analisou o tema do decrescimento sustentável a partir de uma análise sobre distribuição de renda, consumo, decrescimento da população e matriz energética. “É preciso reduzir o nível e mudar o padrão do consumo médio da população mundial. A situação da produção e do consumo mundial, como tem se dado hoje em dia, é insustentável ambientalmente, sendo que o consumo mais poluidor encontra-se nos países mais ricos e, especialmente, nos Estados Unidos”, enfatizou.

José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia e professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A humanidade já ultrapassou os limites dos recursos naturais do planeta?

José Eustáquio Diniz Alves – A resposta é sim, segundo os dados da WWF e de sua metodologia de cálculo da capacidade de carga da Terra. A Pegada Ecológica é um instrumento utilizado para medir a quantidade de terra e água (em termos de hectares globais - gha) que seria necessária para sustentar o consumo de uma população. Os dados para o ano de 2005 mostram que o consumo da população mundial tem uma Pegada Ecológica de 2,7 gha, o que estaria 30% acima da capacidade de renovação dos recursos do planeta. Isto quer dizer que os seres humanos estão depauperando o planeta, e que esta situação é insustentável.

IHU On-Line – Mas a questão não é a má distribuição da renda e do consumo em nível mundial?

José Eustáquio Diniz Alves – De fato existe uma grande diferença de capacidade de compra no mundo. Os países de renda baixa possuíam, em 2005, uma renda per capita de $ 1.230 dólares internacionais e uma pegada ecológica de 1,0 hectare global (gha). Os países de renda média possuíam uma renda per capita de $ 5.100 dólares internacionais e uma pegada ecológica de 2,2 hectares globais (gha). Os países de renda alta possuíam uma renda per capita de $ 35.690 dólares internacionais e uma pegada ecológica de 6,4 hectares globais (gha). Já os EUA possuíam uma renda de $ 45.580 dólares e uma pegada ecológica de 9,4 gha. Isto quer dizer que os países de renda média e alta, em conjunto, já ultrapassaram os limites da sustentabilidade. Desta forma, somente os países mais pobres possuem nível de consumo com impacto ambiental global sustentável. Mas estes países não possuem direitos de cidadania compatível com os objetivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disto, numa situação hipotética, mesmo se a renda e o consumo mundial fossem distribuídos de maneira igualitária entre os 6,8 milhões de habitantes do Planeta, a situação atual já seria caracterizada como de excesso de consumo e/ou de população.

IHU On-Line – É preciso, então, haver um decrescimento do consumo e da população?

José Eustáquio Diniz Alves – Com certeza é preciso haver um decrescimento das atividades antropogênicas que mais contribuem para o aumento da Pegada Ecológica no mundo, pois, se a situação atual perdurar, estaremos caminhando para o suicídio e o ecocídio.

IHU On-Line – Isto implica um decrescimento da população mundial?

José Eustáquio Diniz Alves – A dinâmica demográfica é um fenômeno de longo prazo. Atualmente, os países que possuem população estabilizada ou em declínio são aqueles que já tinham taxas de fecundidade (número médio de filhos por mulher) baixa em meados do século passado. Países que reduziram a fecundidade nas décadas recentes (como Brasil, China, Irã etc.) vão continuar apresentando crescimento populacional devido à inércia demográfica, isto é, a população cresce porque tem uma estrutura etária jovem. Mas estes países vão estabilizar ou ter a população diminuindo em meados do século XXI. O grande problema populacional encontra-se nos países mais pobres da Ásia e, especialmente, da África, que continuam apresentando altas taxas de fecundidade, em geral, não devido à demanda por famílias numerosas, mas devido à alta incidência de gravidez indesejada e à falta de acesso aos métodos de regulação da fecundidade. O Sul e o Norte da África já possuem fecundidade baixa. Mas somente a África Central deverá ter um aumento populacional de quase um bilhão de habitantes entre 2010 e 2050. Evidentemente, é preciso ajudar estas populações a atingir o número ideal de filhos, o que pode contribuir para a estabilização ou declínio populacional após 2050, quando o mundo terá cerca de nove bilhões de habitantes.

IHU On-Line – Se a população mundial vai continuar crescendo, a solução é reduzir o consumo médio mundial?

