19 Agosto 2018
“É justo que esses terríveis acontecimentos venham à tona, porque assim a chaga pode ser curada. Por um longo tempo, infelizmente, a cultura predominante foi a do encobrimento, da negligência e da omissão. Mas, nas últimas duas décadas, houve reformas que permitiram reduzir drasticamente o fenômeno.” O Pe. Hans Zollner, 51 anos, jesuíta alemão, membro da Comissão vaticana contra a pedofilia e presidente do Centro de Proteção dos Menores, instituído junto à Pontifícia Universidade Gregoriana, comenta ao telefone as notícias sobre o relatório de mais de 1.300 páginas publicado pela Procuradoria estadunidense da Pensilvânia sobre os abusos sexuais cometidos em seis das oito dioceses do Estado norte-americano. Sobre o caso, também foi divulgada uma declaração do diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Greg Burke.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 17-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
O que esse relatório nos diz?
Ele nos diz: durante décadas, houve padres que abusaram de menores, e a cultura predominante na Igreja foi a do encobrimento, da negligência e da omissão.
Os sacerdotes envolvidos e citados pelo nome são 301. Os menores abusados são mais de mil...
Sim, embora se deva notar que, na grande maioria, trata-se de casos muito velhos. Desde 2002, isto é, desde que os bispos dos Estados Unidos assumiram regras precisas sobre como proceder, os casos caíram drasticamente. Portanto, houve uma mudança significativa no combate ao fenômeno, e as medidas adotadas funcionam.
As estatísticas sobre os casos da Pensilvânia estão de acordo com as dos relatórios anteriores?
Elas parecem um pouco mais elevadas em comparação com os dados do John Jay Report, encomendado pelos bispos dos Estados Unidos, que relatava, no período entre 1950 e 2002, acusações validadas contra 4.392 sacerdotes estadunidenses, cerca de 4% daqueles que estavam em serviço nesse período.
Sempre se trata de pedofilia?
É melhor falar de abusos sexuais de menores: os casos de pedofilia propriamente dita são um percentual limitado em comparação com os casos cujas vítimas são adolescentes e, na maioria dos casos, trata-se de abusos homossexuais.
A Igreja está fazendo o suficiente?
Se falamos desses casos em estado de choque, isso significa que o estamos levando a sério. Nos Estados Unidos, até 30 anos atrás, na Alemanha, até oito anos atrás, não se falava a respeito. Eles devem vir à tona porque só desse modo, como dizia Bento XVI, essa chaga pode ser curada.
As novas leis de emergência aprovadas por Bento XVI e por Francisco são suficientes?
As novas normas são importantes, e devemos trabalhar para ter leis canônicas ainda mais concretas. Mas as leis não são suficientes se a mentalidade não mudar. A Comissão vaticana deu maior visibilidade a esse tema, e nós organizamos cerca de 600 encontros e oficinas em diversos países para ajudar os bispos e os superiores religiosos a pôr em prática as ações necessárias para garantir a proteção dos menores. Propusemos que haja um dia mundial de oração pelas vítimas da pedofilia, organizado em nível local pelas respectivas Conferências Episcopais.
Leia mais
- O Papa condena com ‘dor e vergonha’ as ‘atrocidades’ dos abusos sexuais. Carta do Papa Francisco ao Povo de Deus
- A missão da Igreja está em jogo na luta contra os abusos. Entrevista com Hans Zollner
- ''O clericalismo é um componente da crise dos abusos sexuais na Igreja.'' Entrevista com Stéphane Joulain
- Papa considera que trazer à tona os casos de abusos sexuais ajuda a “limpar” a Igreja católica
- Lembre-se sempre que os responsáveis e autores de pecados e crimes tais como os abusos sexuais de crianças temem mais a imprensa do que o inferno
- L'Osservatore Romano elogia a mídia por lançar luz sobre abusos sexuais
- Arrependimento, tristeza, vergonha: reações da Igreja ao relatório sobre abusos na Pensilvânia
- EUA. Igreja da Pensilvânia encobriu mais de 1.000 abusos contra crianças nas últimas décadas
- Batalha contra a pedofilia clerical só será vencida com verdade e autocrítica
- Esclarecimento sobre o suposto excesso de informações sobre a pedofilia clerical
- Pedofilia: ONU não consegue avaliar o Vaticano. Relatório da Santa Sé não está pronto
- “Acobertar os casos de pedofilia é favorecer que os abusos continuem”, afirma Luis Ladaria
- Chile. No marco dos abusos sexuais, Procurador Geral da República ordena buscas na Conferência Episcopal Chilena
- Chile. Jesuítas enviarão ao Vaticano antecedentes de investigação por abusos de sacerdote
- Chile. Francisco se reúne com as vítimas de abusos e pede "uma resposta justa para cada um"
- A transparência é uma cura geral? A crise dos abusos e os riscos da revolução eclesial. Artigo de Massimo Faggioli
- Ex-membros de Conselho americano sobre abusos: inquérito independente sobre o abuso de seminaristas é necessário
- Reflexões sobre a crise de abusos: não se trata apenas de McCarrick. Depoimento de uma jornalista
- Abusos sexuais: a Igreja deve questionar-se sobre a sua parte de responsabilidade
- Chile. Carta do Monsenhor Goic ao cardel Ezzati pelos abusos: “Está em jogo a credibilidade da nossa missão”
- Chile. “É errôneo concluir que tenha perdido toda autoridade ou credibilidade”, dispara cardeal Medina
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Abusos: ''Não bastam as leis se a mentalidade não mudar'', afirma Pe. Zollner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU