Jovens evangélicos de esquerda: potência de novos rostos da política brasileira

Evangélicos prograssistas | Foto: Reprodução - Facebook Ativismo Protestante

12 Novembro 2020

"Percebo que a face evangélica é muito mais diversa, plural do que a caricatura construída pela esquerda dinossauro e/ou os acadêmicos positivistas racistas das universidades. Esses evangélicos periféricos estão despontando em candidaturas que partem de sua vivência das Igrejas, contudo, não se fixam nela, não fazem seu fim. Não tem os traços dos fundamentalismos, mas sim, são sensíveis as articulações antirracistas da população periférica que sente diariamente a falta de política públicas do Estado brasileiro", escreve Fábio Py, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-RIO e professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF, em artigo publicado por Mídia Ninja, 10-11-2020.

 

Eis o artigo. 

 

Eis que faço uma coisa nova;
agora está saindo à luz;
porventura não a percebeis?
Isaías 43, 19

 

A população brasileira tem aproximadamente 210 milhões de pessoas, dessas, se estima, que em 2020, existam 65,4 milhões de evangélicos, segundo Instituto Datafolha. Logo, o país tem 31% de evangélicos, sendo o setor religioso em maior expansão nas últimas décadas. Por conta da ascensão populacional, existe um somatório de impressões sobre o setor. Muitas delas causadas pela força midiática das igrejas de grandes figurões televangelistas, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a IURD, do magnata Edir Macedo, a Igreja Mundial do Poder de Deus, de outro magnata, Valdemiro Santiago, ou então, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo (a ADVEC) do estridente milionário Silas Malafaia. Na verdade, os evangélicos hoje pagam pela impressão de serem meros súditos dessas figuras emblemáticas, como se essas grandes estruturas fossem as majoritárias ou se seus fiéis fossem simples massa de manobra hipnotizadas dos pastores. Contudo, na prática, se sabe que a maior igreja do setor é a Assembleia de Deus, seguida pelas Igrejas Batistas, ambas igrejas muito comunitárias, pouco centralizadas, que nutrem baixa pretensão em termos políticos.

A suposta falta de autonomia e criticidade dos 65,4 milhões de evangélicos é algo a ser refutado, até porque, por trás dela se encontra uma intensa malha do racismo à brasileira. Sim, existe uma noção, que paira a partir do senso comum, de que o sujeito evangélico não seria dotado de pensamento, de racionalidade, de agência. Essa especulação está relacionada à outra concepção preconceituosa, a de que pobres (que formam a maioria dos evangélicos) têm pouca formação crítica. Essa linha tem forte conexão com o pensamento acadêmico e elitista nas grandes metrópoles brasileiras que defende que religiosos não exercem o pensamento crítico, muito menos, os religiosos das camadas populares. Assim, o imaginário coletivo é que os “crentes” seriam os pobres, os periféricos(as) e pretos(as), dotados de pouca inteligência. Um cinturão de pessoas desmioladas, simples manobra de suas lideranças. Logo, não existiriam evangélicos fora do espectro do conservadorismo das direitas.

 

 

Esse desenho não passa de uma caricatura mal pintada sobre o setor, e para tensionar esse conjunto de impressões e de falácias preconceituosas e racistas, apresento quatro candidaturas evangélicas em São Paulo e no Rio de Janeiro, de homens e mulheres que se configuram no viés mais crítico das esquerdas. Eles e elas, que são jovens lideranças, mobilizados quase sempre por diferentes razões do pensamento antirracista brasileiro, habitam as periferias e se alocam no fenômeno dos evangélicos progressistas. Tais jovens vêm trabalhando para denunciar pastores como Malafaia, Macedo e Feliciano, qualificando-os como “fariseus”, “falsos crentes” que vivem um cristianismo hipócrita. Ao mesmo tempo, a partir desses jovens candidatos à vereância, se coloca em perspectiva o equívoco político da generalização dos evangélicos como “conversadores”, ou de dotados de pouca crítica, ou alienados. Ao contrário, suas posturas políticas nos mostram que a sobrevivência deles e dos demais trabalhadores e trabalhadoras das periferias urbanas e a organização das igrejas dos bairros populares é algo absolutamente político. Assim, passo às quatro vozes potentes dos jovens evangélicos de esquerda, dois homens e duas mulheres, de dois partidos, o PSOL e o Rede Sustentabilidade.

