22 Março 2022
O Papa Francisco finalmente assinou o tão aguardado documento que reforma as estruturas de administração central da Igreja Católica no Vaticano.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 21-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A maior transformação da Cúria Romana.
Quando os cardeais da Igreja se encontraram em março de 2013 nos dias imediatamente precedentes ao último conclave, eles diziam que a reforma da cúria deveria ser uma prioridade máxima para o próximo papa, algo que Francisco imediatamente abraçou.
Ele então, agora, toma o passo decisivo em fazer isso realidade com a publicação deste importante documento, a constituição apostólica que reforma a Cúria Romana, o escritório central da Igreja Católica no Vaticano.
O Papa assinou e publicou o texto de 54 páginas no sábado, na Festa de São José e nono aniversário de quando ele formalmente começou seu ministério papal.
A nova constituição apostólica “sobre a Cúria e seu serviço à Igreja e ao mundo” contém 230 artigos e é intitulado Praedicate evangelium (Proclamar o Evangelho).
Isso virá com força em 05 de junho e substituirá a atual constituição, Pastor Bonus (o Bom Pastor), a qual João Paulo II promulgou em junho de 1988.
Praedicate evangelium atualmente existe apenas na língua italiana (disponível neste link), porém traduções para outras línguas estão por serem publicadas nos próximos dias.
A nova constituição muda profundamente o conceito e o propósito do papel da Cúria.
Atualmente concebida como um recurso a serviço do papa, a Cúria Romana está passando por uma evolução muito importante em sua definição.
O subtítulo de Praedicate evangelium apresenta a Cúria como um aparato de governo “a serviço da Igreja e do mundo”.
“A Cúria Romana não está situada entre o papa e os bispos. Está a serviço de ambos, de acordo com a natureza de cada um”, diz o preâmbulo.
Esta é uma consequência direta da “sinodalidade”, um método de trabalho caro ao Papa Francisco que permeia toda a constituição.
As conferências episcopais nacionais e regionais aparecem em Praedicate evangelium como parceiras plenas da Sé Romana, e não apenas como estruturas sobre as quais Roma tem autoridade hierárquica.
O texto também especifica que “documentos de grande importância” devem ser “preparados futuramente com o conselho das conferências episcopais”.
“A reforma não é um fim em si mesma, mas um meio para dar um forte testemunho cristão e promover uma evangelização mais efetiva”, lê-se nas primeiras linhas da nova constituição.
Os 250 artigos mostram claramente que o objetivo da Cúria não é ser um aparato administrativo, mas contribuir para a evangelização ativa.
É em nome desse objetivo que Francisco decidiu criar um Dicastério para a Evangelização, que será presidido pelo próprio Papa.
Será assistido por dois pró-prefeitos, cada um dos quais chefiará uma seção deste novo dicastério: um encarregado da evangelização – herdeiro do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização – e outro encarregado da administração de católicos dos países do Sul Global, que atualmente faz parte da Congregação para a Evangelização dos Povos (Propaganda Fide).
Outro sinal de que a evangelização é considerada um eixo fundamental do trabalho da Cúria Romana é que este novo dicastério aparece no topo do organograma, ocupando o lugar que antes era ocupado pela Congregação para a Doutrina da Fé.
A mudança é uma forma de significar que todo o trabalho da Igreja, inclusive o desenvolvimento e a defesa da doutrina, está a serviço da evangelização.
Praedicate evangelium marca o desejo do papa de revisar e esclarecer o organograma da Cúria.
Enquanto em Pastor Bonus, João Paulo II tinha 12 conselho pontifícios e nove congregações, Francisco acaba com a própria noção de “congregações” e mudou o nome de todos os 16 desses principais ofícios para “dicastérios”.
Há também várias comissões pontifícias que fazem parte de alguns dos novos dicastérios.
Vários dicastérios – como o Dicastério para a Cultura e a Educação ou o Dicastério para a Evangelização – são o resultado da fusão de escritórios pré-existentes.
A nova constituição também reorganiza a Congregação para a Doutrina da Fé (que se torna o “Dicastério para a Doutrina da Fé”) em duas seções, doutrinal e disciplinar.
O papa também criou um novo Dicastério para o Serviço de Caridade, que reforça e atualiza a atual Esmolaria Apostólica (Elemosineria Apostolica).
“O dicastério é competente para receber, buscar e solicitar gratuitamente doações para obras”, diz o texto.
Este novo serviço é “uma expressão única de misericórdia e, a partir da opção pelos pobres, vulneráveis e marginalizados, realiza o trabalho de assistência e de ajuda a eles”.
A Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, que Francisco instituiu em 2014, teve seu papel consideravelmente reforçado.
A comissão foi anexada ao Dicastério para a Doutrina da Fé, encarregado de investigar casos de padres e religiosos acusados de abuso sexual de menores ou pessoas vulneráveis.
Conforme a nova constituição, a comissão pontifícia auxilia “os bispos”, “as conferências episcopais” e institutos religiosos em sua luta contra os abusos.
Em particular, deve “dar uma resposta adequada a tal conduta por parte do clero e dos membros dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, segundo as normas canônicas e tendo em conta as exigências do direito civil”.
Até agora, o papel da comissão era principalmente de conscientização, mas seu papel consultivo não estava claramente estabelecido.
A Secretaria de Estado é definida como o “secretariado pontifício”, sublinhando o papel deste escritório em ajudar o Pontífice Romano a cumprir a sua missão.
Francisco também quer que o Secretariado se concentre particularmente na preparação dos grandes textos do magistério.
Mas a partir de agora cabe também à Secretaria de Estado desempenhar um papel maior no apoio ao trabalho entre os vários dicastérios.
Por exemplo, é a Secretaria que deve convocar “reuniões periódicas dos chefes dos órgãos da Cúria”.
O papa confirma o papel da Secretaria de Economia no controle das finanças da Cúria.
Este serviço, que não se apresenta como dicastério, mas como órgão separado, tem a missão de exercer “controle e supervisão em matéria administrativa, econômica e financeira sobre as instituições curiais, escritórios e instituições ligadas à Santa Sé ou a ela referentes”, incluindo o Óbolo de São Pedro.
Uma novidade importante é que a Secretaria de Economia, e não a Secretaria de Estado, será responsável pelos funcionários do Vaticano.
Um novo “Departamento de Recursos Humanos da Santa Sé” foi criado dentro do escritório econômico.
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A Cúria Romana reformada: a revolução do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU