Armar o país: a “guerra santa” bolsonarista

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26 Mai 2020

"Devemos compreender a explicitação de Bolsonaro em relação a armar a população para esse “bom combate” do bem contra o mal. Trata-se, na sua visão e de sua principal base de apoio (militares e religiosos), de uma guerra santa que precisa de um exército armado. Empreitada que, na visão de Bolsonaro, seus ideólogos e parte de seus adeptos, surtiria resultados positivos com a união entre milicianos, militares e religiosos, armados até os dentes", escreve Robson Sávio Reis Souza, pós-doutor em Direitos Humanos, doutor em Ciências Sociais, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, onde também é professor do Departamento de Ciências da Religião, membro da Sociedade Teologia e Ciências da Religião (Soter) e vice-presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais.

Eis o artigo.

Uma das partes mais chocantes da famigerada reunião ministerial de 22 de abril de 2020 é a confirmação de Bolsonaro que pretende armar o Brasil e impor uma ditadura: "Olha como é fácil impor uma ditadura no Brasil. Por isso eu quero que o povo se arme, a garantia de que não vai aparecer um filho da puta e impor uma ditadura aqui”.

Bolsonaro (e sua família) é um presidente visceralmente ligado às milícias; tem como principais bases de apoio o militarismo autoritário (mobilizado em segmentos das Forças Armadas e nas polícias estaduais) e um grupo considerável de fascistas (estimado em cerca de 15% da população) que já está armado (nas redes sociais e nas ruas). Sua eleição selou a aliança mais perversa da história republicana: dos setores ultraconservadores da sociedade brasileira (os radicais da extrema-direita) com o que há de pior no submundo da política (as redes de corrupção sistêmica que operam nos esgotos das negociatas público-privadas e que movimenta as relações mais espúrias desse país).

A tradicional falta de controle de armas, responsável por uma guerra que produz cerca de 60 mil homicídios por ano tende, com o projeto armamentista ditatorial de Bolsonaro, a se desaguar numa carnificina de proporções incalculáveis. Como lembra Janio de Freitas nesse domingo, “Bolsonaro sabe que o povão maltratado, humilhado, explorado e roubado em todos os seus direitos, no dia em que também tivesse ou tiver armas, não teria dúvida sobre o alvo do fogo de sua dor secular. Adeus ricos, adeus classe média alta”. Portanto, abram os olhos os privilegiados que pensam que a guerra bolsonarista é somente contra os pobres.

O bolsonarismo está amalgamado, entre outras, na seguinte coalizão: armamentistas, militaristas e obscurantistas religiosos. Esses novos cruzados se apoiam em ideologias toscas, cujo principal expoente é o astrólogo Olavo de Carvalho e o articulador midiático Steven Bannon (via gabinete do ódio no Brasil). No campo religioso duas teologias sustentam os “cavaleiros do apocalipse”.

A teologia da prosperidade, um bálsamo para o neoliberalismo, prega um deus que abençoa aqueles que tem dinheiro; que o pobre é pobre por sua falta de fé, ou seja, a vítima se transforma no algoz. Seus adeptos acreditam que a solução para as mazelas sociopolíticas é individual, baseada na meritocracia e que desigualdade e justiça são discursos “vitimistas”.

Por outro lado, a chamada “teologia do domínio”, derivação do teonomismo (teocracia cristã), se baseia no pressuposto de que o domínio da terra foi usurpado pelo diabo (no delírio obscurantista dos bolsonaristas religiosos, os comunistas, esquerdistas, socialdemocratas, cientistas, progressistas, feministas, movimento LGBT+ etc). Assim, é tarefa da “igreja dos bons cristãos” tomar esse domínio de volta. A estratégia para essa retomada é dominar todas as áreas de influência da sociedade (política, educação, cultura, judiciário), a fim de estabelecer o domínio de Jesus na terra. Isso explica a aliança geopolítica entre Trump (e os seus financiadores estadunidenses -- que também financiam alguns dos setores do neopentecostalismo ultraconservador em toda a América Latina), Netanyahu (porque muitas lideranças evangélicas creem que a promessa bíblica da Terra Santa ao povo judeu é literal e eterna, portanto os adeptos do "dispensacionalismo", o retorno dos Judeus à Terra Santa - ou seja, o estabelecimento de Israel - é necessário para a volta de Cristo) e Bolsonaro (com os seus religiosos do “deus acima de tudo”). Vejam, não por acaso, que o triunvirato (Trump, Netanyahu e Bolsonaro) é armamentista e apoiado no militarismo e no discurso religioso ultraconservador.

Qualquer estudioso sabe: a aliança entre militarismo e religião nunca produziu bons resultados na história da humanidade. Mas, caminhamos a passos largos para um arremedo de neocristandade. Os três líderes, colocando-se como legítimos representantes de deus (certamente de Mamom) – porque estão seguros do apoio dos poderes econômico, militar e religioso – não contam com derrotas e, como numa guerra, agem como comandantes dispostos a arrebentar com todas as porteiras. Por isso, precisam armar seus exércitos.

Algumas frases de Bolsonaro na dita reunião confirmam seu propósito como o “messias” dessa nova cruzada: “Vamos unir o povo, valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã. Combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. (...) Com a benção de Deus, o apoio da minha família e a força do povo brasileiro trabalharei incansavelmente para que o Brasil se encontre com seu destino e se torne a nação que todos queremos".

É dentro desse contexto que devemos compreender a explicitação de Bolsonaro em relação a armar a população para esse “bom combate” do bem contra o mal. Trata-se, na sua visão e de sua principal base de apoio (militares e religiosos), de uma guerra santa que precisa de um exército armado. Empreitada que, na visão de Bolsonaro, seus ideólogos e parte de seus adeptos, surtiria resultados positivos com a união entre milicianos, militares e religiosos, armados até os dentes.

 

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