 

1. Candidatos evangélicos progressistas de São Paulo

Apresento a primeira candidata, Keitchelle Lima, do PSOL de São Paulo, moradora de Brasilândia. Ela faz parte da Marcha das Mulheres Negras e é integrante do Educafro, ONG. Keit, como é conhecida, trabalhou em 2018, na Bancada Ativista, mandato coletivo que o partido elegeu em 2018 à Assembleia Legislativa de São Paulo. Religiosamente ela é cria da Assembleia de Deus desde o Recife, e segue frequentando até hoje em São Paulo. Sua trajetória política se inicia na escola pública, que estudava na Brasilândia, quando se “tornou ativista na luta contra desigualdade (…) se aproximando da política institucional a partir da própria Educafro, instituição que ajuda a construir há mais de dez anos”. Se filiou ao PSOL porque, segundo a candidata, é o partido que tem o projeto de cidade igualitário.

 

(Foto: Reprodução | Instagram)

 

Embora, seja cria da Assembleia de Deus, não firma sua candidatura a partir disso, mas faz questão de afirmar com todas as letras a laicidade do Estado. Pela via de sua candidatura como projeto político popular, se compromete “em dialogar com as pessoas cristãs, sobre o projeto de cidade e de mundo que acredita”. Sem qualquer apoio das igrejas institucionais, busca suas bases com as pessoas da periferia que são cristãos, em sua maioria. Por isso, Keit afirma a tônica plural e popular de sua candidatura “O Estado é laico, mas precisamos dialogar com ‘geral’. Precisamos dialogar com a galera evangélica (…) porque para mim, não é sobre o outro, é sobre mim, é sobre minha mãe, é sobre minha tia”.

 

 

No fim da entrevista, feita pelo aplicativo, Keit faz a provocação: “A esquerda se perdeu por falta de diálogo com as pessoas evangélicas. E eu não acredito numa política onde não há diálogo”. Assim, se política é uma arte do diálogo com todo mundo, logo, “quero saber quais as propostas das pessoas por uma cidade mais democrática, mais justa, mais inclusiva”. Por meio do diálogo a partir da periferia, se diz incomodada, como cristã, quando “alguém se diz ser seguidor de Jesus e, ao mesmo tempo, apoia leis e comportamentos que tiram da humanidade, o direito de viver plenamente de qualquer ser humano, não passa de um hipócrita”. Instiga ao dizer que “A Bíblia não é um aval pra geral destilar seu preconceito, não dá pra aceitar usarem a Bíblia como disfarce para o preconceito”.

 

(Foto: Reprodução | Instagram)

 

Também de São Paulo, há outra candidatura singular do setor , a de Vinicius Lima, integrante da Igreja Batista de Água Branca. O pastor da denominação é seu tio, Ed René Kvitz, e ele desenvolve o projeto SP-Invisível, cujo objetivo é assistir pessoas em situação de rua. Vinicius nunca teve cargo político, contudo, afirma que exercitou a política a partir da escuta. Sua escolha pela luta partidária é pelo ativismo que já exerce, e não pela via institucional. É filiado à Rede Sustentabilidade, e fez a escolha pela legenda pela “questão do afeto, nada pragmático, pensando em cadeiras, nada”. Assume as pautas do partido como a “ideia de sustentabilidade”, pois, para ele, se conecta a “ideia de o Evangelho ser inteiro: meio ambiente, ser humano, corpo, alma, espírito, essa dignidade que tem de estar em todo ser humano”.

 

(Foto: Reprodução | Instagram)

 

Vinicius entende que o “cristianismo e política se misturam não em termos de Estado. Não no sentido da Constituição e a Bíblia. Não no sentido de Igreja e Câmara Municipal. Mas, a minha fé me incentiva a servir ao próximo. E, ao cuidar do lugar que estou, ao cuidar das pessoas que vivem na cidade, principalmente as excluídas”. Segue o tom crítico às megacorporações evangélicas: “eu acredito que essa deve ser a relação de cristianismo e política: não dos festivais evangélicos que dão isenções para as igrejas, que fiscalizam o corpo das pessoas, que querem controlar seus corpos”. Sua proposta política é “pensar a cidade, para pessoas que não são considerados cidadãos – as pessoas em situação de rua. Porque a cidadania liberal-burguesa é excludente. Uma cidadania que pede CPF, para as pessoas te atenderem, poderem ter acesso a tal benefício”.

