50 anos após a morte de Merton, ''finalmente o estamos entendendo''

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10 Dezembro 2018

Um congresso na Catholic Theological Union, em Chicago, vai explorar a vida e o legado do monge trapista estadunidense.

A reportagem é de Heidi Schlumpf, publicada por National Catholic Reporter, 07-12-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

No mês passado, dias antes das eleições de meio mandato, Chris Cuomo, âncora da CNN, encerrou um episódio do seu programa noturno – que se concentrou na recente demonização dos imigrantes – com uma longa citação sobre o totalitarismo do monge trapista e escritor espiritual Thomas Merton.

Embora a passagem citada do livro de 1960, Disputed Questions, fosse sobre a Europa na Segunda Guerra Mundial, Cuomo disse que as palavras de Merton são “exatamente aquilo que está acontecendo aqui agora – assustadoramente exatas”.

Cuomo não é o único a divulgar a relevância contemporânea de Merton. Apesar do entusiasmo morno de algumas lideranças da Igreja, os escritos de Merton sobre relações inter-religiosas, racismo, justiça social e contemplação continuam inspirando os católicos 50 anos após sua morte.

“Sua mensagem parece durar e ser tão profética hoje, senão até mais, do que quando ele a escreveu”, disse Paul Pearson, diretor do Thomas Merton Center, um arquivo dos documentos de Merton, um museu e um centro de pesquisas na Bellarmine University, em Louisville, Kentucky.

Sobre espiritualidade, justiça social e diálogo inter-religioso, “tudo o que Merton diz ainda é relevante hoje”, observou Pearson, acrescentando que, se ainda estivesse vivo, Merton provavelmente estaria escrevendo “fundamentalmente sobre os mesmos problemas”.

Esta segunda-feira, 10 de dezembro, marca o 50º aniversário da trágica morte acidental de Merton – ele foi eletrocutado por um ventilador perto de Bangkok, onde ele participava de um congresso monástico inter-religioso. O aniversário está sendo marcado por eventos em todo o mundo, da Rússia à Argentina, de Cleveland à Abadia de Gethsemani, no Kentucky, onde Merton viveu e está enterrado.

O padre trapista Thomas Merton em uma foto no
eremitério da Abadia de Gethsemani
(Foto: CNS/Merton Legacy Trust/Thomas Merton Center)

Pearson faz parte das dezenas de estudiosos de Merton – muitos dos quais não haviam nascido quando Merton morreu – que se apresentarão em um congresso na Catholic Theological Union, em Chicago, neste fim de semana.

Intitulado “Desaparecer de vista? Thomas Merton, 50 anos depois e além”, o encontro começou nessa sexta-feira à noite com uma conferência do padre franciscano Richard Rohr – que alguns veem como um sucessor espiritual de Merton – e continuará com um cronograma de palestras, painéis e missa neste sábado (as inscrições estão esgotadas).

O congresso é copromovido pelo Bernardin Center da Catholic Theological Union, pelo Hank Center for the Catholic Intellectual Heritage da Loyola University Chicago, e pelo Capítulo de Chicago da Sociedade Internacional Thomas Merton.

Pearson vê o interesse em Merton “crescer em vez de diminuir”, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo, com mais dissertações sobre a sua obra, provenientes da Europa Oriental e da Ásia, e um número crescente de cursos sendo ministrados sobre ele.

Em Bellarmine, uma aula sobre Merton é oferecida a cada semestre e geralmente tem uma lista de espera, apesar de muitos jovens católicos não conhecerem Merton ou a sua obra. Os estudantes gostam de aprender sobre contemplação, oração e silêncio, mas Merton é frequentemente a primeira exposição deles ao catolicismo como algo diferente de dogmas e leis morais, disse Gregory Hillis, professor associado de teologia, que leciona o curso.

“Há um desejo por uma vida espiritual mais profunda, que vem de um profundo sentimento de ansiedade que as pessoas têm”, disse Hillis, observando que “a maioria desses estudantes nunca viveu em uma situação em que não estivéssemos em guerra”.

Guia espiritual

Assim como muitos de uma geração anterior, Hillis leu a autobiografia best-seller de Merton de 1948, “A montanha dos sete patamares”, quando era jovem, e ela influenciou profundamente a sua vida. Ele se candidatou ao emprego em Bellarmine, em parte, para estudar Merton e está escrevendo um livro sobre o catolicismo de Merton. Em um impulso de “exuberância juvenil”, ele até fez uma tatuagem de um desenho de Merton.

A jornalista e escritora espiritual Judith Valente também leu a autobiografia de Merton enquanto estava na faculdade e ficou inicialmente impressionada com a sua magistral escrita de poesia e prosa. “Ele era alguém que podia fazer com que a preparação de uma tigela de aveia soasse como o evento mais fascinante do mundo”, disse ela ao NCR em uma entrevista por e-mail.

Ela releu “A montanha dos sete patamares” nos seus 30 anos, quando precisava ouvir a mensagem dele para desacelerar, estar mais atenta ao sofrimento dos outros e “olhar para dentro de mim, para encontrar aquela centelha que me faz ser quem eu sou”.