José Eustáquio Diniz Alves – Exatamente. É preciso reduzir o nível e mudar o padrão do consumo médio da população mundial. A situação da produção e do consumo mundial, como tem se dado hoje em dia, é insustentável ambientalmente, sendo que o consumo mais poluidor encontra-se nos países mais ricos e, especialmente, nos Estados Unidos. Assim, a redução do nível e a modificação do padrão de consumo são imprescindíveis. Por outro lado, o problema dos países mais pobres é o subconsumo, pois estes carecem de bens e serviços essenciais para a realização dos direitos de cidadania. Enquanto haver decrescimento do consumo nos países chamados de desenvolvidos, nos países pobres, será preciso aumentar o nível de consumo de alimentos, educação, saúde, moradia etc.

IHU On-Line – Então, o decrescimento do consumo só se aplica aos países ricos?

José Eustáquio Diniz Alves – O sobreconsumo (overconsumption) é uma doença essencialmente dos países ricos e das elites privilegiadas dos demais países do mundo. É preciso reduzir o nível de consumo das parcelas abastadas da população mundial. Mas, a modificação do padrão de consumo é uma questão que se aplica a todos os países do mundo. A “sociedade da afluência” criou uma máquina de propaganda que induz as pessoas a adquirirem cada vez mais bens e serviços úteis ou supérfluos. Cada família ou pessoa é induzida a ter uma casa própria, um carro próprio, além de aparelhos eletrodomésticos, roupas sofisticadas etc. Depois de adquirir todos os bens, existe a pressão para obter os modelos mais novos e mais sofisticados. Como se diz: o “ter” tomou a prioridade do “ser”. Mesmos as pessoas ou casais sem filhos (ou com poucos filhos) passaram a adotar a mesma lógica do consumismo desenfreado com os animais de estimação. Os Pets shoppings viraram febre nas classes médias e ricas em todo mundo, e os cachorros, gatos e demais animais domésticos passaram a ter um consumo típico da sociedade supérflua e que cultua o consumo conspícuo e desnecessário. Animais de estimação possuem Pegada Ecológica per capita muito maior do que a de diversas populações humanas.

IHU On-Line – O problema é só do consumo ou é também do padrão de produção?

José Eustáquio Diniz Alves – O desperdício e o pouco reaproveitamento e reciclagem dos materiais utilizados na produção são fatores que agravam os problemas ambientais. Mas o principal problema da sociedade de consumo de massas decorre das fontes de energia utilizadas. A sociedade urbana industrial cresceu enormemente nos dois últimos séculos explorando a energia fóssil: primeiro o carvão vegetal e mineral, depois o petróleo e o gás natural. Foram os combustíveis fósseis a preços baratos que turbinaram o desenvolvimento econômico mundial, propiciando movimentar máquinas, o transporte de carga, os eletrodomésticos e os automóveis de passeio. Países produtores e consumidores são dependentes das reservas naturais do petróleo e do gás. O problema é que a queima de combustíveis fósseis libera CO2 e outros gases que provocam o efeito estufa e contribuem para o aquecimento global e a acidez dos oceanos. Estas fontes de energia, além de serem limitadas e não renováveis são extremamente poluidoras.

IHU On-Line – Como superar a dependência mundial do petróleo?

José Eustáquio Diniz Alves – A primeira coisa a ser feita é colocar um preço sobre a poluição e a emissão de CO2 provocada pela energia fóssil. Os poluidores precisam pagar pelos danos que causam ao Planeta. Em segundo lugar, é preciso subsidiar a pesquisa científica e a limpeza da matriz energética. O mundo já possui a tecnologia necessária para superar a era dos combustíveis fósseis e avançar na produção de energia verde e limpa, por meio da produção de energia eólica, solar, de biomassa etc. Se houver uma mudança da matriz energética do mundo com a redução ou eliminação de emissão de gases do efeito estufa, estaremos eliminando o principal fator de crescimento da Pegada Ecológica.

IHU On-Line – Mudar a matriz energética resolve o problema da sustentabilidade ambiental?