Vinicius é incisivo no questionamento sobre a postura da classe média para com a população de rua: “Como que a gente pensa políticas públicas para pessoas que nem são vistas como cidadãos?”. Logo, munido desse cristianismo integral “que pensa o homem e mulher como um todo” indica que o “O Estado vê as pessoas em situação de rua, como um problema, um problema estético. Pois existem pessoas assim em frente ao meu shopping (…) Tirem elas daqui”. Logo, firma sua campanha eleitoral nas denúncias das pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social.

 

2. Candidatos evangélicos progressistas do Rio de Janeiro

No Rio de Janeiro, também há dois jovens candidatos(as) evangélicos de esquerda concorrendo à vaga de vereador. A primeira é a Iza Vicente de Macaé, integrante da igreja batista, candidata à vereadora no noroeste Fluminense, pela Rede Sustentabilidade. Ela vem de uma família simples. Herdou a sensibilidade para as causas políticas da mãe: “ela tinha muita consciência política, quando a gente vivia episódios de racismo, quando questionava a qualidade dos serviços públicos nos dava noção do coletivo”. Na sua vivência evangélica, participou “muito de ações sociais, movimentos de caridade e isso acabou entrando na minha rotina, então para mim é muito normal, ir para mutirões, ações de distribuição de alimentos, minha adolescência foi muito atrelada a isso, e também, a participar de grêmio da escola”.

 

(Foto: Reprodução | Instagram)

 

De acordo com Iza, a participação nas ações sociais foram uma chave, pois mostraram que existiam questões mais densas e mais estruturais do que as ações assistenciais podiam resolver. “Quem vai resolver a questão do saneamento? Quem vai resolver a questão da mobilidade urbana? Da moradia? Da educação”. Por isso, diz ela, voltou-se à política: “nós procuramos caminhos para tornar a vida das pessoas melhores, e pensar um bem comum”. Encontrou-se na Rede Sustentabilidade, pois o partido tem a figura de Marina Silva que também é cristã, preta, e faz “um trabalho exemplar de defesa do meio ambiente”.

Sua vinculação ao partido se dá pela questão do meio ambiente e do combate ao racismo. Sua atividade política se relaciona em termos práticos com ações de ONGs, em projetos da Universidade, também junto à própria igreja metodista, com seus ministérios de ação social. A atividade na igreja da Iza “sempre esteve atrelada ao serviço ao mais pobre, que é algo que faz parte da ação do cristão no mundo, se preocupar com o combate com a pobreza, só que essa preocupação pode ser também política”. Iza admite que “a religião cristã influencia muito na política, contudo, a gente pode fazer isso de uma forma muito mais qualificada, temos que saber das nossas origens, sabe que o legado da Reforma também é da separação de Igreja-Estado”.

 

(Foto: Reprodução | Instagram)

 

Iza desenvolve seu raciocínio ao afirmar que “é importante conhecer nossa história para não repetir essa ordem vigente de domínio, de imposição através do Estado, da legislação, de valores que não podem ser impostos para as pessoas”. Ela defende de forma muito interessante que o debate do cristianismo e a política deve ser “qualificado”, pois se está aumentando o número de evangélicos no Brasil, “significa que vão ocupar todos os locais”. Logo, não se pode correr desse debate, e para ela, deve-se fazer isso, pela via da Reforma Protestante da afirmação da separação Igreja e Estado. Dito isso, defende que a participação evangélica na política é absolutamente legítima. Só não é legítima se “é para ser um despachante de luxo das grandes igrejas”. Nessa linha crítica da relação direta de religião e igreja, afirma que não vai “representar apenas os evangélicos, mas representar a defesa dos direitos sociais, o que também vai ser bom para os evangélicos porque em sua maioria são pobres, são mulheres, mulheres negras”.

Outro candidato evangélico de esquerda do Rio, é Wesley Teixeira, do PSOL de Duque de Caxias. Wesley tem uma trajetória política no trabalho como assessor de Flávio Serafini, Marcelo Freixo e da Monica Francisco, todos políticos do PSOL. Ele é filho de pastor da Igreja Evangélica Projeto Além do Nosso Olhar, localizada no Morro do Sapo, em Duque de Caxias. Uma comunidade de fé, que é uma das milhares dissidências da Igreja Assembleia de Deus. Sua “trajetória política inicia no movimento estudantil no grêmio do Colégio Estadual Irineu Marinho, e assim, começou a lutar pelo passe-livre e luta pela educação”. Na sua caminhada de reconhecimento político percebe que “a luta do povo periférico que trabalho é constante, logo, a luta deve ser constante em todas as épocas”. Por isso, entende que o político não é apenas exclusividade das lutas eleitorais, mas “de todo momento da existência humana”.

 

(Foto: Reprodução | Instagram)

 

Suas referências na política institucional são os políticos Chico Alencar e Marcelo Freixo. Eles que são “figuras lutadoras por direitos e contra corrupção e que foram decisivos para escolha da entrada no partido na cidade”. Wesley participou também da coordenação da união de estudantes, coordenador de pré-vestibular popular, e de um jornal comunitário. Logo, tem em si uma longa trajetória de lutas mais ligada aos movimentos sociais populares da cidade de Caxias e visa “representar as centenas de trabalhadores e trabalhadoras periféricos da região”. Wesley posiciona que “a relação do cristianismo e a política, tem relação pelos seres humanos, pois todos eles são seres políticos, porque têm relação com a mediação das nossas relações”. Para ele, então o “cristianismo está dentro da experiência humana, dentro das experiências de um Deus que se fez humano (…) logo, não tem como fazer uma leitura bíblica fora da sua realidade, pois ela está dentro da história”.

Nesse sentido ao evocar o ato de historizar a experiência da leitura bíblica busca sair dos parâmetros do fundamentalismo que tragou o seguimento evangélico. Segue dizendo que para ele o “estado é laico, não posso abrir mão dessa defesa (…) e assim, é importante a defesa pela liberdade religiosa”. Assim, para ele “não pode ocorrer a imposição de uma fé sobre as outras, de doutrinas, dogmas, sobre o estado, sobre a lei”. Mas, o cristianismo “na instância humana, não impositiva, pode trazer a reflexão de uma busca por humanidade, valoroso para a sociedade”. Wesley tem uma trajetória junto ao movimento negro, que “passou 500 anos resistindo, nos últimos anos obteve muitas vitórias, o acesso à universidade, colocando a gente como protagonista, do debate da político”. Assim, percebe que os acessos às universidades permitiram “que não falem por nós, mas que nós mesmos possamos falar da nossa realidade. Ao mesmo tempo, nosso povo segue apartado da política tentando trabalhar, trazer comida para dentro de casa”. Nesse sentido, Wesley identifica sua candidatura aos “milhares de trabalhadores e trabalhadoras urbanos da cidade de Caxias que diariamente vão para outras partes do estado do Rio de Janeiro trazer o pão diário para sua família”.

 

(Foto: Reprodução | Instagram)

 

Enfim, Wesley, como candidato cristão, reconhece a “legitimidade na fé”, inspirada no fazer político a partir da teologia negra, com figuras como James Cone, Martin Luther King, Ronilso Pacheco, Henrique Vieira, pastora Cacá e Ariovaldo Ramos. Está preocupado em compor uma “nova síntese que passe pelo povo a esquerda e o movimento negro é muito importante”. Para ele, esses envolvimentos estão, sobretudo, muito dispersos. Eles merecem ser mais relacionados traçando uma política prática de igualdade (típica das esquerdas), devem ser “melhor conectadas aos trabalhadores e trabalhadoras do Rio que são as populações pretas”.

 

 

Os corpos da síntese que já brotou

Clara Mafra, célebre antropóloga da religião, escreveu em 2011, que o “cinturão das periferias dos grandes centros urbanos do Brasil foram tomados pelos evangélicos”. Se é assim, está na nossa frente um turbilhão de dificuldades. Pois, essas periferias urbanas são formadas sobretudo pelos crentes, concebidos pela elite e mesmo pelas esquerdas, como conservadores, preconceituosos, uma versão brasileira do Talibã. Tal como foi visto, essas candidaturas de jovens mostram justamente o contrário. Mostram que estão absolutamente conectados às lutas populares que se apresentam nas suas geografias. Assim, percebo que a face evangélica é muito mais diversa, plural do que a caricatura construída pela esquerda dinossauro e/ou os acadêmicos positivistas racistas das universidades. Esses evangélicos periféricos estão despontando em candidaturas que partem de sua vivência das Igrejas, contudo, não se fixam nela, não fazem seu fim. Não tem os traços dos fundamentalismos, mas sim, são sensíveis às articulações antirracistas da população periférica que sente diariamente a falta de políticas públicas do Estado brasileiro. Mais até: se vê hoje uma proeminência de candidaturas das mulheres pretas periféricas pois, sobretudo a vida delas, é política. São elas as que mais sofrem as chicotadas do Estado e dos patrões.

Por isso, é importante construir tais sínteses tão evocadas pelo jovem candidato Wesley. Sínteses que se unam ao movimento negro e às pautas de direitos típicas das esquerdas. Ao mesmo tempo, perceber a força das candidaturas que se colocam no diálogo com todos e todas, sem se esquecer de onde está se partindo, como a candidatura da Keit de Brasilândia. Também, numa candidatura à vereância que traga as questões dos moradores de rua, como do Vinicius e o engajamento por Direitos Humanos por políticas públicas como da Iza Vicente. Assim, temos novos rostos e corpos preocupados com as políticas. São evangélicos e evangélicas que querem despontar no setor fazendo oposição à Bancada Evangélica, pesado braço do fundamentalismo das megacorporações evangélicas. Nesse sentido, o que está ocorrendo é uma nova incidência política de um novo setor disposto a colocar o pé na porta e ocupar os espaços da política oficial brasileira.

 

 

Nada mais justo, pois, o setor evangélico já compõe grande parte da população economicamente ativa do Brasil, logo, esses representantes mostram mais detalhadamente as faces evangélicas, distantes dos grandes pregadores Feliciano, Malafaia e Macedo. Assim, no país, em 2020, brotam uma variedade de candidaturas jovens evangélicas engajados nas lutas tão caras ao Evangelho, de justiça, como a luta antirracista, com a ecologia e com a paridade de gênero em direta oposição ao setor evangélico mais institucional, com suas relações eletivas com as pautas de conservadoras. Essas jovens faces trazem à tona e reforçam as vinculações já existentes do setor com as lutas de promoção humana no Brasil.

Sobre isso, vale a pena lembrar de Francisco Julião, batista-presbiteriano, que lutou pela organização das ligas camponesas. Lembra-se de Gernote Kirinus, Werner Funchs, Carlos Dreher, Leonildo Gaede, Roberto Zwestch, Gunter Wolff e Milton Schwantes, todos luteranos, que ajudaram na organização dos movimentos sociais rurais como o MST. Também do potente Ronilso Pacheco, pastor batista, na luta contra a prisão racista de Rafael Braga. Vale reverenciar a trajetória de Ras André Guimares e Lis Guimares, poderoso casal metodista, que luta, a partir do Degasi, contra o pecado do racismo. Na mesma tônica no Recife, destaca-se também o trabalho fundamental da batista Vanessa Barbosa na luta contra o racismo e a violência contra as mulheres, e de Jackson Augusto, com seu canal Afrocrente, ambos pelo Movimento Negro Evangélico. E, também, não se pode deixar de falar de Nancy Cardoso Pereira, pastora metodista em incansável luta contra o latifúndio e o machismo no Brasil.

Assim, essas candidaturas só reforçam a face que sempre existiu, e que grande parte das vezes foi silenciada, a face dos evangélicos-protestantes que estão preocupados com os trabalhadores e trabalhadoras, que denunciam o racismo, lutam contra o feminicídio, contra o latifúndio. Eles e elas sobretudo representam leitura distinta do mundo cristão das grandes corporações evangélicas preocupadas com o proselitismo e seu lucro. Lutam potentemente contra as mazelas humanas causadas pelo capitalismo à brasileira e do racismo tão entranhando na colônia que se chama Brasil – que chamamos por vezes de país.

 

Nota:

Em setembro passado, Fábio Py ministrou a conferência Os fundamentos teológicos do bolsonarismo. Assista à íntegra a seguir:

 

Bibliografia:

GRABOIS, Pedro. Devir minoritário no ‘devir-evangélico’ do Brasil. UniNomade Brasil, 2018.

MAFRA, Clara. O problema da formação do ‘cinturão pentecostal’ em uma metrópole da América do Sul. Interseções, 13, 2011, p.136-152.

PACHECO, Ronilso. Teologia negra: o sopro antirracista do espirito. Brasília: Novos Diálogos: 2019.

PY, Fábio. & PEDLOWSKI, M. A atuação de religiosos luteranos nos movimentos sociais rurais do Brasil (1975-1985), Tempo, 2018.

 

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