A famosa oração de Merton, que começa com “Meu Senhor Deus, eu não tenho nem ideia de para onde estou indo...”, apresentou Michael Brennan a Merton nos anos 1970, quando ele enfrentava uma possível convocação para a Guerra do Vietnã.

Atual coordenador do Capítulo de Chicago da Sociedade Internacional Thomas Merton, Brennan vê o escritor espiritual como um “herói contemporâneo”, que fala às questões sociais e eclesiais de hoje.

“Ele tem muito a dizer nos dias de hoje, particularmente sobre compaixão, paz, justiça e empatia”, disse Brennan. “Eu acho que ele é tão relevante hoje quanto foi na sua época.”

Brennan chama Merton de “diretor espiritual de longe”, com uma “abordagem do senso comum à vida”. Ele atende ao pedido de contemplação de Merton reservando tempo para o silêncio na capela do aeroporto O’Hare, onde trabalha como encarregado de bagagens.

Mas é a escrita de Merton sobre justiça – e particularmente sobre raça – que muitos dizem que precisa ser mais lida hoje. Desde cedo, Merton viu o racismo como um problema do privilégio branco e como um pecado estrutural.

A autora e cineasta Cassidy Hall acredita que a obra de Merton é estranhamente relevante. “É uma lembrança constante do trabalho ainda em andamento pela paz, a justiça social, a igualdade, os direitos humanos e muito mais”, disse ela em um e-mail ao NCR.

Depois de ler Merton pela primeira vez há sete anos, Hall ficou inspirada a fazer uma peregrinação a todos os 17 mosteiros cistercienses/trapistas nos Estados Unidos, o que resultou no documentário In Pursuit of Silence [Em busca de silêncio, em tradução livre] . Ela está trabalhando agora em um pequeno documentário sobre os últimos anos de Merton no eremitério.

Um trailer de Day of a Stranger [Dia de um estranho], documentário de Cassidy Hall sobre Thomas Merton, apresenta gravações da voz de Merton.

Hall elogia a honestidade de Merton e a sua capacidade de lidar com os paradoxos, o que ela acredita que fala a uma cultura contemporânea atolada no medo.

Thomas Merton apontou para outro modo de vida, um modo que abraçava os paradoxos da vida e apontava para a beleza do mistério, um modo que navegava o amor pela própria vida, um modo que empurrava para o verdadeiro eu, um modo que abraçava o estranho e o deixava entrar amorosamente como um vizinho, um modo que realmente acolhia todos à mesa a que eles pertencem”, disse Hall.

“Fiel inquieto”

Mas a abertura de Merton ao diálogo inter-religioso deixou alguns católicos nervosos – à época e agora. Em 2005, quando os bispos dos Estados Unidos estavam criando um Catecismo para jovens adultos, no qual cada capítulo começa com o perfil de um católico exemplar, Merton foi originalmente incluído, mas depois removido.

Charge do National Catholic Reporter de 11-03-2005 ilustra a polêmica sobre a remoção de Thomas Merton de um Catecismo católico para jovens adultos (Ilustração: Pat Marrin)

“A geração com a qual estávamos falando não tinha nem ideia de quem ele era”, disse na época o bispo Donald Wuerl, presidente do conselho editorial da instituição. Mas ele também fez alusão a preocupações de que os estudos de Merton sobre as religiões orientais implicassem uma falta de compromisso com o catolicismo.

Nada poderia estar mais longe da verdade, dizem estudiosos de Merton. E o Papa Francisco deve concordar, tendo escolhido Merton como um dos quatro estadunidenses que ele destacou em seu discurso ao Congresso dos Estados Unidos em 2015.

Merton “continua sendo uma fonte de inspiração espiritual e um guia para muitas pessoas”, disse o papa. “Merton foi, acima de tudo, um homem de oração, um pensador que desafiou as certezas do seu tempo e abriu novos horizontes para as almas e para a Igreja. Ele também foi um homem do diálogo, um promotor da paz entre os povos e as religiões.”

O organizador do congresso de Chicago, Steven Millies, disse que Merton era um “fiel inquieto”, que pode falar com os “nones” de hoje e com outros que lutam com a religião institucional.

“Ele lutou com a tradição, assim como queria viver dentro dela”, disse Millies, diretor do Bernardin Center.

“Eu acho que é útil voltar para alguém que foi um comentador e observador pensativo, confiante, questionador e crítico da condição social, que estava tentando encontrar uma maneira de se conectar com o mundo fora da Igreja”, disse ele.

Na Loyola, os estudantes respondem à conexão de Merton com a contemplação e a ação social, e a sua abertura ao diálogo inter-religioso que não desvaloriza outra tradição teológica, disse Michael Murphy, diretor do Hank Center.

Merton pode ser um modelo em um tempo de profunda polarização, disse ele. “Mesmo que tenham se passado 50 anos desde que ele morreu, eu acho que finalmente o estamos entendendo.”

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