Moçambique sitiada pela insurgência um ano depois da visita do Papa Francisco

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14 Outubro 2020

Um ano depois da visita do papa Francisco a Moçambique, onde o pontífice clamou aos líderes do país para assinarem um acordo de paz depois de décadas de conflitos civis, a nação da África austral está agora sitiada por insurgentes islâmicos que estão deslocando centenas de milhares e levando muitos ao caminho da desesperança.

A reportagem é de Tawanda Karombo, publicada por National Catholic Reporter, 13-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

O conflito na província de Cabo Delgado, na fronteira com a Tanzânia, ao norte do país, está em situação de violência sem soluções. Muitos se preocupam pelo presidente Filipe Nyusi, que é visto amplamente como autocrata e corrupto, ser incapaz de encerrá-lo.

Alguns são pegos no pior da violência, como a jovem Anita Martins, de 19 anos, que considerou suicídio como a única rota de escape. Martins relatou a NCR como ela via os amigos e famílias sendo atacados pelos insurgentes, que buscam configurar um estado islâmico em Cabo Delgado.

“Nós frequentemente pensamos que a morte é a única solução”, disse Martins sobre o que viu. “Quando eles chegaram no distrito de Quissanga, onde eu morava com os meus pais até algumas semanas atrás, eles foram muito maus e cruéis, e queimaram nossa casa e tudo que tínhamos”.

As Nações Unidas descreveram a situação em Moçambique como um conflito em agravamento que, junto a uma precária situação humanitária, forçou mais de 300 mil pessoas, incluindo Martins, a fugir.

Moçambique tem sido afetado por sucessivos desastres nos anos recentes, incluindo o ciclone Idai, em 2019, o mais mortal ciclone já visto no Oceano Índico, causando 2,2 bilhões de dólares em danos.

Francisco visitou Moçambique entre 4 e 6 de setembro de 2019. O pontífice fez a viagem para elogiar o acordo entre o partido da situação, Frelimo, e o grupo de oposição, Renamo, que encerravam um conflito de décadas.

Embora a insurgência em Cabo Delgado tenha começado desde 2017, lideram por um grupo conhecido como Ansar al-Sunna, a violência tem escalado nos últimos meses.

O padre jesuíta Alberto Maquia disse que tem havido “um crescimento exponencial na intensidade” de confrontos entre governo e forças insurgentes, com cidadãos frequentemente capturados.

Maquia descreveu a insurgência como um resultado de “um sentimento histórico de exclusão” por parte do governo moçambicano, com sede na capital Maputo, distante, próxima da fronteira com a África do Sul. O jesuíta também citou que a população local não confia nas forças de segurança nacional.


Mapa da África Austral com destaque a Moçambique. Fonte: Wikicommons


Mapa de Moçambique, destaque para Cabo Delgado e Pemba. Fonte: Wikicommons

Os insurgentes também afirmam que o governo não faz o suficiente para buscar projetos de desenvolvimento em sua região, apesar do recente boom no setor de petróleo e gás de Moçambique.

“Inicialmente era um fenômeno isolado, mas tem crescido entre os grupos populacionais marginalizados pelo estado, a saber, os jovens e os muçulmanos mais conservadores”, disse Maquia.

Os bispos de Moçambique comentaram sobre a crise em junho, dizendo que o sofrimento do povo em Cabo Delgado “está profundamente enraizado na marginalização social”.

Nyusi, no entanto, atribui o conflito às forças externas. Ele convocou cidadãos do país a se unirem em uma tentativa de acabar com a violência, mas o progresso é mínimo. As forças do governo fizeram algumas incursões, assumindo algumas áreas anteriormente controladas pelos insurgentes, mas não muitas.

Mulheres e crianças foram particularmente atingidas pela violência. Agências de ajuda humanitária dizem que algumas foram forçadas a praticar sexo para escapar ou poder alimentar suas famílias.

Joseanair Hermes, missionária brasileira e gerente de programas da Catholic Reliefs Services (CRS) em Cabo Delgado, disse ao NCR que muitas mulheres deslocadas são forçadas a viajar sozinhas.

“Elas nos dizem que muitos dos homens foram mortos, capturados ou estão se escondendo para evitar serem recrutados para lutar pelos insurgentes”, disse Hermes. “Essas mulheres e meninas deixaram empregos e terras agrícolas quando fugiram”.

Hermes explicou que “as realidades sombrias que elas enfrentam colocam-nas em alto risco de abuso sexual, exploração e situações em que podem se envolver em sexo transacional como a única opção que veem para sobreviver e alimentar suas famílias”.

Em agosto, duas religiosas católicas, irmã Maria Inez Ramos e irmã Eliane Costa Santana, foram capturadas pelos rebeldes. Elas foram libertadas quase um mês depois, em 6 de setembro. Sua congregação, as Irmãs de São José de Chambery, disseram que precisavam de cuidados médicos após a libertação.

Vídeos de ataques brutais contra mulheres também têm circulado nas redes sociais. Embora as forças de segurança tenham prometido buscar justiça para os mortos e brutalizados pelos insurgentes, eles estão lutando.

Famílias que fogem da insurgência estão chegando a comunidades que já contam com infraestrutura inadequada. Muitos agora vivem em abrigos fornecidos por agências de ajuda humanitária. Em setembro, o Programa Mundial de Alimentos solicitou 4,7 milhões de dólares mensais para ajudar a atender às necessidades dos deslocados internos em Moçambique.

O papa Francisco está claramente prestando atenção à crise em Cabo Delgado. Em agosto, ele fez uma ligação para o bispo de Pemba, capital da província. O Papa disse ao bispo Luiz Fernando Lisboa que estava acompanhando os acontecimentos e orando pelas pessoas de lá.


Dom Luiz Fernando Lisbo, arcebispo de Pemba. Foto: CNS

Manuel Jose Nota, diretor da Caritas da Diocese de Pemba, disse que está esperançoso que a visita de Francisco em 2019 ajudasse a superar a violência.

“Mas são muitos interesses que estão alimentando esses ataques, muitos desses são desconhecidos”, disse Nota. “Nós continuamos a rezar com o Papa para que o conflito chegue rapidamente ao fim”.

Enquanto a guerra acontece, a condição dos moçambicanos afetados pelo conflito parece estar piorando.

“Eu me sinto muito triste e insegura por causa dessa situação que ainda não está sob controle, também, e não retorna ao normal. A pobreza que já existe crescerá amplamente”, disse Martins.

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