O movimento pela igualdade das mulheres na Igreja não pode parar

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05 Abril 2018

"Discutir sobre se as mulheres devem ser admitidas ao diaconato é muito pouco quando as mulheres e seus filhos continuam morrendo todos os dias pelas formas como as empobrecemos e vitimizamos", escrevem Marianne Duddy-Burke, diretora executiva da DignityUSA, Kate McElwee, diretora executiva da Conferência para Ordenação de Mulheres (WOC, de Women's Ordination Conference), Mary E. Hunt,  teóloga feminista e co-fundadora e co-diretora da Women's Alliance for Theology, Ethics and Ritual (WATER), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 03-04-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.

Eis o artigo.

Como católicas feministas e líderes de organizações comprometidas com a justiça para as mulheres dentro da Igreja, bem como em toda a sociedade, temos acompanhado os esforços do Voices of Faith (Vozes da Fé) de abrir os muros do Vaticano, promovendo um fórum anual sobre as mulheres dentro de um dos últimos bastiões da dominação masculina no mundo ocidental.

Desde 2014, o Voices of Faith marca o Dia Internacional da Mulher (8 de março) com um evento que discute como a intersecção da doutrina e a prática católica impacta as mulheres mundialmente. Este ano, o Vaticano negou o uso de uma sala dentro de suas paredes às mulheres, pela seleção de palestrantes pelo grupo, como a ex-presidente irlandesa Mary McAleese e a ativista lésbica ugandense Ssenfuka Joanita Warry. O Voices of Faith realizou o fórum a poucos metros, no Hall Jesuíta.

Aplaudimos a decisão de manter palestrantes que abordariam questões de uma forma que desafiava a autoridade do Vaticano, em vez de substituir por pessoas mais "aceitáveis" para ficar dentro dos muros do Vaticano. É um sinal de crescimento e integridade do Voices of Faith e sinal de que não se pode impedir ou parar nosso movimento.

No hall, ficou claro que tanto o local como o discurso mudaram em comparação a programas anteriores. O vídeo de abertura, que desafiou o Vaticano a acompanhar o empoderamento global das mulheres, começou com os desafios ousados e diretos para a Igreja institucional que caracterizaram o quinto encontro anual.

A sala ficou totalmente em silêncio enquanto Mary McAleese fez o discurso inaugural. Ela é uma crítica brilhante e apaixonada, com experiência política, credenciais de direito canônico, sagacidade irlandesa, experiência como mãe de um homem gay e coragem para soltar o verbo num discurso inesquecível. Seu próprio bispo, o Arcebispo de Dublin Diarmuid Martin, disse que ela era "brutalmente forte” e ele teve que "aceitar o desafio com a humildade de quem reconhece a sua alienação".

O discurso de McAleese preparou o terreno para desafios igualmente sérios ao dogma do Vaticano e levantou questões que são preocupações fundamentais das mulheres no mundo todo. Foi a primeira vez que ouvimos as palavras "aborto", "lésbica" e "dor do período menstrual" num fórum do Voices of Faith. Também foi a primeira vez que se falou da ordenação de mulheres ao sacerdócio de forma positiva.

Outros palestrantes abordaram como a hierarquia católica e a misoginia, além de criar um clero e um órgão decisório exclusivamente masculinos na Igreja, sustentam a exclusão das mulheres da autoridade ou mesmo da representação na educação, nos negócios e no governo. Sem timidez, apontaram como líderes religiosos, incluindo Francisco, colocam em risco a vida e a segurança ao endossar a criminalização da homossexualidade.

A renúncia mais explícita, talvez o tema do dia, foi as muitas maneiras em que as mulheres procuram santuário na igreja e apenas encontram mais perigo sob a forma da violência espiritual que mulheres católicas vivenciam em sua casa espiritual. Viver a sua fé todos os dias e em todos os lugares é um direito de todo ser humano, um direito anulado para mulheres católicas.

Outra importante mensagem é que para a Igreja Católica, em relação a outros abusadores das mulheres, o tempo acabou. Palestrantes do Voices of Faith articularam o que é verdade para milhões: não vamos mais passar nosso tempo precioso educando clérigos celibatários sobre a realidade da vida das mulheres, nem vamos esperar pacientemente por mudanças nas políticas imperialistas que nos desumanizam e comprometem. Estamos indo em frente, buscando novas maneiras de ser Igreja e de viver a espiritualidade que sejam verdadeiramente libertadoras; que reconheçam que, tanto quanto nossos irmãos, nós também temos e irradiamos a luz divina, como disse a nossa irmã lésbica ugandense Ssenfuka Joanita Warry com tanta força.

O evento também destacou que a Igreja deve trabalhar em várias formas de fazer justiça, em vez de impor ideologia doutrinária. A injustiça de gênero está em jogo quando as mulheres são excluídas do sacerdócio e, assim, da tomada de decisão na Igreja Apostólica Católica Romana.

É o mesmo tipo de injustiça de gênero que causa discriminação contra as mulheres em todo o mundo.

Pelos milhões de refugiados expulsos de casa pela guerra, a fome, a pobreza ou a ganância humana; pelos milhões de meninas que não têm acesso à educação; pelas inúmeras mulheres que não se identificam com as expectativas culturais misóginas e heteronormativas; pelos milhões de mulheres que lutam para alimentar, dar casa e roupa aos filhos; pelas mulheres a quem a justiça reprodutiva é negada; por todas nós que vivemos num planeta que está morrendo por falhas administrativas, precisamos de uma resposta urgente para os perigos reais deste mundo.

Discutir sobre se as mulheres devem ser admitidas ao diaconato é muito pouco quando as mulheres e seus filhos continuam morrendo todos os dias pelas formas como as empobrecemos e vitimizamos.

Este evento e o trabalho que as organizações de movimentos como o nosso, baseados nas necessidades reais e diárias dos seres humanos, destacam todas as formas como muitas vezes fazemos as perguntas erradas e discutimos assuntos que obscurecem as questões mais urgentes.

O evento iluminou a falácia de que "permitir” que as mulheres ocupem funções ministeriais que oportunizam que elas atuem e, ao mesmo tempo, proibir a sua entrada na política seria um progresso: visibilidade sem voz pode ser mais prejudicial do que a exclusão total.

Destacou o fato de que enquanto as mulheres não tiverem um lugar nas mesas onde as decisões são tomadas e os recursos alocados, os problemas urgentes da família humana não podem ser resolvidos de forma eficaz, pelo menos não pela comunidade católica.

Também colocou forte ênfase, como disse Mary McAleese, na forma como a Igreja Católica, como "portadora global do vírus tóxico da misoginia" é coletivamente responsável por não permitir a resolução desses grandes males.

Esperamos que as conversas provocadas pelo Voices of Faith continuem ao redor do mundo, com um senso de urgência e convicção. A vida de nossos filhos e netos depende disso.

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