O pré-sal em troca do pescoço?

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17 Fevereiro 2016

Após anos de um casamento feliz com a Petrobras, uma intimidade a lhe custar várias investigações na Operação Lava Jato, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Congresso, agora está chateado.

Tirar da companhia as riquezas do pré-sal é uma votação prioritária do peemedebista para o ano, conforme anunciou dias atrás na reabertura do Parlamento.

A reportagem é de André Barrocal, publicada por CartaCapital, 17-02-2016.

Antes de discursar, Calheiros comentou seus planos com Dilma Rousseff, presente à mesma cerimônia e notória defensora da lei atual. O teor exato da breve conversa é um mistério, mas em Brasília corre a impressão de um recuo presidencial em um tema caro à base social do governo e de enorme interesse geopolítico.

A proposta encampada por Calheiros é de autoria do senador tucano José Serra (SP) e andou aos trancos e barrancos em 2015, graças à resistência de um grupo barulhento de senadores, dos petroleiros e do próprio Planalto.

O projeto acaba com a condição especial desfrutada pela Petrobras na produção em águas ultraprofundas. Pela Lei da Partilha, de 2010, a estatal é a operadora única no pré-sal, ou seja, comanda tudo na extração. Caso tenha sócios, sua fatia no negócio deve ser de ao menos 30%.

Para Serra, a estatal não tem dinheiro para investir, por causa do elevado endividamento, daí a necessidade de facilitar a participação das petroleiras estrangeiras.

Dilma, segundo notícias recentes, teria sinalizado a Calheiros que o Palácio do Planalto não entraria no debate público do projeto nem trabalharia contra sua aprovação no Senado. Estaria inclusive disposto a negociar algo. Uma versão até agora não desmentida por qualquer porta-voz ou canal governista.

De acordo com um senador que falou com Calheiros a respeito, o peemedebista afirma que a presidenta teria ficado quieta ao saber da prioridade para a votação sobre o pré-sal. Um ministro frequentador do gabinete presidencial não duvida que a mandatária possa ter mudado de ideia, por força da conjuntura política e econômica.

Em Brasília, há quem veja o estado do Rio de Janeiro como a mão oculta a empurrar Calheiros. Um vice-líder governista diz que até hoje o ex-governador Sérgio Cabral faz campanha contra a Lei da Partilha. Motivo: sem ela, o Rio arrecadaria mais royalties, para alegria do grupo político de Cabral, incluído aí o atual governador, Luiz Fernando Pezão.

Em agosto de 2015, Pezão foi ao Senado defender a proposta de Serra, em uma audiência pública cancelada na última hora.

A queda do preço do barril a partir de 2014 piorou a queixa fluminense. Área da maior bacia do País, a prefeitura de Campos viu despencar sua receita com royalties. De 1,3 bilhão de reais, em 2013, o valor caiu quase à metade, em 2015, e neste ano deve fechar em 500 milhões de reais.

Uma aliança Calheiros-Pezão não é algo que Dilma possa ignorar no atual xadrez político nacional. A dupla peemedebista foi decisiva até aqui para a petista resistir à ameaça de cassação. Eles foram fundamentais, por exemplo, para frear o assanhamento de Michel Temer, que é do PMDB, quando o vice-presidente embarcou no “Fora Dilma”.

Foram essenciais também para o carioca Leonardo Picciani, neodilmista, segurar-se na liderança dos deputados do partido contra a investida de um insurgente apoiado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Diante da impossibilidade política de confrontar Calheiros e o Rio, há quem acredite que Dilma continua com as mesmas convicções sobre a importância da presença da Petrobras no pré-sal e busca uma saída que evite colisões com os aliados peemedebistas.

Na segunda-feira 15, a presidenta reuniu-se no Planalto com líderes de partidos governistas no Senado e o assunto “projeto do pré-sal” surgiu. Um dos senadores presentes notou: todas as intervenções presidenciais foram desencorajadoras de mudanças na lei, como o atual valor barato do petróleo.

Uma solução aventada para manter a Petrobras em uma condição especial no pré-sal mesmo com a votação do projeto de Serra seria alterar o texto para a estatal ter o direito de decidir se entra ou não como operadora única em campos de exploração. Outra solução: dar ao governo o direto de opinar, via Conselho Nacional de Política Energética.

Política à parte, o mercado do petróleo não encoraja tentativas de mudar as regras de exploração do pré-sal agora. Ao contrário. A cotação do barril oscila pelos 30 dólares desde dezembro e ninguém aposta em uma recuperação significativa dos preços neste ano nem em 2017.

Em café da manhã com jornalistas no Planalto em meados de janeiro, a presidenta foi categórica. Neste valor, afirmou, o governo não fará novos leilões de campos do pré-sal, “a não ser que você queira dar para alguém”. Ou seja, a dívida da Petrobras, se não for diminuída, pode até atrapalhar investimentos futuros no pré-sal, mas nada indica que haverá necessidade imediata de aportes.

A ausência da Petrobras foi uma das razões apontadas pela Agência Nacional do Petróleo para o fracasso de um leilão de campos de exploração de petróleo convencional, do tipo pós-sal, realizado em outubro. Só 14% dos lotes foram arrematados.

No mundo todo, as petroleiras estão mais interessadas em desfazer do que em fazer negócios, devido à baixa cotação do barril. A modéstia deu o tom nos balanços do setor em 2015. As seis gigantes petroleiras com ações em Bolsa investiram 20% menos e seus lucros caíram 98%, conforme levantamento do jornal Valor.

Com o mercado internacional em baixa, a eventual exclusão da Petrobras de leilões vindouros teria impactos muito mais relevantes no futuro e do ponto de vista estratégico.

Além disso, entre as justificativas para a estatal ser a operadora única, a Associação dos Engenheiros da Petrobras e a Federação dos Petroleiros citam o domínio tecnológico da exploração em águas ultraprofundas e a possibilidade de evitar fraudes.

Dilma Rousseff pode até evitar o debate do projeto, mas o silêncio também é um risco. No caso, um risco de sofrer um dano político decorrente daquela percepção, captada em pesquisas, de que a presidenta diz uma coisa e faz outra.

Em agosto de 2015, quando a ampulheta do impeachment prometia emoções, a petista recebeu vários movimentos sociais no Planalto e declarou: “Enquanto eu for presidenta, vou lutar até a minha última força para manter a Lei de Partilha”.

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