José Eustáquio Diniz Alves – Não totalmente, mas é uma ajuda essencial. Indubitavelmente, precisamos diminuir o uso de energia fóssil e fazer crescer o uso de energia renovável e limpa. Se os meios de transporte, a iluminação pública e privada e os eletrodomésticos utilizarem energia verde, a poluição mundial será reduzida de maneira significativa. Mas o consumismo desenfreado continuará causando danos se não for resolvido. Por exemplo, no caso da alimentação, o consumo excessivo de carnes leva à obesidade que provoca diversas doenças e uma mortalidade precoce. Além disto, a pecuária é uma atividade que contribui muito para o desmatamento e a emissão de metano, gás 21 vezes mais poluidor que o dióxido de carbono para o aquecimento global.

IHU On-Line – O decrescimento sustentável é uma teoria que vem ganhando força no debate mundial. Qual a sua opinião sobre esta proposta?

José Eustáquio Diniz Alves – Eu acredito que é uma proposta polêmica, mas muito útil para mostrar que o nível de produção e consumo atual do mundo é insustentável e precisa ser reduzido. Não tenho dúvidas de que é preciso promover o decrescimento das atividades poluidoras. Por exemplo, trocar as lâmpadas incandescentes por lâmpadas LED garante uma grande redução no consumo de energia. Mudar hábitos alimentares contribui para proteger o meio ambiente e melhorar as condições de saúde. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas é um grande problema de saúde pública. A recente proibição de veiculação de uma determinada propaganda de marca de cerveja no Brasil foi um sinal positivo contra as propagandas sexistas. Mas outras marcas de cerveja continuam incentivando a embriaguez que provoca a morbidade e a sobremortalidade de jovens, especialmente masculinos, e o aumento de casos de brigas e violência doméstica. O decrescimento das atividades poluidoras e que causam danos à saúde não é só recomendável, mas também uma necessidade inadiável.

Reduzir os gastos militares também pode contribuir muito para a segurança ambiental e a sobrevivência do planeta. Porém, o decrescimento não se aplica a todas as parcelas da população mundial. O mundo ainda possui uma ampla parcela da população sem os mínimos direitos de cidadania e, nestes casos, é preciso haver acréscimo do consumo de alimentos (orgânicos e saudáveis) e de outros bens e serviços nas áreas de saúde, educação, moradia etc.

IHU On-Line – O decrescimento sustentável é compatível com as recomendações das Conferências Internacionais da ONU?

José Eustáquio Diniz Alves – A Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD), ocorrida na cidade do Cairo, entre os dias 5 e 13 de setembro de 1994, aprovou um Programa de Ação (PA) de 20 anos que define o desenvolvimento como um direito dos povos. O PA, em seu preâmbulo, expressou a necessidade de articular três grandes temas: 1) População; 2) Desenvolvimento e 3) Sustentabilidade ambiental, além de reconhecer a necessidade dos países adotarem políticas públicas no sentido de promover o “crescimento econômico sustentado no contexto de um desenvolvimento sustentável”. O Consenso do Cairo é uma referência muito forte para todos os países do mundo, mas já precisamos começar a pensar no pós-Cairo e como garantir os direitos de sobrevivência do Planeta.

IHU On-Line – É possível compatibilizar a perspectiva do decrescimento sustentável com o Consenso do Cairo?

José Eustáquio Diniz Alves – Acho que em grande parte, sim. Para tanto, é preciso garantir os direitos reprodutivos e a universalização do atendimento à saúde sexual e reprodutiva. É necessário garantir o pleno emprego e o trabalho decente para todos, especialmente jovens e mulheres que possuem as maiores taxas de desemprego. É preciso garantir condições dignas de vida para toda a população mundial. Mas, ao mesmo tempo, é preciso decrescer os níveis atuais de consumo, especialmente o consumo supérfluo das camadas afluentes das diversas sociedades. É preciso reduzir os gastos militares e improdutivos. Paralelamente, há a necessidade de uma grande mudança cultural, substituindo os valores egoísticos do consumismo pelos valores altruístas e comunitários. São muitas as ações necessárias para garantir a sustentabilidade ambiental, mas o principal desafio da atualidade é possibilitar a transição de uma economia de alto carbono para uma economia de baixo carbono. Por outro lado, o crescimento da Sociedade do Conhecimento é uma alternativa para aproveitar o potencial da inteligência humana sem entrar em choque com a capacidade de regeneração do Planeta e o respeito à biodiversidade e a todos os seres vivos da Terra.

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