10 Julho 2020
De todos os líderes políticos que enfrentaram a Covid-19 com leviandade, senão até com desprezo, Jair Bolsonaro é sem dúvida aquele que fez isso com mais ênfase. Portanto, ninguém pode se surpreender com a notícia de que o presidente brasileiro testou positivo para o vírus.
A reportagem é de Pierre Haski, publicada por Internazionale, 08-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Alegrar-se com um contágio é impensável, mas há claramente um ensinamento político naquela que é uma catástrofe nacional, antes de ser um problema pessoal.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro assumiu uma atitude de desafio em relação ao vírus e, mais em geral, à ciência. Como muitos outros líderes do mundo, o presidente brasileiro falou de “gripezinha”, mas continuou fazendo isso mesmo quando a “gripezinha” começou a devastar o planeta.
Posições incríveis
Bolsonaro se recusou a tomar as mínimas precauções e apoiou ativamente os manifestantes que protestavam contra as medidas de isolamento impostas pelos governadores e pelos prefeitos das grandes cidades, transformando essa recusa em um orgulho.
O aspecto mais incrível é que Bolsonaro manteve a sua posição mesmo quando o Brasil se tornou o epicentro mundial da pandemia, com mais de 65 mil mortes e 1,6 milhão de infecções, segundo país mais afetado do mundo depois dos Estados Unidos.
Bolsonaro não apenas permaneceu imóvel, mas também sabotou o trabalho realizado pelo Parlamento e pelos Estados federais. Na semana passada, o presidente vetou uma lei que tornaria obrigatório o uso de máscaras nas igrejas, escolas e em aglomerações privadas.
Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde em três meses e optou pelo confronto contra as autoridades de saúde. Em vez de dar o exemplo, o presidente ofereceu ao país um exemplo contrário.
No dia 4 de julho, por ocasião da festividade nacional dos Estados Unidos, Bolsonaro abraçou o embaixador de Washington sem usar a máscara e sem manter as distâncias. Segundo a imprensa estadunidense, o embaixador teve que tomar “medidas de precaução” depois que Bolsonaro testou positivo.
Esse espetáculo desolador não seria grave se não tivesse consequências dramáticas. O comportamento de Bolsonaro não é único no seu gênero. Pelo contrário, tornou-se um sinal de reconhecimento dos líderes populistas que, em vários países, se convenceram de que são mais fortes do que a doença.
O “modelo” de Bolsonaro é evidentemente Donald Trump, tanto que o presidente se orgulha de ser apelidado de “o Trump brasileiro”. De fato, os dois líderes compartilham a mesma situação desastrosa em seus respectivos países, os mesmos conflitos entre as instituições e, acima de tudo, a mesma abordagem marcadamente ideológica.
Muitos países falharam em responder ao vírus por despreparo ou por incompetência. No caso do Brasil, a culpa é de uma rejeição de base ideológica. O populismo se alimenta da hostilidade em relação à ciência, das teorias da conspiração e do desafio permanente que transformou a máscara em um símbolo desprezado.
Se a saúde pública é um âmbito claramente político, os populistas perderam a oportunidade de mostrar a sua competência. O caso de Bolsonaro é certamente o mais emblemático.
Leia mais
- Bolsonaro é 'ameaça' à luta contra o coronavírus no Brasil, diz revista médica The Lancet
- Presidente quinta-coluna não combate a pandemia e instala o Necroceno no Brasil. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- “Bolsonaro se acha capaz de esconder os corpos”. Entrevista com Vladimir Safatle
- “Líderes ignorantes como Bolsonaro e Trump colocam suas nações em perigo”. Entrevista com Jeffrey Sachs
- A institucionalização do “E daí!??”
- Pico no Brasil em agosto e 88 mil mortes: as novas previsões sobre a pandemia
- O ministério da Saúde adverte: “estamos perdidos”
- Bolsonaro, o invencível?
- Uma nova forma de transmissão da covid-19?
- Sucesso e fracasso no combate à covid-19: Brasil, República Dominicana, Cuba e Jamaica. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- O Brasil é o país do BRICS mais afetado pela pandemia qualquer que seja o critério. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- Um milhão de infectados e os erros do Brasil no combate à covid-19
- Coronavírus: Brasil pode se tornar país com mais mortos em 29/7 se nada mudar, diz projeção usada pela Casa Branca
- O Brasil aceitará reduzir-se a cobaia?
- Brasil é destaque no mundo por não divulgar dados de mortes por covid-19
- Covid-19 – O Brasil poderá ser conhecido como o país que enraizou o negacionismo científico
- Brasil perde uma vida humana por minuto para a covid-19 e milhões de vidas para o ecocídio. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
- Um hóspede inquietante
- Uma morte pelo coronavírus a cada 1 minuto e 40 segundos no Brasil
- Brasil lidera o número de mortes entre os países do grupo BRICS
- Brasil tem um dos piores indicadores de distanciamento social da América Latina
- A loucura autoritária do Planalto, em plena crise do coronavírus, ameaça o trabalho no Ministério da Saúde
- Pior do que o coronavírus, a ‘cegueira moral’ arrasta o Brasil para o fosso da crise. Entrevista especial com Flavio Comim
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A deriva do populista Bolsonaro, da negação ao contágio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU