A covid-19, o emprego, o novo auge da robotização?

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06 Mai 2020

"Substituir pessoas por robôs é, nesta fase, um sonho que se torna realidade para muitos capitalistas, mas aqueles que continuam perdendo seus empregos nessa transição são os menos preparados para aproveitar novas oportunidades, isso é, os mesmos que já estavam excluídos pela pandemia. Esses novos desafios se somam aos já existentes e ameaçam exacerbá-los. O desemprego permanece inaceitavelmente alto e milhões de trabalhadores têm empregos informais", escreve Eduardo Camín, jornalista uruguaio credenciado na ONU-Genebra, analista associado do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica, em artigo publicado por Alai, 05-05-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis o artigo.

As visões futuristas de uma sociedade sem trabalho voltaram a se instalar no imaginário de muitos, alentadas por uma repercussão midiática cada vez maior. Se o processamento da desinformação é levada a cabo mais além da consciência, grande parte do que pensamos e fazemos está sujeito a influências que não podemos perceber, e, menos ainda, controlar.

Por isso, toda análise de prospectiva – isso é, de futurologia –, corre muitos riscos: o futuro é, por definição, incognoscível e qualquer instrumento de previsão é, também, por definição, simplificador de uma realidade complexa e incomensurável.

Da rigorosidade e honestidade com a qual se levam a cabo essas análises dependerá a robustez dos resultados em seu objetivo fundamental: alguns convidam-nos a captar as tendências futuras, porém preferimos navegar pelas agitadas águas do conhecimento empírico, baseado em algumas realidades que nos atingem de perto.

E sem ser a panaceia absoluta, baseamos nossos poucos conhecimentos, analisando em profundidade alguns dos tantos informes do sistema de Nações Unidas, que destacam que as epidemias podem ter um impacto econômico desproporcional em certos segmentos da população, o que pode piorar a desigualdade que afeta principalmente alguns grupos de trabalhadores, como:

- as pessoas com problemas de saúde subjacentes;

- os jovens, que já enfrentam taxas mais elevadas de desemprego e subemprego;

- as pessoas de idade, que podem correr um risco maior de desenvolver problemas de saúde graves e também podem sofrer vulnerabilidade econômicas;

- as mulheres, que estão sobrerrepresentadas em ocupações na primeira linha da luta contra a pandemia e que suportam um carga desproporcional nas responsabilidades de cuidado, em caso de fechamento de escolas ou sistemas de atenção;

- os trabalhadores sem proteção social, em particular os trabalhadores por conta própria, os ocasionais e os que levam a cabo um trabalho esporádico em plataformas digitais, que não tem direito a faltas remuneradas ou por doenças;

- os trabalhadores migrantes, que podem não ter acesso a seus lugares de trabalho nos países de destino, nem podem voltar com suas famílias, como destaca a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2020a).

Em um mundo no qual somente uma de cada cinco pessoas tem direito a receber seguro-desemprego, as demissões supõem uma catástrofe para milhões de famílias.

Porém, frequentemente, os primeiros a perderem seus empregos são aqueles cujo emprego já era precário, como, por exemplo, vendedores, camareiros, funcionários de cozinhas, encarregados de equipamentos e limpadores. Sem esquecer os trabalhadores do setor informal da economia, já que se enfrentam maiores riscos de segurança e saúde no trabalho (SST) e carecem de proteção suficiente.

Ao trabalhar com ausência de proteções – como a licença por doença ou seguro-desemprego –, esses trabalhadores podem se ver obrigados a escolher entre a saúde e a renda, o que supõe um risco tanto para sua saúde como para a saúde dos demais, assim como para seu bem-estar econômico (OIT, 2020g).

 

Trabalhar para viver ou viver para trabalhar, segue sendo a questão

Nossa subsistência se baseia no trabalho. Graças ao trabalho podemos satisfazer nossas necessidades materiais, evitar a pobreza e construir uma vida digna. Mesmo assim, o trabalho pode contribuir a nos dar uma sensação de identidade, de pertencimento e de propósito. Também amplia o leque de opções que nos apresentam e nos permitem vislumbrar um futuro mais otimista.

O trabalho também é de importância coletiva no estabelecimento de uma rede de conexões e interações que forjam a coesão social. A organização do trabalho e dos mercados de trabalho é essencial para determinar o grau de igualdade que nossas sociedades alcançam.

Mas o trabalho também pode ser perigoso e prejudicial, imprevisível, instável e mal remunerado. Em vez de incutir maior confiança em nossas possibilidades, pode nos fazer sentir fisicamente e emocionalmente presos. Além disso, para quem não consegue um emprego, pode ser uma fonte de exclusão.

No entanto, enquanto o trabalho continuar sendo uma necessidade vital para a reprodução da sociedade, ele continuará sendo central em nossas vidas; nos educamos para trabalhar, trabalhamos para viver e nos aposentamos em condições proporcionais ao conjunto de trabalhos realizados.

 

O futuro do trabalho; Máquinas não contraem vírus!

Novas forças estão transformando o mundo do trabalho, ou simplesmente o mundo. A epidemia de Covid-19 tem consequências sociais e políticas, evidente nela uma espécie de “virtualização da vida humana” e o controle social foi instalado.

Embora o poder coercitivo do aparato estatal seja supostamente um mal necessário para cumprir a “distância social” ou colocar corpos e mentes em alerta constante, o autoisolamento só terá êxito se as pessoas não puderem ver além do próximo capítulo ou filme, entre anúncios oficiais da evolução da pandemia.

Mas quando seu nível de confiança epistêmica em um mundo em crise, assim como suas esperanças e aspirações por algo melhor desaparecem, o capital pode continuar a caminho de seu destino final.

As transições envolvidas nessa evolução, fundamentalmente os empresários, pedem que medidas enérgicas sejam tomadas. Aproveitando os avanços tecnológicos – inteligência artificial, automação e robótica – e no esforço de automatizar para lidar com a pandemia, muitas empresas anunciam que “as máquinas não contraem o vírus”.

Substituir pessoas por robôs é, nesta fase, um sonho que se torna realidade para muitos capitalistas, mas aqueles que continuam perdendo seus empregos nessa transição são os menos preparados para aproveitar novas oportunidades, isto é, os mesmos que já estavam excluídos pela pandemia. Esses novos desafios se somam aos já existentes e ameaçam exacerbá-los. O desemprego permanece inaceitavelmente alto e milhões de trabalhadores têm empregos informais.

Antes da pandemia, 300 milhões de trabalhadores viviam em condições de extrema pobreza, milhões de homens, mulheres e crianças eram vítimas da escravidão moderna. Um número excessivamente alto de pessoas ainda trabalha muitas horas e milhões de pessoas continuam a morrer de acidentes de trabalho todos os anos.

Além disso, o estresse no local de trabalho exacerbou os riscos à saúde mental. O crescimento dos salários não acompanhou o crescimento da produtividade e a proporção da renda nacional dedicada aos trabalhadores diminuiu.

O fosso entre ricos e os demais está se alargando. As mulheres ainda recebem uma remuneração 20% mais baixa que a dos homens. Milhões de trabalhadores seguem excluídos, privados de direitos fundamentais e não podem fazer suas vozes serem escutadas.

A combinação desses desafios tem repercussões mais gerais para a justiça social e a paz, e também ameaçam socavar as regras de uma prosperidade compartilhada que mantiveram as sociedades coesas, erodindo a confiança nas instituições democráticas.

O aumento da insegurança e a incerteza dão pábulo ao isolacionismo e ao populismo. A maneira em que a ideologia neoliberal contempla a modernidade entende o cidadão como consumidor: a ação coletiva e a vida pública, portanto, restringem-se a “clicar” na recomendação de algum algoritmo que conhece melhor que o usuário suas preferências de mercado.

Aqueles que ainda conservam sua posição no mercado laboral experimentarão a acentuação da violência que sempre teve a tecnologia nas mãos dos capitalistas. De um lado, a vigilância e o controle sobre a força de trabalho será incrementada. De outro, os custos requeridos para a atividade produtiva deverão se reduzir para assegurar a rentabilidade das empresas, com o que essa metodologia carrega para os trabalhadores.

A tradução será um aumento acentuado da precariedade, em uma espécie de competição sem sentido entre o exército industrial da reserva e o trabalhador ativo, tendências descritas por Karl Marx no Capital. A automação de futuros processos industriais acelerará devido à epidemia, dando aos proprietários de valor agregado uma nova desculpa para legitimar tais práticas de apropriação e desapropriação.

A crise da Covid-19 colocará o setor de tecnologia no epicentro de uma economia tão financeirizada quanto carente de legitimidade, e converterá as desigualdades existentes com base em seus algoritmos invisíveis. O mundo não será o mesmo, mas a exploração será muito semelhante à do presente.

 

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